domingo, 13 de janeiro de 2019

Venezuela | Fiori: Geopolítica e Fé


Não é por democracia, direitos humanos ou religião que se disputa o futuro da Venezuela – e alguns querem deflagrar uma guerra envolvendo o Brasil. É pelas maiores reservas de petróleo do planeta

José Luís Fiori, no site do Ineep | em Outras Palavras

While the US government is moving toward 

a policy of regime change in Venezuela, 
its action may simply lead to a prolonged standoff
Stratfor Worldview, Daily Brief, Oct, 4, 2018a


Três anos depois do início das sanções económicas americanas contra a Venezuela, o presidente Donald Trump anunciou, numa entrevista coletiva no estado de New Jersey – concedida no dia 14 de agosto de 2017 – que os EUA poderiam fazer uma ação militar na Venezuela. E, um ano depois, no dia 8 de agosto de 2018, o jornal New York Times noticiou que de fato, vários funcionários americanos já haviam se reunido com militares venezuelanos, para promover a derrubada do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Por outro lado, e dentro deste mesmo tabuleiro, no mesmo mês de agosto de 2018, o presidente venezuelano visitou Pequim e recebeu o apoio político e financeiro do presidente Xi Jinping, assinando 28 acordos de cooperação com a China, nas áreas de energia e mineração, acordos que alargam e aprofundam uma relação econômica de mais de uma década, que já superou a casa dos 50 bilhões de dólares emprestados ou investidos em 780 projetos econômicos financiados pelos chineses ou montados em parceria com os venezuelanos.

Paralelamente, o presidente Maduro visitou e foi recebido na cidade de Moscou como um “aliado estratégico” da Rússia, com quem assinou acordos de investimento, no valor de 6 bilhões de dólares, destinados aos setores de petróleo e mineração de ouro. Mas não há dúvida que este “conflito anunciado” mudou de qualidade, no dia 10 de dezembro do ano passado, quando aterrissaram no aeroporto internacional de Caracas dois bombardeiros estratégicos Tu-160, um avião de transporte militar An124, e uma aeronave Il-62, da Força Aeroespacial da Rússia, para participar de exercícios militares conjuntos com as forças venezuelanas. Neste momento, com toda certeza, a Venezuela mudou de posição no cenário internacional e passou a ocupar um outro lugar, muito mais importante, na competição entre as três grandes potências que lutam pelo poder global, neste início do século XXI.

Uma disputa aberta e sem fim previsível que se acelerou na segunda década do século, depois da posse de Vladimir Putin e Xi Jinping, em 2012 e 2013, respectivamente, e ainda mais, depois da posse de Donald Trump, em janeiro de 2017. Como todos os analistas já entenderam, Donald Trump abandonou a velha política norte-americana de apoio e promoção ativa de regras e instituições de governança multilateral e adotou como bússola de sua política externa, o modelo westfaliano de solução dos conflitos mundiais através da competição e do uso agressivo do poder econômico como arma de guerra, e o uso permanente da ameaça militar para o caso em que as sanções econômicas não funcionem. Numa luta sem quartel e sem religião, orientada pelo mesmo nacionalismo econômico da Rússia e da China, e de todas os demais países que tem ainda algum peso dentro do sistema mundial.

O petróleo não é a causa de todos os conflitos do sistema internacional. Mas não há dúvida que a grande centralização de poder que está em curso dentro do sistema interestatal também está transformando a permanente luta pela “segurança energética” dos Estados nacionais numa guerra entre as grandes potências pelo controle das novas reservas energéticas que estão sendo descobertas nestes últimos anos.

Uma guerra que se desenvolve palmo a palmo, e em qualquer canto do mundo, seja no território tropical da África Negra, ou seja nas terras geladas do Círculo Polar do Ártico; seja na turbulentas águas da Foz do Amazonas, ou seja na inóspita Península de Kamchatka. Mas não há dúvida que as descobertas mais importantes e promissoras deste início de século, foram a das areias betuminosas do Canadá, do pré-sal brasileiro, e a do cinturão do rio Orinoco, na Venezuela. O cinturão do Orinoco transformou a Venezuela na maior reserva de petróleo do mundo, calculada hoje em 300 bilhões de barris; enquanto as areias monazíticas transformaram o Canadá na terceira maior reserva, estimada em 170 bilhões de barris, logo depois da Arábia Saudita, mas muito à frente do Brasil que assim mesmo saltou para o décimo quinto lugar do ranking mundial, com reservas estimadas de 13 milhões de barris [1], sem levar em conta, evidentemente, as estimativas de alguns centros de pesquisa que falam de que haveria até 176 bilhões de barris de reserva em todo o “polígono do pré-sal” brasileiro. Se somarmos a isto o salto da produção americana de petróleo e de gás, nos últimos três ou quatro anos, produzido pelo fracking boom, entenderemos por que o continente americano está se transformando no novo grande foco da geopolítica energética mundial. E entenderemos também, duas outras coisas: a decisão norte-americana de voltar a ser o maior produtor de petróleo do mundo, e o pivô ou controlador – em última instância – dos níveis de produção e preço do mercado mundial de petróleo.

O problema é que agora, do outro lado desta disputa, já não está apenas a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, que segue sendo um “Estado-cliente” dos Estados Unidos. Está a Rússia, que é o segundo maior produtor mundial de petróleo, e que e está cada vez mais próxima e articulada com a OPEP, e com a própria Arábia Saudita. E está também a China, cada vez mais interessada em diversificar e garantir o seu fornecimento de energia, impedindo ao mesmo tempo que os Estados Unidos imponham sua supremacia e o seu controle sobre o mercado do petróleo, somando-o ao controle que já exercem sobre a moeda de referência internacional. E tudo indica que esta disputa deverá se acirrar ainda mais no ano de 2019, quando os EUA estarão tentando aumentar a produção mundial de óleo, enquanto a Rússia e a OPEP estarão forçando na direção contrária. No mesmo ano de 2019, aliás, em que a OPEP estará sendo presidida pela Venezuela, e a Rússia talvez esteja entrando na organização com o apoio da Arábia Saudita. Dessa perspectiva, talvez se possa compreender melhor a “ordem unida” que os norte-americanos decidiram impor dentro do seu hemisfério, e o enfrentamento geopolítico e geoeconômico que se anuncia na Venezuela.

Dentro deste quadro de enorme complexidade econômica e geopolítica, soa absolutamente delirante, quase infantil, imaginar que está sendo travada na Venezuela uma batalha em defesa da fé cristã, e dos valores e arquétipos da civilização ocidental. Este tipo de visão milenarista costuma reaparecer de tempos em tempos, em certas idades, e em alguns momentos da história, mas não costumam chamar atenção nem causar maiores danos coletivos enquanto se mantenham como uma fantasia individual. Mas tudo muda de feição quando estes arroubos milenaristas se transformam numa cruzada que pode dar lugar a uma guerra insana, neste caso, envolvendo pelo menos três países da América do Sul que não têm a menor experiência, nem a menor competência técnica, logística e psicológica para fazer uma guerra com suas próprias pernas. Em momentos como este, de grande exuberância teológica e entusiasmo salvacionista, é bom lembrar aos cruzados uma velha lição da história, a respeito destas “guerras santas”, entre pequenos “peões militares” terceirizados pelas grandes potências: depois que começam, elas não costumam ter fim.

Nota:[1] Dados publicados em 1º de janeiro de 2017, no The World Factbook, da Central Intelligence Aghency/ CIA.

- Publicado em Outras Palavras - Outras Mídias

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Cesare Battisti é preso na Bolívia


Ex-membro de guerrilha de esquerda condenado por assassinatos em seu país, italiano estava foragido desde dezembro, quando Temer decretou sua extradição do Brasil. Bolsonaro e autoridades da Itália comemoram detenção.

O italiano Cesare Battisti, ex-membro de uma guerrilha de esquerda condenado por assassinatos em seu país, foi detido na Bolívia, confirmou a Polícia Federal brasileira na madrugada deste domingo (13/01).

Contrariando afirmações do ministro do gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, de que o foragido seria primeiramente transportado para o Brasil, Battisti, de 64 anos, será extraditado diretamente para a Bolívia. Ele estava refugiado desde 14 de dezembro, após o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenar sua detenção e extradição para a Itália, e o então presidente, Michel Temer, assinar um decreto nesse sentido.

O ex-guerrilheiro foi detido na tarde de sábado na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra por uma equipe de agentes italianos e brasileiros ao caminhar pela rua, segundo fontes do Ministério do Interior italiano. As fontes afirmam que investigadores italianos nunca haviam perdido Battisti de vista, mas após sua saída do Brasil e chegada à Bolívia, aceleraram-se os movimentos para sua detenção.

Battisti escapou da prisão na Itália em 1981, enquanto aguardava julgamento por quatro homicídios supostamente cometidos entre 1977 e 1979, quando era membro do grupo de extrema esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Na década de 1990, foi condenado à prisão perpétua à revelia. O italiano reconheceu ter feito parte do grupo, mas nega ter cometido homicídios.

Após passar décadas na França e no México, Battisti se instalou no Brasil em 2004, onde permaneceu escondido até a sua detenção em 2007. O STF autorizou sua extradição em 2009, mas os ministros disseram que a palavra final deveria ser do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que rejeitou a medida em 31 de dezembro de 2010, o último dia de seu segundo mandato.

Mesmo antes de empossado, o presidente Jair Bolsonaro havia prometido "presentear" a Itália com Battisti. Neste domingo, ele parabenizou os responsáveis pela captura. "Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT)", escreveu no Twitter.

Deutsche Welle

Europeias 2019: o início de uma Europa populista?


"A imprensa portuguesa aparentemente bem se tem esforçado para criar um ambiente propício ao florescimento de um partido populista nas lusas terras, mas para já sem grande sucesso"

Flávio Gonçalves, Pravda.ru

A VoteWatch divulgou esta semana a sua projecção mais recente quanto às eleições Europeias de 2019, estimando que os eurodeputados nacionalistas, neo-fascistas, neo-nazis, populistas de direita e derivados venham a obter cerca de 25% dos assentos do Parlamento Europeu, tornando-se na segunda maior força.

Não deixa de ser curioso que uma estrutura pensada para unir a Europa e evitar novas guerras e ressurgimentos fascistas após 1945, esteja na prática a servir como plataforma para os mesmos e, a este ritmo, corremos o risco de um dia vir a ter um Parlamento Europeu com uma maioria absoluta de extrema-direita e, quiçá, uma Comissão Europeia que acabe por democraticamente impor o que em 1945 as armas não conseguiram.

Claro está que a natureza dos nacionalismos da direita europeia evitam que a médio prazo sejam uma ameaça, pois existe uma enorme hostilidade entre os eurogrupos parlamentares populistas das várias nações europeias e dificilmente chegarão a acordo entre si (por norma chegam a acordo com conservadores e liberais nas suas respectivas nações, e certamente manterão a tendência no Parlamento Europeu). 

Na realidade serão mais de 25% dos eurodeputados, uma vez que a VoteWatch se cingiu aos partidos que integram eurogrupos parlamentares reconhecidamente de extrema-direita e olvidou de incluir nesta estimativa outros populistas e nacionalistas da Hungria, Dinamarca e Finlândia (que me ocorrem de memória, certamente existirão mais) que estão integrados no Partido Popular Europeu e noutros eurogrupos centristas. 2019 aparenta mesmo ser um ano de viragem para a política europeia, mantendo-se para já Portugal como única excepção após o sucesso do Vox em Espanha.

A imprensa portuguesa aparentemente bem se tem esforçado para criar um ambiente propício ao florescimento de um partido populista nas lusas terras, mas para já sem grande sucesso. A ver vamos qual será a popularidade de André Ventura, pessoalmente - como efectuei com Marinho e Pinto - já ando a firmar apostas de almoços e jantares em como, dada a natureza do eleitorado português, não irá conseguir eleger nem um único deputado. A ver vamos.

*Flávio Gonçalves é membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono, sócio fundador do Instituto de Altos Estudos em Geopolítica e Ciências Auxiliares, editor, autarca, director da revista "Libertária" e colaborador do Pravda.ru, pode segui-lo em twitter.com/flagoncalv e fb.com/flagoncalv 

Foto: Pixabay

França | A mobilização dos coletes amarelos não amortece


Rémy Herrera

Um exemplo: para o "Acto VII" de 29 de Dezembro de 2018, o Ministério do Interior anunciava que 12 mil coletes amarelos estavam mobilizados no conjunto do território. Ora, a simples soma dos dados oficiais relativos às acções de coletes amarelos efectuadas em apenas nove cidades (no caso, Bordéus com 2500 participantes; Toulouse com 2400; Marselha 2000; Metz 2000; Lyon 1000, Rouen 1000; Brest 750; Caen 700 e Sens 300 – dados fornecidos pelas prefeituras, mas amplamente subestimados – ultrapassa os 12 mil! E quanto às outras 35 991 comunas francesas, a da capital inclusive? Não havia ninguém nas rotundas neste dia? Absurdo! No entanto, esta "estimativa" dos 12 mil coletes amarelos foi repetida em série em todos os media dominantes, sem pô-la em causa e sem nuances. Isto é tanto mais ridículo quado uma das palavras de ordem dos coletes amarelos é doravante ir protestar... sem colete! Para melhor se fundirem na multidão e evitar assim serem interpelados pelas forças da ordem...

Transmitidas por seus porta-vozes mediáticos, as autoridades tinham objectivos bem claros, imediatamente antes da apresentação de votos aos franceses do presidente Emmanuel Macron, em 31 de Dezembro: "provar" 1) que a mobilização dos coletes amarelos abrandava; 2) que aquelas e aqueles que optavam por prosseguir a luta eram "elementos radicais", "extremistas" isolados do resto do movimento, adepto da violência para arruinar os "pobres comerciantes" em período de festas de fim de ano, ou mesmo, pior ainda, para "atacar a República", "atentar contra a democracia" e "derrubar o poder"; e 3) que a fuga em frente do governo na escalada da repressão é justificada.

Quando se encontrava entre cerca de cinquenta coletes amarelos a prestar homenagem às vítimas da violência policial, Éric Drouet, uma das figuras mais conhecidas do movimento, foi novamente interpelado e detido em 2 de Janeiro. Penas de prisão foram requeridas (e algumas já pronunciadas) contra várias centenas de coletes amarelos. Um havia gritado na cara de um deputado da maioria "à guilhotina!"; outros haviam decapitado um boneco com a efígie do presidente Macron... Do lado da imprensa escrita, o grande prémio cabe sem dúvida a este jornalista que num devaneio lírico afirma que apoiar os coletes amarelos é declarar-se partidário "dos goulags soviéticos, dos campos de concentração cubano e do genocídio dos khmers vermelhos". Desculpemo-lo: o pânico que devasta actualmente as fileiras da burguesia faz com que digam não importa o que. E sugerimos aos seus chefes que lhe ofereçam uma semana de férias sob os trópicos para que descanse um pouco e verifique por si mesmo se há (ou não) campos de concentração em Cuba.

O Acto VIII de sábado 5 de Janeiro demonstrou que a mobilização dos coletes amarelos não enfraqueceu. E que uma maioria clara de franceses (sempre mais de 55 ou 60%, segundo sondagens recentes) continua a demonstrar simpatia e dar apoio ao movimento em curso. Segundo as informações da polícia, 50 mil coletes amarelos (claramente mais, conforme é verosímil) ainda estavam na rua, no frio do Inverno, bloqueando os eixos de circulação ou a manifestar-se nas ruas das grandes cidades do país (assim como das menores), para exigir mais democracia política, justiça social. Por toda a França, até em pequenas aldeias por vezes, efectuavam-se inúmeras reuniões populares de coletes amarelos, pacíficas, joviais, com bom humor, entre amigos, ou vindas em família, todas e todos motivados e determinados a lutar mais e mais. Corajosamente. Dignamente. Fraternalmente. E saudados pelas buzinas de automobilistas solidários.

E em alguns lugares, inevitáveis cenas de exasperação, tensões, caos – as únicas imagens difundidas incansavelmente pelas cadeias de televisão, para tentar inquietar, dividir, dissuadir, desencorajar (em vão!) –: barricadas de rua, brazeiros na noite, afrontamentos por vezes muito violentos com as forças da ordem em várias cidades de província, sob uma chuva de granadas de lacrimogéneas e golpes de cassetete, ou em Paris, aqui e ali, até junto à avenida dos Campos Elíseos, sob os cordões vermelhos cintilantes das decorações de Natal. Bem no meio, turistas vindos festejar o novo ano à la française. Assim, bom e feliz 2019 para todas e todos! 

As novidades deste 5 de Janeiro? Um percurso pré-determinado de manifestação declarado "dentro das regras" junto às autoridades da polícia por organizadores dos coletes amarelos na capital, indo da praça do Hôtel de Ville à Assembleia Nacional. Várias tentativas de intrusão de coletes amarelos no recinto de edifícios oficias (prefeituras...), dentre as quais a mais espectacular foi aquela de um pequeno grupo de pessoas irrompendo com ajuda de um empilhador a entrada do Ministério das Relações com o Parlamento, destruindo por este meio algumas viaturas de função e provocando a evacuação precipitada do porta-voz do governo, Benjamin Griveaux – antigo membro do Partido Socialista (e braço direito de Dominique Strauss-Kahn) – e de seus colaboradores.

Ainda mais impressionante, as imagens de um manifestante fazendo recuar a golpes de punho uma fileira de polícias com capacetes e munidos de couraças sobre uma ponte de Paris; e a de Toulon, com um oficial superior da polícia a bater repetidamente no rosto de um indivíduo que acabava de ser interpelado. O primeiro, um antigo campeão de box francês ganho à causa dos coletes amarelos, depois de foragido durante dois dias foi constrangido a apresentar-se (aqueles que desejariam financiar o apoio à sua família que tomem cuidado: uma secretária de Estado ameaça persegui-los em tribunal!). O segundo, justifica suas acções declarando que estava em vias de neutralizar um "delinquente perigoso" e "líderes"... e que não temia nenhuma eventual apresentação de queixa contra ele pois é... comandante da polícia! E condecorado com a Legião de Honra desde 1º de Janeiro

Para além destes acontecimentos, que nada têm de triviais, convém avaliar a crise política na qual o país hoje está mergulhado. E compreender bem a gravidade da situação: o presidente Macron, que ainda há pouco tempo dizia amar "o contacto dos franceses", não efectuou mais a menor saída pública desde... 4 de Dezembro último! Naquela data ele havia efectuado uma visita ao Puy-en-Velay depois de manifestantes terem incendiado a prefeitura de Haute-Loire (região Auvergne-Rhône Alpes). Uma visita de onde voltou, diz-se, traumatizado: um comité de acolhida de protestatários em cólera o havia apupado furiosamente, insultado com diversos nomes de pássaros e havia perseguido o veículo presidencial através da cidade...

Um mês e cinco dias depois, o gabinete da presidência da República Francesa informava que todas as "cerimónias de votos" em que Emmanuel Macon devia inicialmente participar iam ser anuladas – com excepção daquela prevista diante das forças armadas. O motivo alegado? O presidente desejaria "concentrar-se" na redacção de uma "Carta" aos seus concidadãos e na "abertura do Grande Debate"...

Pois cogita-se da "abertura de um Grande Debate"! Um "Grande Debate" que deve se esforçar por responder às "expectativas profundas dos franceses"... mas não tratar senão dos temas seleccionados pelo governo! A fim de coordenar esta farsa de democracia, Emmanuel Macron havia nomeado a actual presidente da "Comissão nacional do debate público", Chantal Jouanno – ex-colaboradora e ministra de Nicolas Sarkozy. Bastaram alguns dias – e a revelação da confortável remuneração a receber pela senhora Jouanno (mais de 176 mil euros brutos por ano, pagos com fundos públicos) – para levar esta última a que renunciasse conduzir o dito "Grande Debate" (mas, tranquilizem-se, não de ser remunerada!).

Frente à "multidão odiosa", como o presidente Macron agora qualifica os coletes amarelos, este – entrincheirado por trás dos muros espessos do Palácio do Eliseu – preveniu: pretende ir "mais longe e mais forte", ser "ainda mais radical", ou seja, retomar as "reformas". Leia-se aqui: "adoptar novas medidas de destruição dos serviços públicos (aceleração do desmantelamento do sector da energia, dentre outras), recuo da protecção social (a começar pelo endurecimento das condições de obtenção do subsídio de desemprego e das pensões de reforma), colocação em causa do estatuto dos funcionários, etc.

E o primeiro-ministro, Édouard Philippe, vai mais além: participar de uma manifestação não declarada não seria mais objecto de uma contravenção (punível com uma simples multa), mas a partir de agora seria considerado um delito (podendo resultar em condenações à prisão). Portanto o ano de 2019 em França promete ser particularmente "delitivo". 

09/Janeiro/2019

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Portugal | Ditadura de factos consumados


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Os portugueses têm assistido ao longo de décadas a políticas de factos consumados, muito em particular no que diz respeito a opções estruturais da economia e do papel do Estado.

O caminho tem sido o de servir o poder económico e financeiro nacional e internacional, secundarizando os interesses do povo e do país. Ao mesmo tempo os cidadãos vêm sendo torturados em nome do cumprimento das regras "sagradas" da gestão do défice e da dívida, e das determinações europeias. Os direitos fundamentais à saúde, à educação ou a uma vida digna são espremidos ou eliminados em nome da saúde financeira ou quando chocam com as "leis do mercado". Os instrumentos de tortura são os números manipulados conforme as conveniências. E uma governação que privilegia a supremacia plena da finança torna-se, inexoravelmente, em eficaz torturador.

Paira hoje no ar um certo eleitoralismo na ação do Governo, mas não só. Tomemo-lo como próprio da época (sem deixarmos de o combater) e foquemo-nos na observação de uma outra questão mais importante: como e porquê chegamos ao nível de problemas com que nos deparamos no que diz respeito a desequilíbrios regionais, a dificuldades estruturais nas mobilidades, a elevados custos da energia e atrofiamentos de setores estratégicos da economia, a bloqueios do papel e da ação do Estado e da Administração Pública (AP)? Debrucemo-nos sobre as razões de o trabalho ser mal remunerado e haver tanto trabalho de baixa qualidade que afasta a juventude do país.

É por demais evidente que o enorme poder oferecido aos acionistas da ANA no processo da sua privatização - conduzido pelo Governo PSD/CDS - bem como as posições de vantagem da VINCI na exploração da ponte Vasco da Gama, conferem àquela empresa (o Governo reconhece-o) condições dominantes sobre as escolhas para o futuro aeroporto de Lisboa. Hoje não falta quem diga que aquela privatização foi escandalosa. Muitos calaram-se ou apoiaram-na na altura. O Partido Socialista não lhe fez o combate que devia ter feito e o seu Governo atual não pode, de forma alguma, dizer que não há nada a fazer, nem sequer esboçar alternativas.

Na ferrovia as medidas agora anunciadas são prementes, mas continuam bastante insuficientes. Sucessivos governos destruíram impunemente linhas férreas, retardaram respostas afastando passageiros, não reestruturaram como deviam as empresas do setor para que elas pudessem responder às necessidades. O Governo tem de esclarecer mais as suas decisões e identificar em que linhas está a pensar colocar o reforço de material circulante que anunciou. E dizer se será um facto consumado a privatização das ligações ferroviárias mais rentáveis.

O primeiro-ministro diz que é preciso decidir e agir, recuperar tempo perdido. Espera-se que nos meses próximos o Governo assim proceda em áreas importantíssimas.

Que introduza os indispensáveis reequilíbrios na legislação laboral e ajude à revitalização da contratação coletiva, medidas indispensáveis para modernizar as empresas, melhorar a qualidade dos salários e do emprego, travar a emigração e atrair trabalhadores portugueses e estrangeiros qualificados. Que corrija aquilo que está a propor aos trabalhadores da Administração Pública (AP), pois ao não colocar o valor da Remuneração Base (635 euros) na primeira posição da Tabela Remuneratória Única da AP, que garante a proporcionalidade em todas as posições remuneratórias, está a prejudicar todos os trabalhadores do setor e a desrespeitar a lei. Que reforce as capacidades de todo o sistema de ensino, a valorização e dignificação dos professores e que, com as universidades e outros atores, ponha em marcha políticas que possibilitem um muito maior acesso ao Ensino Superior, trazendo para ele, também, um grande número de jovens adultos que estão no mundo do trabalho.

Que se deixe de guerras de números sobre o investimento na saúde e assuma as imperiosas decisões de melhorar e aumentar capacidades estruturais, humanas, técnicas e organizacionais do Sistema Público e defenda o Serviço Nacional de Saúde contra gulas privadas.

Será nestas áreas que se confirmará ou infirmará a efetiva coragem do Governo e o merecimento ou não do apoio dos portugueses.

*Investigador e professor universitário

Portugal | A tragédia do PSD


Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

O argumentário do discurso da oposição interna a Rui Rio é o mesmo da véspera da eleição para a liderança do PSD, há exatamente um ano.

Como obstinação é o adjetivo que melhor define o líder. Alguém que claramente não muda uma vírgula, apesar de todos os avisos (da oposição interna, das sondagens, dos analistas, dos próprios conselheiros). Alguém que tem uma noção rígida da função política, uma ideia de interesse público que serve a imagem de rigor e de vontade própria incapaz de ceder que lhe está colada à pele. É uma obstinação arriscada, claro, pelo isolamento a que o conduziu. Pela incapacidade em unir um partido desfeito muito antes dos últimos dias de Pedro Passos Coelho, a quem chamavam em surdina o morto-vivo.

A entrevista que dá hoje à "Notícias Magazine", a revista dominical do JN, foi feita há quase uma semana. Longe ainda do caos em que o partido se viu mergulhado nas últimas horas. Mas poderia ter sido por estas horas, depois do desafio de Luís Montenegro para novas eleições no partido.

E poderia porque a visão do líder do PSD para chegar ao Governo é a de que é preciso esperar. Assumindo a retórica de que quem está no Governo tem de perder, para que quem está na oposição possa ter condições para ganhar. Assumindo que perdeu mais tempo do que esperaria com as disputas internas. E não assumindo, mas sabendo, que perdeu esse precioso tempo sem causar o desgaste necessário ao Governo para chegar ao poder e que, pelo contrário, acabou desgastado. Assumindo que ambiciona ganhar, mas rejeitando ganhar a qualquer preço.

Rio é Rio. Com os seus defeitos e virtudes. Sabe-se muito o que não quer. Pouco o que quer. Como os seus adversários de partido. E essa é a maior tragédia do PSD. A oposição interna a Rui Rio é tão frágil quanto a oposição de Rio ao Governo.

*Diretor do JN

Portugal | Sem oposição


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

António Costa não tem razões de queixa, na precisa medida em que consegue governar amiúde longe da esquerda e ainda assim conservar os acordos com os partidos à sua esquerda e no outro lado do espectro político simplesmente não existe oposição, sobretudo no que toca ao PSD. O CDS é uma perfeita nulidade e o PSD não sossega enquanto não se livrar da actual liderança.

De resto, Luís Montenegro ataca a liderança e nas distritais tudo se faz para convocar um conselho nacional extraordinário.

Já se sabia que Rio estava a prazo, mas o que não se sabia é que o prazo é manifestamente curto, ao ponto do actual Presidente nem chegar às próximas legislativas. Rio representa um partido que já não existe, o que por lá prolifera são acólitos de Passos Coelho, munidos da sua cartilha neoliberal de pacotilha. Aquela gente não descansa enquanto não assistir ao regresso da tal cartilha que tão bem casa com a mediocridade reinante.

Entretanto, perde a democracia que conta sempre com partidos que governam e com partidos que fazem oposição. Neste momento há um partido que governa, outros que permitem que esse partido governe e toda uma oposição ou com lideranças em estado terminal (PSD) ou sem conseguir fazer qualquer espécie de oposição digna desse nome, como é o caso do CDS.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão | em 11.01.2019

Rui Rio: "Não faço contas se fico ou se saio" - entrevista


Rui Rio diz que o Governo andou a encantar os portugueses e não cuidou minimamente do futuro do país. O descontentamento social e as greves alimentam a confiança na vitória nas eleições.

Líder do maior partido de oposição, cargo para o qual foi eleito há exatamente um ano, assegura, em entrevista ao JN/Notícias Magazine (realizada ainda antes do anúncio de Luís Montenegro), que o ruído das guerras internas não o tem desviado do objetivo de enfraquecer o Governo.

"Preferia que a estrutura dirigente estivesse toda alinhada a trabalhar e sem provocar ruído, claro que preferia. Era muito mais simples. Esse ruído naturalmente só facilita a vida ao PS e ao Governo", afirmou o líder do PSD.

Quanto a cenários pós-eleitorais, não revela se sai em caso de derrota: "Não faço contas se fico ou se saio", respondeu.

Durante a entrevista, Rui Rio defendeu ainda a descida de impostos às empresas para dinamizar o investimento e exportações, para dessa forma fazer crescer a economia. "Para ter melhores empregos, tem de se cuidar melhor da competitividade da economia e cuidar que o crescimento económico se faça pelas exportações e fundamentalmente pelo investimento", afirmou.

Outra ideia defendida pelo líder do PSD foi a revisão do estatuto da carreira docente. "Penso que também se deveria pôr isso em cima da mesa. Fazer um pacote global. Tem de haver disposição e abertura do Governo e dos professores, como é óbvio", disse Rui Rio.

Jornal de Notícias | Na imagem: Rui Rio | Foto:  Leonel de Castro/Global Imagens

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