terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Portugal: O país seguro… onde dois jovens foram assassinados pelo Natal


Em Bragança “apagaram” a vida promissora ao jovem estudante caboverdiano Luís Giovani Rodrigues. O desgosto é de família e amigos, o crime está para ser desvendado. PJ em ação, investigação em curso. Crime de ódio racial ou talvez não. Esperamos para saber o mais pormenorizado possível. Entretanto podemos ler no Expresso algumas “dicas” a contribuir para esclarecimento. Temos de dar tempo ao tempo.

Dias atrás também em Lisboa, Campo Grande, um jovem foi esfaqueado e morto. Móbil do crime: assalto, furto. Ódio racial? Que não... Eram três meliantes. Já estão onde devem, na prisão. E assim se esvai a juventude em Portugal, o terceiro país mais seguro do mundo… É? Não se está a dar por nada. Mas está bem, se as estatísticas o dizem…

Passemos a tarefa do resto da prosa ao Curto do Expresso. Germano Oliveira foi quem dispôs a lauda. Vá nessa, no resto sobre Portugal e muito do mundo. Cultura, desporto, etc. Tantas coisas boas, ou menos boas e muito más. É a vida, dirão alguns. Sim, é muito do desprezo pela vida espelhada neste planeta que devia ser a nossa “casa segura”…

Está frio, no ar e nas almas. Siga para o Curto. Tenha um bom ano, se conseguir. Desejamos muito que sim, que todos consigam… Mas não acreditamos que a meta seja atingida. É a vida.

PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Giovani, um acontecimento de ódio. Porto e Lisboa, dois factos de amor

Germano Oliveira | Expresso

Foi por ódio racial ou motivo fútil que Giovani morreu? Esta é uma pergunta sem resposta aqui mas sobre a qual o Expresso tem desenvolvimentos. Recuemos.

São quatro da manhã de 21 de dezembro, os bombeiros de Bragança recebem um telefonema a avisar para um caso de “intoxicação” - a forma mais natural de dizer isto é “alguém que está muito bêbedo”, há muita eficácia na simplificação do Português. O autor da chamada é desconhecido. Quando chegam ao local, as equipas de emergência encontram um rapaz sozinho e prostrado, detetam um “possível traumatismo craniano”. Parece mais do que intoxicação, pode ser agressão. Transportam-no rapidamente para o hospital local mas não é suficiente, têm de transferi-lo para o Porto, a situação é grave.

O rapaz tem nome mas já não vai ter mais idade: dez dias após ter chegado em coma ao Hospital de Santo António, no Porto, Luis Giovani dos Santos Rodrigues, 21 anos, morre - suspeita-se de quê, não se sabe exatamente porquê. “Caso de cabo-verdiano que morreu em Bragança chegou às autoridades como sendo de um alcoolizado caído na rua”: são detalhes conhecidos ontem, estão ali no site do Expresso.

A Polícia Judiciária agarrou o caso após ter recolhido informações no Hospital de Bragança, havia também uma queixa apresentada por amigos à PSP. As suspeitas eram inicialmente estas: Luis Giovani dos Santos Rodrigues está com um grupo num bar, um dos seus amigos tem um problema com o namorado de uma rapariga, há desentendimentos e “terá sido o DJ local juntamente com o segurança a acalmarem os intervenientes - avisaram os jovens cabo-verdianos que conheciam o tipo de situação e as pessoas em causa e que ‘era melhor não alimentar aquilo porque podia dar-lhes problemas’”, escreve o jornal “Contacto”. Quando o grupo de Giovani sai do bar é surpreendido por pessoas “com cintos, paus e ferros”, agridem o cabo-verdiano que teve o problema com a rapariga e Giovani intervém para terminar as agressões mas é atingido por “uma paulada na cabeça” - os atacantes dispersam depois de o verem cair. Não se levantou mais.

Mas há outra versão, é coincidente em alguns detalhes mas não nestes: o dono do bar confirma ao Expresso que houve um conflito no interior, na fila de pagamento, mas diz que entre os diretamente envolvidos nenhum é Giovani ou respetivos amigos - podem ter estado no meio da confusão mas o rapaz que o DJ teve de separar e acalmar era outro; quanto às agressões no exterior, Giovani ainda correu depois de ter levado a pancada mas os dois amigos que o acompanhavam tinham deixado cair a carteira e o telemóvel, voltaram para trás mas Giovani não - ainda chamaram por ele mas desconhecem o que lhe aconteceu daí em diante. Como todos nós.

O Governo de Cabo Verde já se pronunciou, confia nas autoridades portuguesas mas quer justiça, o Governo português promete que essa justiça vai acontecer - “lamentamos profundamente a bárbara agressão de que resultou a morte, em Bragança, de um estudante cabo-verdiano, os responsáveis serão identificados” - e já houve chamadas telefónicas para salvaguardar a diplomacia. Sobre a investigação para apurar a verdade: o “Público” noticiou que a Polícia Judiciária afastou a tese de ódio racial e que apontou para “motivo fútil” mas o Expresso sabe que a Judiciária ainda admite qualquer uma destas possibilidades - a forma mais natural de analisar isto é dizer que ambas as hipóteses são abjetas como motivação para matar, há muita tristeza nesta simplificação do Português.

EUA/IRÃO: UM PONTO DE EXCLAMAÇÃO COM FORMA DE MÍSSIL

O ATUAL DESENTENDIMENTO COM O IRÃO É PROFUNDAMENTE DELICADO MAS A AMÉRICA CONTEMPORÂNEA TEM UM MODO SINGULAR DE TRATAR FACTOS DESTA IMPORTÂNCIA - E AS CAPITULARES SÃO DELIBERADAS PORQUE É O ESPÍRITO DO MOMENTO.

Ontem Trump foi ao Twitter pronunciar-se com a sua elegância habitual: IRAN WILL NEVER HAVE A NUCLEAR WEAPON!, são BERROS em capitulares que acabam com um ponto de exclamação que parece ter forma de míssil naquele tweet atómico. À ligeireza de Trump seguiu-se isto: “Pentágono nega saída do Iraque apesar de carta que refere retirada: era um rascunho e ‘foi enviada por engano’”, é uma notícia que pode ler no Expresso que começa assim - “O secretário da Defesa dos Estados Unidos da América, Mark Esper, negou esta segunda-feira a decisão de retirar os militares destacados no Iraque [onde os EUA mataram o general iraniano Qassem Soleimani], apesar de o exército norte-americano ter enviado uma carta ao comando militar iraquiano a informar desta intenção”. A carta existe mesmo e é autêntica - tal como o engano, por isso não dá mesmo para nos sentirmos muito confortáveis com a liderança do mundo. A NATO também não se sente - apela à contenção do Irão porque “um conflito não é do interesse de ninguém”, mas questionada mais de uma vez sobre se os EUA não se deviam igualmente conter, a resposta é vazia - pode lê-la nos quarto e quinto parágrafos deste texto.

OUTRAS NOTÍCIAS

Hoje é um dia importante nas negociações do Orçamento do Estado e estes dois textos são de leitura obrigatória: Costa diz a PCP e BE que recusa andar “à deriva” ou “à procura da Carochinha” e Costa volta às negociações à esquerda para desbloquear OE

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Prevê-se uma terça-feira agitada em Espanha: PSOE está nervoso com votação decisiva de investidura de Sánchez e deverá “adotar medidas drásticas”

Rui Patrício no julgamento de Alcochete: “Não aceitámos um prémio do presidente de meio milhão de euros contra o Benfica”

Para quem quer aprender futebol: De 15 em 15 minutos, a minuciosa análise aos 90 minutos do Sporting - FC Porto

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Saiu na edição do Expresso do fim de semana mas está disponível online e, além de um grande furo jornalístico, é uma entrevista de leitura obrigatória: Steve Bannon ao Expresso: “Se quiserem chamar-me uma das pessoas mais perigosas à face da Terra, usarei esse título como uma medalha”

FRASES

“Alguns espíritos chocaram-se com o ser possível a magistrados terem estatuto remuneratório superior ao de primeiro-ministro e mais próximo do estatuto do Presidente da República. Não consegui compreender o racional - como se diz agora - de tais perplexidades” Marcelo Rebelo de Sousa na abertura do ano judicial

“Estive no estádio de Braga. Quase me caíam as lágrimas” O grande Eduardo Souto Moura em declarações ao “Diário de Notícias”

“O assassinato de Qassem Soleimani não é apenas uma reação ao cerco da embaixada dos Estados Unidos em Bagdade durante menos de dois dias. É uma provocação perigosa. (...) De todas as asneiras que Trump já fez, esta é a mais grave” Daniel Oliveira, no Expresso Diário

O QUE EU ANDO A LER

Eu falo com sotaque do Porto e tenho orgulho nisso, por cada ÃO que acentuo com potência ou por cada V que destruo com um B ou ainda por cada palavrão com que enobreço o meu pensamento eu constato com alívio que o Porto tornou impossível qualquer cirurgia reparadora das cicatrizes que me deixou nas palavras: saí da cidade há dez anos, 2010-2020 é tempo suficiente para pronúncias novas mas o Porto continua a prosperar nas consoantes e vogais que tenho para me dirigir ao mundo, cada palavra que digo lembra-me de onde sou e beneficio muito dessa nostalgia, há uma frase que decorei em inglês com sotaque do Porto que resume a importância dessa necessidade: “Remember this: develop a sense of nostalgia for something or you’ll never figure out what’s important”, é de um livro com nome de poema - “Super Sad True Love Story” - e li-o emprestado por um amigo que mora no Porto mas que tem menos sotaque do que eu, por isso veja bem o tamanho das minhas bonitas cicatrizes fonéticas.

Escrevo sobre o sotaque, o meu e dos como eu, porque quem é do Porto e o deixou mas pratica a saudade pela sua cidade em cada letra que diz sabe que há sempre alguém que nos vai parodiar a entoação das palavras quando chegamos a um sítio novo: por vezes é gozo inofensivo, gente que nos ouve falar e imediatamente nos imita a pronúncia porque sim, devemos despertar um lado tonto nos demais e penso isso com ternura, tenho verificado que quem se expressa como eu às vezes diverte os outros - quero crer que falar à Porto é falar com graça e graciosidade, então que se imite à vontade a nossa maneira de dizer porque nos sentimos ainda mais singulares e soberbos por sermos de onde vimos; por vezes é gozo ostensivo, gente que nos desdenha intelectualmente à primeira palavra cheia de Porto, como se falar assim fosse vestígio pacóvio e indício de intelecto menor quando pacóvio é quem subestima a inteligência alheia devido ao sotaque com que essa inteligência se expressa, daí que uma das utilizações mais nobres do sotaque da minha cidade seja derrotar esses agressores na arena do debate e da retórica - “é a pronúncia do Norte, os tontos chamam-lhe torpe”.

Quis clarificar o fervor pela minha cidade porque me vou declarar apaixonado por outra, quero provar que é possível defender com a mesma euforia o sítio de onde viemos como o lugar onde estamos, sou do Porto e sinto-me de Lisboa, por isso serei traidor para uns e coisas piores para outros mas deixei de viver o meu país numa relação de exclusividade com uma cidade e isto é um minimanifesto sobre a minha poligamia distrital: Porto e Lisboa não são dois amores equivalentes nem complementares nem compartimentados e muito menos comparáveis ou rivais, são tão somente amores plenos e simultâneos que partilham pessoas e momentos distintos da minha biografia, no dia em que me acabou a tristeza de regressar para uma semana de trabalho em Lisboa depois de terminar um fim de semana no Porto foi quando entendi que iria amar o Porto como a um pai e Lisboa como a uma mulher, no Porto defini-me e em Lisboa concretizei-me - e menciono tudo isto porque regressei brevemente ao Porto neste início de ano e estive outra vez diante de uma entrevista ao fotógrafo-poeta-artista-etc Fernando Lemos (1926-2019) que o Expresso republicou recentemente, ele diz assim:

“Sou um lisboeta. Mais do que português, sou um lisboeta. Acho que Lisboa é o lugar de onde se saiu e o Porto é o lugar onde se ficou, por várias razões de ordem industrial, cultural, mas principalmente porque aqui [no Porto] se fixou uma coisa importante que é viver e morar. Em Lisboa não se mora. Lisboa é um lugar de partida. E, com o tempo, ficou a ser um lugar só de escritórios, quase sem residência. Lisboa estendeu-se em volta. E a gente vê que o Porto é o lugar onde, por excelência, se mora. A construção, a sua forma física, independentemente do traço da arquitetura, é o lugar que dá a nobreza à residência, o amor de morar, que resolve toda a poética da vida. A casa é o nosso palco, é o lugar onde a gente dramatiza e representa a nossa vida. Lisboa não tem muito isso, porque toda a gente partiu, toda a gente foi”.

Sou português. Mais do que um portuense lisboeta ou um lisboeta portuense, já não sei a ordem apropriada, sou um português com o privilégio de ter um coração que dilatou 300 quilómetros. Acho que o Porto é o lugar onde quero morrer e Lisboa onde quero viver, por razões de ordem profissional mas principalmente porque aqui [em Lisboa] se fixou uma coisa importante que é a vertigem: num dia estamos a ser idolatrados pelo sucesso que atingimos e no outro abandonados no insucesso em que nos tornámos, depois voltamos a ressurgir e outro tombo haverá de acontecer, Lisboa é desmoderada mas cheia de primeiras e segundas e terceiras e nonas oportunidades. Em Lisboa tudo é possível excessivamente. Lisboa está cheia de gente de dia que à noite dá lugar a gente diferente e é gente que se renova consecutivamente: é a Lisboa que chegam os que sonham com grandes feitos, é gente dessa a vir todos os dias; é de Lisboa que saem ex-sonhadores desfeitos pela impaciência da cidade, é gente dessa a desistir a toda a hora. E no meio desta gente que vem e vai descobrimos resistentes que nos ensinam as técnicas de defesa para resistir aos golpes da cidade, são cinturões negros da amizade, peritos em fazer dos seus discípulos bem-vindos a Lisboa. E é neles que encontramos companhia, amparo e diversão. A construção destes amigos - que não são substitutos dos que trazemos do pai Porto mas sim coexistentes na importância que têm - resolve toda a poética de sobreviver a Lisboa. A Lisboa que parecia hostil torna-se a Lisboa disponível para querermos pertencer-lhe e esventrá-la com a nossa curiosidade de habitante-turista - e é aí que acaba a dramatização e começa a paixão. Lisboa exige sorte e paciência mas dispõe de valiosos cinturões negros e é por eles e com eles que surge um novo amor de morar.

Tenha um bom dia e leia o resto da entrevista ao Fernando Lemos: “Quando temos um passado, esse passado é aquilo que fica e que nos dá a liberdade de criar o futuro. A única vantagem do passado é a de nos tornar livres. Depois temos o presente. O presente não é mais do que o arquivo, o museu, a lembrança, o acervo disponível e o futuro é exatamente aquilo que nós somos, todos os dias. Quando a gente se levanta, a gente é o futuro”.

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