ENTREVISTA
Domingos Simões Pereira concedeu
uma entrevista exclusiva à DW África após um encontro com o Presidente
angolano, João Lourenço. Candidato do PAIGC nega-se a reconhecer a eventual
posse de Umaro Sissoco Embaló em Bissau.
O candidato do Partido
Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos
Simões Pereira, esteve em Luanda, na quarta-feira (26.02), para cumprir uma
agenda com autoridades angolanas. Segundo o candidato do PAIGC, ele foi
convidado para uma audiência com o Presidente João Lourenço.
Segundo Simões Pereira, Lourenço
quis conhecer em pormenor a versão do PAIGC sobre o que está acontecer na
Guiné-Bissau. O chefe de Estado angolano estaria interessando em
"tentar compreender os problemas que se colocam para encontrar-se uma
solução para o contencioso eleitoral."
Horas antes de uma possível
tomada de posse de Umaro
Sissoco Embaló como Presidente da Guiné-Bissau - reconhecido pela
Comissão Nacional de Eleições (CNE) como vencedor do pleito de 2019, mas à
revelia do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - Domingos Simões Pereira
revelou à DW África que teme uma intervenção militar caso o
candidato apoiado pelo Movimento para Alternância Democrática (MADEM G-15)
insista em tomar posse nesta quinta-feira (27.02).
DW África: O senhor está a buscar
apoio internacional diante do impasse eleitoral?
Domingos Simões Pereira
(DSP): Eu não tenho essa abordagem. Desde o dia 29 de [dezembro], havendo
um contencioso eleitoral, eu não saí da Guiné-Bissau até que a CNE afirmou ter tido
a última posição e o Supremo Tribunal de Justiça também ter feito uma
deliberação nesse sentido. Saí agora e fui não só à capital portuguesa, como
francesa, e agora vim a Angola respondendo a questões muito concretas. Porque
entendi que era muito importante que a nossa versão também fosse conhecida para
as entidades poderem avaliar. Se essa fosse a nossa estratégia, também temos
muitas capitais internacionais disponíveis para nos receber e para poder
eventualmente afirmar o seu apoio à nossa posição. Mas nós pensamos
diferente. Nós pensamos que uma disputa eleitoral é, antes de mais, um processo
de escolha por parte do povo guineense, e qualquer situação de contencioso deve
ser regulada - não só prioritariamente, mas exclusivamente - pelas instâncias
democráticas da Guiné-Bissau. A combinação do esforço dessas instituições vai
acabar por produzir a solução possível.
DW África: Mencionou Portugal e
França. Com quem esteve nestes países?
DSP: Em todos os contatos que eu
tenho realizado, excluindo agora este contato com Angola, eu assumi o
compromisso de não revelar os encontros com entidades. No caso [das entidades]
de França - pelo menos até ao pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça -
eles entendem que não devem estar a proporcionar encontros que podem ser
confundidos com [agendas] oficiais. Portanto, eu preferiria não estar a
mencionar [nada] em relação aos encontros em França. Para o caso de Portugal,
eu estive de passagem. Eu devo voltar nas próximas horas ou dias. Então, poderá
vir a acontecer encontros a outros níveis.
DSP: O evento desta
quinta-feira é, como alguém já disse, um não-evento. Eu penso que o evento diz
da responsabilidade e compromisso que nós temos com as nossas próprias
instituições. Quem pretende ser Presidente da República de um país, o primeiro
magistrado da nação, deve assumir como principal compromisso o respeito da lei,
da Constituição e das nossas instituições. Ele deverá ter a vocação não só de
respeitar, mas de fazer respeitar a nossa Constituição. Quando ouvimos da parte
de um candidato que ele será investido como ou sem o pronunciamento favorável
do STJ, ele está a dizer que a Constituição não o obriga e não se sente
comprometido por nada que venha da parte das leis. Isso é preocupante. Por
outro lado, o pronunciamento já é uma afronta as instituições. A tentativa de
realização dessa cerimónia é um crime. É um crime que confronta não só as
instituições internas da Guiné-Bissau, confronta a CEDEAO enquanto
organização regional, confronta a União Africana e confronta o Conselho de
Segurança das Nações Unidas. Se eu li bem o comunicado da Comunidade Económica
dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que veio a dizer que qualquer
tentativa de comprometer o funcionamento das instituições internas será
sancionada, será [passível] de responsabilidade. Eu espero que esta cadeia de
responsabilidades internas e internacionais vá recolocar a ordem constitucional
e responsabilizar quem pretender violá-la.
DW África: O senhor junta-se
a vozes que dizem que se trata de uma tentativa
de golpe de Estado?
DSP: É um golpe de Estado. A
afirmação já era uma tentativa de golpe de Estado. A realização é praticamente
um golpe de Estado, porque é uma tentativa de legitimação de um poder que não
foi pronunciado pelos órgãos competentes para esse efeito. É mais daquilo que
nós já vimos diante de todo esse processo. Nós tivemos eleições, quem conduziu
o processo eleitoral foi a CNE, o recurso [ingressou] no STJ e nós tínhamos
elementos com os quais poderíamos nos confortar. Porque os votos continuaram
nas urnas, as urnas foram guardadas pela CNE. A minha dúvida é quem seria o
prejudicado se a decisão do STJ fosse respeitada? Isso significaria voltar ao
apuramento dos votos e, em menos de 48 horas, poder afirmar ao povo guineense,
sem qualquer tipo de ambiguidade, quem mereceu o voto favorável da maioria. Há
quem não acredite nisso. Parece que, para muita gente ou para o meu adversário,
o mais importante não é a escolha que foi feita pelos guineenses, o mais
importante é beneficiar de um presumível reconhecimento internacional. Porque
muitas entidades que receberam o meu opositor foram levadas a acreditar que já
havia uma decisão pronunciada quando realmente há um contencioso em curso.
DW África: Há informações seguras
sobre o que está por trás dessa alegada resistência da CNE, que insiste
declarar Umaro Sissoco Embaló vencedor?
DSP: Eu tenho suposições.
Entre os dias 30 de dezembro e 1 de janeiro, circulou a informação de que o
presidente da CNE teria sido retirado do seu gabinete ou de sua casa e passado
por um período de "sequestro". Seria muito simples o procurador-geral
esclarecer isso por via de um inquérito que permitisse-nos saber se isso
aconteceu ou não. As instituições, como a CNE, deveriam manter-se equidistantes
da disputa entre os candidatos. Quando o STJ constata que as atas de apuramento
nacional – e agora parece que as atas de apuramento regional também – não
existem, não há necessidade nenhuma de a CNE assumir uma posição de confronto.
Porque, se os resultados que anunciou são os resultados que estão nas urnas,
voltar às urnas vai provar que eles realmente fizeram um trabalho
profissionalmente bom, honesto e correto. Quando insistem em não fazer,
obrigatoriamente estariam a dizer-nos que forças externas, motivações outras,
estariam na base dessa insistência em não cumprir uma deliberação do órgão
competente que é o STJ.
DW África: Na sua visão, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau deveria adotar
iniciativas veementes em relação ao caso?
DSP: Nós não esperamos nada
da PGR. Porque quando, no início de todo esse processo, circulou a informação
de que peritos informáticos poderiam ter interferido no processo, nossos
advogados submeteram uma petição junto do procurador-geral [da República, Ladislau
Embassa,] a pedir duas coisas: uma investigação para verificar se essa
denúncia tinha fundamento e que a PGR determinasse a securitização das urnas
para a eventualidade de uma recontagem de que se fala hoje. A PGR não só não
deu providência a estas petições, como o procurador foi ao ponto de afirmar
publicamente o apoio à posição de alguma das candidaturas.
DW África: Diante da tensão no
país, é possível considerar pensamentos belicosos ou o senhor tem o seu limite
nesta disputa eleitoral?
DSP: Eu sou um político. Eu,
neste momento, exerço a política. Para mim, política faz-se através de
mecanismos democráticos. Desde que assumi a presidência do PAIGC, depois das
eleições de 2014, e que fui nomeado primeiro-ministro, eu disse que,
dependendo de mim, os únicos recursos que são utilizados são os democráticos.
Isso não deve ser interpretado de forma abusiva. O que quero dizer é que quem
não respeita este princípio da utilização exclusiva de métodos democráticos
deve ser traduzido em justiça e deve ser levado a cumprir a ordem democrática
que está estabelecida no país.
DW África: O Conselho de
Segurança Nacional (CSN) reuniu-se na quarta-feira. Autoridades das forças de
segurança integram o CSN. O primeiro-ministro Aristides Gomes saiu da reunião
afirmando que a eventual posse de Umaro Sissoco Embaló à revelia do STJ
significaria uma tentativa de golpe de Estado. O senhor teme alguma intervenção
militar em caso de posse de Sissoco Embaló?
DSP: A tentativa de posse
sem respeitar a ordem das instâncias competentes já é um ato de violência. Eu
temo que a tentativa de evitar a consumação desse ato – mesmo ele sendo ilegal
e praticamente inexistente – possa realmente incorrer em alguma derrapagem. Mas
eu quero acreditar no profissionalismo e no sentido patriótico das nossas
Forças Armadas para saber dosear a sua intervenção, no sentido de
exclusivamente evitar aquilo que está fora da lei e não levar a outros extremos
porque o povo guineense precisa e merece a paz, a tranquilidade e poder pensar
no desenvolvimento.
DW África: O senhor acredita que
as Forças Armadas podem intervir numa situação dessas?
DSP: Obviamente. Havendo uma
tentativa de alteração da ordem constitucional por vias não democráticas, [as
Forças Armadas] podem ser chamadas a intervir e eu espero que tenham a
capacidade e o profissionalismo para saber dosear a sua intervenção de forma a
limitar-se à reposição da ordem.
Marcio Pessoa | Deutsche Welle
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