Pedro Carlos
Bacelar De Vasconcelos* | Jornal de Notícias | opinião
1. A criação das regiões
administrativas é a mais importante reforma política por concretizar, na
construção do regime democrático instaurado pela Revolução de 25 de Abril de
1974 e solenemente inscrita na Constituição de 1976.
Passaram 43 anos sem que ninguém
até hoje se tenha atrevido a propor que fosse apagado do texto constitucional o
imperativo da criação das regiões administrativas. Porém, a reforma continua
adiada, como sempre, "em nome da incerteza e da prudência". Esquecem-se
talvez que foi também "em nome da incerteza e da prudência" que em
Portugal sobreviveu, durante 48 anos, a mais longa e mesquinha ditadura da
Europa ocidental.
2. A dimensão participativa do
sistema de representação democrática moderna - a que aderimos tão tarde! -
reclama níveis sucessivos de proximidade capazes de proporcionar uma
articulação eficiente do território e da população com as respetivas instâncias
decisórias, nas áreas dos interesses próprios de cada um desses segmentos. Sem
nenhuma tradição que a precedesse, a democracia local, com os seus municípios e
freguesias, foi criada por decisão constituinte em 1976 e perante o sucesso que
alcançou, ninguém hoje se atreve a deplorar a sua existência e a reclamar a sua
extinção.
3. Embora sejam parte integrante
da arquitetura constituinte do "Poder Local" (Capítulo IV, Título
VIII da CRP), as regiões administrativas, com o desenho das cinco
"comissões de coordenação e desenvolvimento" atuais, foram sempre
mantidas na dependência direta do Governo e da administração central. Por isso,
parece absurdo que quando surge finalmente um Governo e uma maioria parlamentar
dispostos a largar mão de uma prerrogativa tão ciosamente aferrolhada por todos
os governantes que o antecederam, se faça ouvir tão indignado clamor pelas
bandas da Presidência e de algumas forças da Oposição.
4. Lisboa guarda a memória da
grandiosa capital do mais velho dos impérios da era moderna, mas continua
condenada a um estatuto paroquial - um sucedâneo da corte régia extinta pela
República em 1910 -, para onde se canalizam os sonhos de poder e vã glória
nascidos nas paragens remotas que se estendem para além da 2.a Circular. Não é
justo! Não é justo para Lisboa nem para a extensão territorial desqualificada
que a separa da fronteira com Espanha nem para os que habitam de um ou do outro
lado da linha. É tempo de iniciar um debate público sério sobre essa evidência
tão óbvia aos olhos do legislador constituinte, para finalmente preencher esta
grave lacuna na construção da nossa democracia.
*Deputado e professor de Direito
Constitucional
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