Seria ótimo derrubar
proto-fascista instalado no posto de maior poder do planeta. Porém, ação aberta
ontem pode ser atalho para frear a avanço da esquerda e recompor o casamento do
Partido Democrata com a plutocracia americana
Paul Street | Outras Palavras
O processo de impeachment contra
Donald J. Trump está aberto. O que fazer dele? É difícil não gostar de ver o Perverso contorcer-se
e atacar como uma fera ferida. Não há humilhação pública suficiente para essa
caricatura patética de ser humano, esse ser racista, sexista, ecocida e
fascista que coloca o mundo em risco com sua presença no cargo mais poderoso. O
regime racista, sexista, xenófobo e plutocrático de Trump causou grandes danos
às regras básicas democráticas e humanas, à decência civilizacional, à justiça
social e perspectivas de um futuro decente. Tudo isso torna impossível a
qualquer pessoa de esquerda ou progressista que se preze não querer vê-lo cair
em desgraça e ser removido do poder. O regime Trump-Pence deve ser forçado a
deixar o cargo o mais rápido possível.
Mas como, por que razões, e
com que tipo de visão do futuro? O impeachment requer dois terços do
Senado, majoritariamente republicano. As chances de remoção são baixas. E ela
teria de ser precedida ou seguida da remoção do vice-presidente Mike Pence, um
fascista cristão que está programado para ascender à Casa Branca depois da saída
de Trump, segundo as regras da Constituição dos EUA.
A melhor maneira de remover Trump
não é meramente através de procedimentos projetados por uma elite de ricos
proprietários de escravos do século XVIII, negociantes capitalistas e
publicitários para quem a democracia era o maior pesadelo. É através de uma
rebelião de massa, sustentada por aquilo que a classe dominante norte-americana
mais teme: Nós, o Povo, a maioria trabalhadora. Deveríamos nos mobilizar
para derrubar esse regime da mesma maneira que o povo de Porto Rico expulsou
seu governador corrupto e racista, Ricky Rosello; da mesma forma que o povo de
Hong Kong obteve a revogação de uma lei de extradição autoritária e as massas
da Argélia derrubaram um regime autoritário no ano passado.
Não podemos deixar que o
espetáculo do impeachment mantenha milhões sentados diante de telas brilhantes
para saber como o desastroso sistema bipartidário dos EUA, a mídia corporativa
e uma Constituição ultrapassada “trabalham” pela democracia e pelo bem comum.
Eles não fazem tal coisa.
As eleições presidenciais a cada
quatro anos, centradas em candidatos muito ricos e na grande mídia, alimenta
uma desmobilização de massa fatal. O carnaval do impeachment poderia ser até
pior para manter as pessoas fora das ruas, coladas na tevê e apegadas à falsa
crença de que podemos construir um futuro decente sem mobilizar e organizar o
que Martin Luther King identificou corretamente como o “verdadeiro problema a
ser enfrentado” – “a reconstrução radical da própria sociedade”.
Trata-se de uma sociedade à beira
de uma catástrofe ambiental irreversível e da conquista autoritária final,
graças à desigualdade selvagem do capitalismo de Estado, tão extrema que os
três norte-americanos mais ricos possuem fortuna maior do que os recursos da
metade da população do país.
Impeachment apenas pelo
UcrâniaGate? Pelo fato de Trump usar o apoio militar norte-americano para
chantagear um governo estrangeiro e desenterrar sujeiras daquele que ele
imagina ser seu próximo concorrente à presidência, o magnata de direita Joe
Biden? A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, parece querer fazer desta a única
causa para impeachment, porque o UcrâniaGate parece fácil de entender, ao
contrário do RussiaGate. Mas os republicanos e a máquina barulhenta da direita
irão assegurar que não será simples assim. Contra-atacarão com teorias da
conspiração sobre Biden e seu filho, e-mails de Hillary e o Dossiê Steele, etc.
Limitar o escopo do impeachment ao UcrâniaGate é um mascaramento. Um site
ativista fornece a seguinte lista
assustadora de ofensas pelas quais Trump merece um impeachment:
violação à Constituição sobre emolumentos domésticos; violação à Constituição
sobre emolumentos estrangeiros; incitamento à violência; interferência nos
direitos de voto; discriminação com base em religião; guerra ilegal; ameaça
ilegal de guerra nuclear; abuso do poder de perdão; obstrução de justiça;
politização da justiça; conspiração contra os EUA junto a um governo
estrangeiro; fracasso na razoável preparação de resposta aos furacões Harvey e
Maria; separação de crianças e bebês das famílias; tentativa de influenciar
ilegalmente uma eleição; fraude fiscal e declaração pública falsa; ataque à
liberdade de imprensa; apoio a um golpe na Venezuela; declaração
inconstitucional de emergência; instrução à patrulha de fronteira para violar
as leis; recusa a cumprir intimações; declaração de emergência sem fundamento
para violar o desejo do Congresso; proliferação ilegal de tecnologia nuclear;
remoção ilegal dos Estados Unidos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário.
Todas essas são questões
legítimas para impeachment e remoção do cargo. Eu acrescentaria uma: a
aceleração criminosa do Ecocídio, a maior questão do nosso e de qualquer tempo.
Trump violou descaradamente seu juramento de servir ao Bem-Estar Geral, fazendo
todo o possível para transformar o mundo o mais rápido possível numa gigantesca
Câmara de Gases do Efeito Estufa.
Medhi Hasan, no site Intercept,
levanta uma excelente questão, sugerindo como o impeachment de uma nota só
“pode acabar em derrota”. Ele explica:
“Esperar tanto tempo para
impedir, apenas por sua interação com o presidente da Ucrânia, um presidente
imprudente, descumpridor da lei, racista e que evade impostos seria como a
Câmara democrata dar efetivamente a Trump um atestado de saúde em tudo o mais …
Esses democratas acham que o público é idiota? Poucos contestariam a singularidade
ou seriedade dessas revelações sobre a Ucrânia. Mas estão de fato dizendo que
‘todo mundo entende’ o toma-lá-dá-cá de Trump com o presidente de um país
estrangeiro e os detalhes do caso específico que envolve Hunter Biden, mas não
o pagamento ilegal e secreto de dinheiro a uma estrela pornô? Todo o
comportamento corrupto exposto diante de seus olhos? As ações descaradas em
benefício próprio? Leia qualquer pesquisa. A maioria dos norte-americanos
concorda com os 1.000 ex-promotores federais, para os quais o presidente
obstruiu a justiça. Também não acredita que o relatório Mueller tenha
inocentado Trump. A maioria ainda concorda que Trump é um racista e um
mentiroso, e que a corrupção aumentou sob seu governo. Trump é um presidente
historicamente impopular e antipatizado – e por várias razões. ”
Nunca se deve esquecer da crítica
de Noam Chomsky, sobre impeachment de fato e a renúncia de Richard
Nixon: Watergate tratava da quebra das regras da classe dominante por Nixon ao
assaltar desnecessariamente a sede das candidaturas do outro grande partido
imperial. As audiências de Watergate omitiram os bombardeios assassinos em
massa de Nixon e Kissinger no Camboja, Laos e Vietnã, o apoio criminoso de
Nixon e Kissinger a um golpe fascista no Chile e a cruel repressão do Estado
policial de Nixon aos movimentos antirracistas e contra a guerra. Os maiores
crimes de Nixon não foram ventilados e permaneceram impunes. Não é apenas que
Nancy Pelosi deseje afastar Trump por apenas uma de suas muitas ofensas. É
também o enquadramento profundamente conservador e imperial do crime de Trump,
segundo ela e seus colegas democratas corporativos-imperiais: pôr em risco a
assim denominada segurança nacional dos Estados Unidos ao introduzir
desajeitadamente o seu próprio interesse político na tarefa, supostamente
nobre, de “defender” os Estados Unidos e o Ocidente ao armar o regime de
direita da Ucrânia, repleto de elementos neofascistas escandalosos e
desonestos.
Há muito os Estados Unidos usam
assistência militar e econômica para praticar extorsão e suborno de outros
países. “Faça o que dizemos”, diz a mensagem mafiosa, “ou o tio Sam o elimina”.
Isso sempre foi praticado pelos democratas e não menos que pelos republicanos.
Em janeiro de 2018, o então vice-presidente (de Barack Obana) Joe Biden
gabou-se ao Conselho de Relações Exteriores por ter, como vice-presidente dos
EUA, suspendido o empréstimo de US $ 1 bilhão à Ucrânia até que o país
concordasse em demitir um promotor que os europeus, juntamento com o Fundo
Monetário Internacional e Washington, consideravam corrupto (isto é, contrário
dos interesses neoliberais).
Trump não está encrencado por
coagir a Ucrânia: os Estados Unidos intimidam e pressionam nações mais fracas o
tempo todo. Trump não caiu em desgraça porque introduziu tão obviamente seus
próprios interesses políticos na coerção costumeira. Suborno e extorsão, armas
padrão da política imperial dos EUA, não devem ser usados para autopromoção
política e para estimular influência estrangeira nas eleições dos EUA. A
política externa dos EUA tem a ver com o domínio burguês e imperial, e não com
um avanço pessoal neofeudal ou fascista.
Mas mesmo se seu escopo fosse
ampliado, o impeachment não representaria uma revolta popular contra as
estruturas de opressão do nosso tempo, que agora colocam uma grave ameaça
existencial à sobrevivência humana (observe como a história do impeachment
derrubou completamente, do circuito da mídia, a questão ambiental levantada
pela gigantesca Greve Global pelo Clima). Muito pelo contrário: é um processo
de elite projetado pelos “pais fundadores“ dos EUA – proprietários de escravos
que consideravam a política uma reserva especial dos proprietários, não da
“ralé”.
Nós, do lado de fora da porteira,
queremos colocar a “multidão” em massa nas ruas para enfrentar não apenas Trump
e Pence, mas também o sistema bipartidário mais amplo, do qual o regime de
Trump e o trumpismo são parte e sintoma. Trump é detestável, claro. Mas também
o fascista cristão Pence e o sistema bipartidário de dominação de classe e imperial
que propicia o crescimento de forças monstruosas brancas-nacionalistas. Os
democratas, descritos com precisão por Upton Sinclair em 1904 como uma das
“duas asas da mesma ave de rapina”, não são anjos. Observe este relato da rede
de negócios corporativos CNBC:
“Os doadores democratas de Wall
Street advertem o partido: ‘Iremos cair fora, ou apoiar Trump, se vocês
designarem Elizabeth Warren candidata. Em entrevistas recentes com vários
doadores democratas muito ricos e arrecadadores de fundos entre empresários, a
CNBC descobriu que essa opinião está se generalizando, à medida em que
Elisabeth Warren cresce contra Joe Biden. Os doadores de Wall Street e das
grandes corporações estão preparados para sair da campanha de arrecadação de
fundos para a campanha presidencial – ou até mesmo para apoiar o presidente
Donald Trump – se a senadora Elizabeth Warren vencer a disputa interna do
partido’. ‘Quero ajudar o partido, mas ela vai me prejudicar, então vou ajudar
o presidente Trump’ “, disse um executivo-sênior do mercado financeiro, que
falou sob condição de anonimato com medo de retaliação.
Leia novamente esse relato e
pense bem nele: “vários” financiadores de eleições do Partido Democrata estão
com o neofascista Trump não só contra Bernie Sanders, mas até mesmo contra a
autodeclarada “capitalista” e democrata de centro-esquerda Elizabeth Warren!
Ao mesmo tempo, não se deve
permitir que o impeachment espalhe ou reforce a lealdade popular a uma
Constituição ultrapassada e autoritária criada por ricos proprietários de
escravos, negociantes capitalistas, advogados e publicistas de elite para quem
a soberania popular era um anátema. Sob esse documento, antigo e
propositalmente antidemocrático, “Nós, o Povo” nem sequer elegemos o presidente
dos Estados Unidos por meio de uma votação popular majoritária direta. Nossa
palavra sobre quem ocupa o posto mais poderoso do mundo está restrita a dois
minutos uma vez a cada quatro anos. É quando os cidadãos altamente suspeitos
fazem marcas ao lado dos nomes que foram geralmente selecionados com
antecedência pelos poucos ricos. A Constituição dos EUA, profundamente
conservadora, requer dois terços de maioria do Senado para remover o presidente
depois do impeachment do Congresso. Essa é uma barreira extremamente alta, e
por isso nenhum presidente jamais foi removido através da cláusula de
impeachment (Nixon, abertamente criminoso, teria sido, se não renunciasse
antes). Também por isso, é muito difícil imaginar o atual Senado (dominado pelo
Partido Republicano, xenófobo e branco) removendo o Trump antes que ele seja
exibido na TV comendo crianças imigrantes vivas.
Alterar a Constituição é
propositadamente muito difícil, sem guerra ou revolução (já passou muito tempo
desta última). Este texto antigo e autoritário não merece mais legitimação do
que o sistema capitalista e imperial norte-americano, que há muito protege quem
o ajudou a incubar.
Não se pode permitir que o
impeachment se torne aquilo que o grupo de esquerda Recuse o Fascismo (RF)
chama corretamente de “um outro meio pelo qual os milhões que odeiam o que está
acontecendo sejam sugados para outro jogo de espera, à medida em que o regime
Trump/Pence aterroriza mais gente”. O RF está certo: “não será possível nenhuma
visão de futuro positivo para a humanidade enquanto esse regime permanecer no
poder. Esperar até 2020 é inadmissível. Protestos não violentos e contínuos
precisam ser organizados e iniciados o mais rápido possível.”
Aqui é importante notar que o
impeachment é um mobilizador para a massa horrenda e armada dos nacionalistas
brancos Amerikaners. É também um grande incentivo para o próprio Trump fazer
algo asqueroso: iniciar uma guerra com o Irã, invadir a Venezuela, inventar uma
nova ameaça terrorista, estimular alguém de seu exército de sniperes racistas
e/ou flertar com “fogo e fúria” termonucleares. Devemos todos ficar de olho em
como esse monstro pode se comportar. Ele está enlouquecido e ferido, mas tem
cartas horríveis em seu baralho diabólico.
Sentar e esperar que os senhores
e sua santa Constituição consertem as coisas é um grande erro. Precisamos
urgentemente mobilizar o povo para derrubar esse regime neofascista e o
terrível sistema capitalista e imperial que o originou.
Antes do “escândalo da Ucrânia”
estourar, pensei que poderia chegar um momento muito esperado de mobilização em
massa, se Trump se recusasse a sair depois de ser derrotado nas eleições de
2020. Agora, acho que talvez possa ocorrer o mesmo se o líder do Senado, Mitch
McConnell recusar-se a abrir um julgamento contra Trump, depois da Câmara abrir
o impeachment. Se Mitch estava disposto a encerrar uma audiência sobre uma
nomeação de Obama à Suprema Corte, ele certamente tentará evitar o julgamento
de Donald Trump no Senado, após a decisão da Câmara.
Mas não se trata de bola de
cristal ou de esperar que as elites se mexam. A hora é agora para organizar e
agir contra esse regime e o sistema letal que o produziu. Na ausência de
pressão mobilizada de baixo, as maquinações das elites manterão as coisas como
estão, com consequências desastrosas.
Chore pelo que os senhores
fizeram deste mundo e então organize, organize, organize. Precisamos
levar a divisão atual entre ao decrepitude do país e o establishment ecocida do
que quer o reinado dos investidores financeiros. Eles estão literalmente
arruinando os Estados Unidos e o planeta inteiro. Somente um movimento grande e
persistente, de milhões de pessoas, pode provocar a crise política real de que
necessitamos.
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