Thierry Meyssan*
A nova Comissão Europeia anunciou
claramente o seu projecto para a era da retirada dos EUA : voltar a dar à
Europa Ocidental o domínio sobre o resto do mundo que ela exerceu do XVIº ao
XIXº século. Ela dota-se para isso de uma ideologia de pacotilha utilizando a
contra senso o vocabulário dos seus filósofos. Esta postura seria risível, se
ela não pudesse conduzir à guerra.
A União Europeia ambiciona voltar a
dar aos seus membros o estatuto que tinham adquirido, pela força, com os seus
impérios respectivos. Tendo o mundo mudado, já não é mais possível basear a
realidade colonial sobre o abismo educacional que separava os Selvagens da
Civilização. Convêm, pois, formular uma nova ideologia que formate o domínio
europeu de nobres ideais.
Essa existe já de maneira
embrionária e é utilizada pelos Estados Unidos para justificar a sua
própria leadership. Trata-se de a tornar mais coerente e de a apurar.
O seu slogan de base afirma que o
«universalismo» não mais deve ser entendido como a igualdade de todos perante a
Lei, qualquer que seja a sua origem, a sua fortuna e a sua religião, mas a
igualdade de tratamento de que todos podem usufruir seja qual for o país em que
viajem. Deste ponto de vista, o verdadeiro inimigo já não é a desordem e a
insegurança que ele gera, mas os Estados que deveriam proteger-nos e criam
abusivamente diferenças entre nós segundo as nossas nacionalidades; excelente
doutrina para um Estado supranacional! (o Estado federal dos EUA, depois o
Estado federal europeu).
-- No plano
sociológico, esta ideologia apoia indistintamente qualquer todas as formas de
migração (porque permite fazer desaparecer as fronteiras entre homens) e toda a
confusão de género (porque permite fazer desaparecer as desigualdades baseadas
nas diferenças físicas).
-- A nível económico, ela milita pela livre circulação de capitais (que não poderão ser entravadas pelos Estados) e a globalização do comércio (porque vincula as pessoas através do comércio).
-- No plano militar, ela apoia a ingerência da «comunidade internacional» nos «Estados não-globalizados» (porque são refractários à Nova Ordem) e o recurso a forças armadas não-estatais (uma vez que certos Estados devem desaparecer).
-- No plano político, apoia toda a causa global, como a luta contra a responsabilidade humana pelo aquecimento climático. Em última análise, ela recusa o Direito Internacional (quer dizer, acordado entre as nações) para o substituir por um Direito global (quer dizer, imposto a todos) [1].
Se a questão das migrações se
tornou um tabu para as elites europeias após o fracasso do Chancelerina Merkel
em 2015, todos os outros pontos são comummente aceites.
-- A confusão de
géneros, parte da paridade homens-mulheres e prossegue hoje em dia com a
valorização de um modelo transgénero. Já ninguém mais ousa observar que a
paridade nas Assembleias Parlamentares e Conselhos de Administração jamais
beneficiou as classes populares, mas unicamente as elites. Não se vê por que é
que a passagem da integração de transexuais para a apologia da incerteza de
género fará avançar seja o que for.
-- A livre circulação de capitais é uma
das «Quatro liberdades» instituídas desde o Acto Único Europeu (1986).
Ela permite às grandes corporações escapar aos impostos nacionais; razão pela
qual todos a deploram, mas ninguém deseja revogá-la.
A globalização das trocas comerciais destruiu milhões de empregos na Europa e começou a apagar as classes médias [2].
-- A ingerência
militar nos Estados não-globalizados é o cerne da doutrina de
Rumsfeld/Cebrowski adoptada pelos Estados Unidos em 2001. É impressionante
constatar que as elites ocidentais parecem ainda ignorá-la. Assim, a difusão de
uma vasta investigação sobre os 18 anos de «fracasso» dos Estados Unidos em
pacificar o Afeganistão provocou inúmeros comentários. Mas absolutamente
ninguém ousou dizer que, longe de ser um fracasso, era a missão atribuída em
2001 ao Pentágono pelo Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld; 18 anos em que a
«Guerra Sem Fim» continua a prosseguir em cada vez mais teatros de
operação [3].
O emprego de forças militares não-estatais atingiu um máximo com as organizações jiadistas. Uma delas —o Daesh(EI)— indo até ao ponto de se atribuir um Estado não- reconhecido. Isto continua hoje com o apoio oficial da União Europeia a uma organização terrorista, o PKK, desde que opere na Síria e não na Turquia [4].
-- A luta contra as
causas humanas do aquecimento climático é, antes de mais, uma política visando
regenerar a indústria automóvel em fim de ciclo: passar de motores a gasolina
para motores elétricos. O facto de a teoria de Milutin Milanković (posição da
Terra em relação ao Sol) bastar para explicar as mudanças actuais não impede a
pretensão de que teria sido «cientificamente demonstrado» que elas seriam
devidas à indústria humana [5].
O pior está para vir com a
invenção de um Direito global.
Ignorando as diferentes tradições
jurídicas em todo o mundo, a União Europeia subsidia o Tribunal Penal
Internacional. Depois de ter sido, durante muito tempo, uma ferramenta do
colonialismo europeu em África, este pretende afirmar a superioridade dos Europeus
sobre todos os outros seres humanos.
Depois de ter em vão tentado
julgar por crimes contra a humanidade a Prémio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi,
o Tribunal espera julgar o Presidente sírio, Bashar al-Assad, por ter resistido
à Confraria dos Irmãos Muçulmanos assim como a Israel pelos seus crimes nos
Territórios palestinianos. Não tendo os Europeus nenhuma preocupação particular
nem pelos Rohingas, nem pelos Sírios, nem pelos Palestinos, como não constatar
que a União toma aqui o caminho oposto aos Estados Unidos e tenta afirmar-se
como defensora de muçulmanos, mesmo que a saldo da sua tradição de
secularismo? [6]
.
O Alto-Representante da União
para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell,
anunciou a próxima criação de um regime global de sanções contra os atentados
aos Direitos do Homem, tal como o Parlamento Europeu tinha desejado em Abril
passado (B8-0181/2019). Inspirando-se no modelo dos EUA do Global
Magnitski Act [7],
a União Europeia vai, como um professor, ensinar o Bem e o Mal e atribuir a
cada um boas e más referencias.
O sentido das palavras muda. Do
século XVI ao século XVIII, o universalismo convidava a lutar contra o
colonialismo. Nos séculos XIX e XX, ele ditava «o dever do homem branco» e
autorizava os mandatos dos países «desenvolvidos» para ajudar os
«sub-desenvolvidos». No XXI século, torna-se a justificação do
neo-colonialismo.
A Presidente Ursula van des Leyen
resumiu o seu programa de restauro do domínio europeu com estas palavras :
chegou o momento, «Devemos fazer uso da Força».
Thierry Meyssan |
Voltaire.net.org | Tradução Alva
*Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Notas:
[1]
“Multilateralismo ou
Direito Internacional ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 3 de Dezembro de 2019.
[2] Global
Inequality. A New Approach for the Age of Globalization, Branko Milanovic,
Harvard University Press, 2016.
[3] The
Pentagon’s New Map, Thomas P. M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004. “Agressão mascarada de
guerras civis”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de
Fevereiro de 2018.
[4]
“As insolúveis
contradições do Daesh e do PKK/YPG”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 12 de Novembro de 2019.
[5]
“A paz ou a luta
contra o CO2 : é preciso escolher a prioridade”, Thierry Meyssan, Tradução
Alva, Rede Voltaire, 29 de Outubro de 2019.
[6]
“O TPI deverá violar a
decisão do Conselho de Segurança e inculpar Bashar al-Assad”, Thierry
Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 12 de Março de 2019.
[7]
“As omissões nas
acusações anglo-saxónicas contra a Rússia”, Thierry Meyssan, Tradução
Alva, Rede Voltaire, 24 de Julho de 2018.
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