Ocidente vive nova crise de
endividamento. Populações empobrecem e se devastam; muito poucos ganham. Anular
os passivos e tornar sistema financeiro público – como fizeram os mesopotâmicos
e chineses – pode ser alternativa
Ellen
Brown | Outras Palavras | Tradução: Antonio MartinsI| Imagem: Mathew
Kurian
Estamos novamente atingindo, no
Ocidente, o ponto chamado, nos ciclos económicos, como “pico de endividamento”.
Nele, as dívidas acumulam-se ao ponto de que seu total já não pode ser pago.
Dívidas com cartões de crédito, empréstimos para compra de automóveis, débitos
empresariais, de estudantes e a dívida do Estado são todas maiores do que
nunca. Como escreve o economista Michael Hudson em seu provocativo livro de
2018, “
…and
forgive them their debts” [“e perdoai-lhes as dívidas”]1, as dívidas
impagáveis não serão pagas. A questão, diz ele, é como elas não serão
pagas.
Os modelos econômicos do mainstream abandonam
este problema à “mão invisível do mercado”, assumindo que as distorções irão se
autocorrigir ao longo do tempo. Mas embora o mercado possa de fato corrigir,
ele o faz às custas dos endividados, que tornam-se cada vez mais pobres, enquanto
os ricos enriquecem. Os bancos apossam-se das garantias dos devedores
quebrados, privando-os de suas casas e de seu meio de vida. As casas são
compradas pelos ricos a preços módicos e alugadas de novo, a preços inflados, a
outros devedores – obrigados à servidão assalariada para sobreviver. Quando os
próprios bancos quebram, os Estados os resgatam. Portanto, os mercados
corrigem, mas não sem intervenção governamental. Esta intervenção vem ao final
do ciclo para socorrer os credores, cuja capacidade de corromper políticos lhes
dá a última palavra. Segundo os defensores do “livre” mercado, é um ciclo
natural semelhante ao do clima, que remonta ao nascimento as economias modernas
na Grécia e Roma antigas.
Hudson contraargumenta que a
origem de nosso sistema financeiro não está nestas sociedades clássicas, e que
o capitalismo não evoluiu a partir da troca, como os ideólogos afirmam. Ele, ao
contrário, involuiu de um sistema de crédito mais funcional,
sofisticado e igualitário, que se manteve por dois milênios na antiga
Mesopotâmia (partes dos atuais Iraque, Turquia, Kuwait e Irã). O dinheiro, os
bancos, a contabilidade e a empresa moderna não se originaram a partir do ouro
e do comércio privado, mas no setor público dos palácios e templos da Suméria,
no terceiro milênio a.C. Como tudo isso baseava-se em crédito emitido pelo
governo local, e não em empréstimos privados de dinheiro, as más dívidas podiam
ser periodicamente perdoadas, ao invés de se acumularem até levar o sistema ao
colapso. Esta característica especial assegurou a notável longevidade do
modelo.