Ex-ministro das Finanças disse em
tribunal que foi afastado da operação de transferência dos 500 milhões de
dólares do Banco Nacional de Angola para o estrangeiro e que não viu nenhum
decreto presidencial a autorizá-la.
Archer Mangueira, que à altura
dos factos era ministro das Finanças de Angola, respondeu esta terça-feira
(13.01) como declarante na nona sessão de julgamento, que arrancou a 9 de
dezembro de 2019, em que são arguidos o antigo governador do Banco Nacional de
Angola (BNA), Valter Filipe, o ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, José
Filomeno "Zenu" dos Santos, e outros dois coarguidos.
No interrogatório, durante várias
horas, Archer Mangueira disse que participou na primeira fase do processo,
tendo depois sido afastado, para voltar a tomar parte na terceira fase, a de
recuperação dos valores.
Envolvimento no processo
O antigo ministro declarou que
tomou contacto com o processo através do ex-Presidente da República, José
Eduardo dos Santos, que o indigitou para liderar as negociações com os
promotores da iniciativa, que terminaria na criação de um fundo de investimento
estratégico para projetos estruturantes, no valor de 30 mil milhões de dólares
(27 mil milhões de euros).
O ex-governante contou que, logo
na primeira reunião, em junho de 2017, em Lisboa, com os promotores,
nomeadamente o arguido Jorge Gaudens Sebastião (empresário e amigo de infância
de "Zenu" dos Santos), o holandês Hugo Onderwater, Valter Filipe e
José Filomeno dos Santos, as explicações dadas "fizeram espécie".
Archer Mangueira afirmou que,
numa reunião exploratória, com vista a perceber como seria constituído o fundo
estratégico, aperceberam-se de que não estavam perante um sindicato de bancos,
como referia a carta do PNPB Paribas enviada ao ex-Presidente, mas apenas dos
promotores da iniciativa.
Sobre a ausência dos
representantes do sindicato bancário, os promotores explicaram que a sua
presença seria apenas numa segunda fase.
O ex-governante sublinhou que a
apresentação da iniciativa "não era clara, que Hugo Onderwater evocava
sempre segredos comerciais, quando solicitado a esclarecer os meandros da
operação, "o que fez espécie", por estar perante um ministro das
Finanças e um governador do banco central.
"Ceticismo" do
ex-ministro
Para Archer Mangueira,
"qualquer coisa não estava clara", pelo que partilhou com Valter
Filipe e o ex-Presidente o seu "ceticismo", perceção que, na sua
opinião, foi comum durante a primeira fase do processo.
O ex-ministro referiu que o seu
parecer ao ex-Presidente foi de que antes de avançar para a assinatura de
contratos, se devia estabelecer um memorando de entendimento, opinião baseada
na experiência que tinha de processos semelhantes, nomeadamente as negociações
com a China para o financiamento de mais de dois mil milhões de dólares (1,8
mil milhões de euros), que levaram longos meses.
"Congelamento" da
operação
A certa altura, Archer Mangueira
sentiu-se afastado do processo, sem uma decisão formal, apercebendo-se, após o
seu afastamento, que tinha sido feita a transferência dos 500 milhões de
dólares (449 milhões de euros), apesar do secretismo da operação.
Questionado se teria feito tal
transferência, Archer Mangueira respondeu perentoriamente que não, por achar
que "o sistema financeiro não funciona assim", salientando que, desde
o princípio, teve dúvidas em relação à operação.
Archer Mangueira disse que, na terceira
fase, quando voltou a ter contacto com o processo, por indicação do atual
Presidente angolano, João Lourenço, o seu parecer, depois de uma reunião em
Londres, foi de que, ao invés de uma reavaliação, devia ser feito o
congelamento da operação.
Nessa reunião de Londres, relatou
Archer Mangueira, sentiu a pressão dos promotores para validar a movimentação
dos 500 milhões de dólares, quando ainda estavam num processo de reavaliação e
tentativa de perceber como funcionaria o esquema financeiro.
Segundo os promotores, a emissão
de uma declaração a validar a operação e a capitalização total do fundo pelo
BNA, permitiria, uma semana depois, o investimento de 2,5 mil milhões de
dólares (2,3 mil milhões de euros), o que para Archer Mangueira era, no mínimo,
não respeitar a entidade que estava ali a negociar.
O ex-ministro disse que esta
operação manchou a reputação do sistema financeiro do país a nível
internacional, porque Angola estava num processo de recuperação da sua imagem,
conhecendo com isto um retrocesso.
Próximo a ser ouvido: Governador
do BNA
Na sessão de quarta-feira será
ouvido o atual governador do BNA, José de Lima Massano, prevendo-se ainda a
audição de outros dois responsáveis do banco central angolano.
Em declarações à imprensa, Sérgio
Raimundo, advogado de Valter Filipe, disse que ficou esclarecido esta
terça-feira que o dinheiro estava a ser desviado para as contas dos arguidos e
era uma operação que estava a ser realizada com conhecimento das instituições
do Estado, incluindo o atual Presidente.
Relativamente a quem terá
comandado toda a operação, Sérgio Raimundo considerou ainda muito cedo
aferir-se, porque o ex-ministro a dada altura desligou-se do processo e na fase
crucial ele não fez parte, por isso não tinha como esclarecer.
O caso remonta a 2017, altura em
que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos, filho
do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, uma proposta para o financiamento de
projetos estratégicos para o país, que este encaminhou para o executivo, por
não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.
A proposta foi apresentada ao
Executivo angolano no sentido da constituição de um Fundo de Investimento
Estratégico.
Deutsche Welle | Agência Lusa
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