Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião
Não têm sido tempos fáceis para o
sector da banca. Depois dos escândalos financeiros que levaram à nacionalização
do BPN, à falência do BPP, à insolvência/recapitalização/venda do Banif, à
intervenção do Estado na CGD e à resolução do BES, a comoção dos depositantes e
accionistas não tem parado de crescer ao ritmo das falências, perdas,
empréstimos e descapitalizações. Sistema financeiro, Banco de Portugal,
regulador, comissões de inquérito, todo um novelo de especulação, falta de
rigor, crime, favorecimento e compadrio.
À escala internacional, um
assalto de muitos milhões para o bolso de alguns. Para milhões de pessoas, um
assalto sem mão armada perpetrado pelas zonas cinzentas e permitida pela
desregulação do sector financeiro. Nos dias de hoje, dos bancos e de muitos banqueiros,
espera-se muita coisa mas não um vendaval de emoções. Pensávamos nós, incautos
depositantes de zero de juro à ordem, que as verdadeiras dificuldades eram
sentidas por quem não auferia salário para fazer face a todos os dias do mês. A
habitação ou a falta dela, o endividamento ou o desemprego, a fome ou a
indignidade. No fundo, a impossibilidade, o quase fado da pobreza. Mas não.
Faltava a pequena história lusa, a singela contribuição particular de um homem
para contar uma grande história de comoção. Ei-la.
Foi por estes dias de Natal que
ficamos a saber que há, pelo menos, mais um ser humano que não pode ficar
"Sozinho em casa" para além de Macaulay Culkin. Licínio Pina,
presidente do Grupo Crédito Agrícola, garantia à sua esposa (desde 2016 até data
incerta), uma subvenção mensal de mais de 2000 euros líquidos - paga pelo banco
- a título de contributo para a sua estabilidade emocional. Mas faltou à esposa
do presidente a estabilidade do conselho emocional que se impunha e para a qual
o banco atenciosamente pagava: "não o faças".
Salvam-se bancos, salvam-se
homens. "Para o exercício das minhas funções e responsabilidades,
necessito de disponibilidade total e, acima de tudo, estabilidade
emocional", justificou Licínio Pina. A disponibilidade total para o
exercício das funções do presidente era assim garantida pela trave-mestra do
seu equilíbrio. E assim foi até cartas anónimas denunciarem esta pequena
história de um banqueiro em divã caseiro, acossado pela enorme responsabilidade
de fazer o seu trabalho com emoção equilibrada a preço módico. É comovente para
história de época e para uma nova dimensão de aforro familiar. Se é verdade que
a responsabilidade de gestão de um banco privado deve ser assegurada pelos seus
accionistas, também sabemos como se anunciou o fim da história de algumas
instituições destes reis magos. Tem custado muito ao Estado e ao bolso de cada
um de nós. Há casos que nem Freud explica.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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