quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Portugal | Regionalização, a reforma por fazer...


Pedro Carlos Bacelar De Vasconcelos* | Jornal de Notícias | opinião

1. A criação das regiões administrativas é a mais importante reforma política por concretizar, na construção do regime democrático instaurado pela Revolução de 25 de Abril de 1974 e solenemente inscrita na Constituição de 1976.

Passaram 43 anos sem que ninguém até hoje se tenha atrevido a propor que fosse apagado do texto constitucional o imperativo da criação das regiões administrativas. Porém, a reforma continua adiada, como sempre, "em nome da incerteza e da prudência". Esquecem-se talvez que foi também "em nome da incerteza e da prudência" que em Portugal sobreviveu, durante 48 anos, a mais longa e mesquinha ditadura da Europa ocidental.

2. A dimensão participativa do sistema de representação democrática moderna - a que aderimos tão tarde! - reclama níveis sucessivos de proximidade capazes de proporcionar uma articulação eficiente do território e da população com as respetivas instâncias decisórias, nas áreas dos interesses próprios de cada um desses segmentos. Sem nenhuma tradição que a precedesse, a democracia local, com os seus municípios e freguesias, foi criada por decisão constituinte em 1976 e perante o sucesso que alcançou, ninguém hoje se atreve a deplorar a sua existência e a reclamar a sua extinção.

3. Embora sejam parte integrante da arquitetura constituinte do "Poder Local" (Capítulo IV, Título VIII da CRP), as regiões administrativas, com o desenho das cinco "comissões de coordenação e desenvolvimento" atuais, foram sempre mantidas na dependência direta do Governo e da administração central. Por isso, parece absurdo que quando surge finalmente um Governo e uma maioria parlamentar dispostos a largar mão de uma prerrogativa tão ciosamente aferrolhada por todos os governantes que o antecederam, se faça ouvir tão indignado clamor pelas bandas da Presidência e de algumas forças da Oposição.

4. Lisboa guarda a memória da grandiosa capital do mais velho dos impérios da era moderna, mas continua condenada a um estatuto paroquial - um sucedâneo da corte régia extinta pela República em 1910 -, para onde se canalizam os sonhos de poder e vã glória nascidos nas paragens remotas que se estendem para além da 2.a Circular. Não é justo! Não é justo para Lisboa nem para a extensão territorial desqualificada que a separa da fronteira com Espanha nem para os que habitam de um ou do outro lado da linha. É tempo de iniciar um debate público sério sobre essa evidência tão óbvia aos olhos do legislador constituinte, para finalmente preencher esta grave lacuna na construção da nossa democracia.

*Deputado e professor de Direito Constitucional

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