quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Bissau | Simões Pereira confia que militares intervirão caso Sissoco Embaló tome posse


ENTREVISTA

Domingos Simões Pereira concedeu uma entrevista exclusiva à DW África após um encontro com o Presidente angolano, João Lourenço. Candidato do PAIGC nega-se a reconhecer a eventual posse de Umaro Sissoco Embaló em Bissau.

O candidato do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, esteve em Luanda, na quarta-feira (26.02), para cumprir uma agenda com autoridades angolanas. Segundo o candidato do PAIGC, ele foi convidado para uma audiência com o Presidente João Lourenço.

Segundo Simões Pereira, Lourenço quis conhecer em pormenor a versão do PAIGC sobre o que está acontecer na Guiné-Bissau. O chefe de Estado angolano estaria interessando em "tentar compreender os problemas que se colocam para encontrar-se uma solução para o contencioso eleitoral."

Horas antes de uma possível tomada de posse de Umaro Sissoco Embaló como Presidente da Guiné-Bissau - reconhecido pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) como vencedor do pleito de 2019, mas à revelia do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - Domingos Simões Pereira revelou à DW África que teme uma intervenção militar caso o candidato apoiado pelo Movimento para Alternância Democrática (MADEM G-15) insista em tomar posse nesta quinta-feira (27.02).

DW África: O senhor está a buscar apoio internacional diante do impasse eleitoral?

Domingos Simões Pereira (DSP): Eu não tenho essa abordagem. Desde o dia 29 de [dezembro], havendo um contencioso eleitoral, eu não saí da Guiné-Bissau até que a CNE afirmou ter tido a última posição e o Supremo Tribunal de Justiça também ter feito uma deliberação nesse sentido. Saí agora e fui não só à capital portuguesa, como francesa, e agora vim a Angola respondendo a questões muito concretas. Porque entendi que era muito importante que a nossa versão também fosse conhecida para as entidades poderem avaliar. Se essa fosse a nossa estratégia, também temos muitas capitais internacionais disponíveis para nos receber e para poder eventualmente afirmar o seu apoio à nossa posição. Mas nós pensamos diferente. Nós pensamos que uma disputa eleitoral é, antes de mais, um processo de escolha por parte do povo guineense, e qualquer situação de contencioso deve ser regulada - não só prioritariamente, mas exclusivamente - pelas instâncias democráticas da Guiné-Bissau. A combinação do esforço dessas instituições vai acabar por produzir a solução possível.

DW África: Mencionou Portugal e França. Com quem esteve nestes países?

DSP: Em todos os contatos que eu tenho realizado, excluindo agora este contato com Angola, eu assumi o compromisso de não revelar os encontros com entidades. No caso [das entidades] de França - pelo menos até ao pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça - eles entendem que não devem estar a proporcionar encontros que podem ser confundidos com [agendas] oficiais. Portanto, eu preferiria não estar a mencionar [nada] em relação aos encontros em França. Para o caso de Portugal, eu estive de passagem. Eu devo voltar nas próximas horas ou dias. Então, poderá vir a acontecer encontros a outros níveis.



DW África: O senhor acredita na posse do novo Presidente da Guiné-Bissau nesta quinta-feira?

DSP: O evento desta quinta-feira é, como alguém já disse, um não-evento. Eu penso que o evento diz da responsabilidade e compromisso que nós temos com as nossas próprias instituições. Quem pretende ser Presidente da República de um país, o primeiro magistrado da nação, deve assumir como principal compromisso o respeito da lei, da Constituição e das nossas instituições. Ele deverá ter a vocação não só de respeitar, mas de fazer respeitar a nossa Constituição. Quando ouvimos da parte de um candidato que ele será investido como ou sem o pronunciamento favorável do STJ, ele está a dizer que a Constituição não o obriga e não se sente comprometido por nada que venha da parte das leis. Isso é preocupante. Por outro lado, o pronunciamento já é uma afronta as instituições. A tentativa de realização dessa cerimónia é um crime. É um crime que confronta não só as instituições internas da Guiné-Bissau, confronta a CEDEAO enquanto organização regional, confronta a União Africana e confronta o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Se eu li bem o comunicado da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que veio a dizer que qualquer tentativa de comprometer o funcionamento das instituições internas será sancionada, será [passível] de responsabilidade. Eu espero que esta cadeia de responsabilidades internas e internacionais vá recolocar a ordem constitucional e responsabilizar quem pretender violá-la.

DW África: O senhor junta-se a vozes que dizem que se trata de uma tentativa de golpe de Estado?

DSP: É um golpe de Estado. A afirmação já era uma tentativa de golpe de Estado. A realização é praticamente um golpe de Estado, porque é uma tentativa de legitimação de um poder que não foi pronunciado pelos órgãos competentes para esse efeito. É mais daquilo que nós já vimos diante de todo esse processo. Nós tivemos eleições, quem conduziu o processo eleitoral foi a CNE, o recurso [ingressou] no STJ e nós tínhamos elementos com os quais poderíamos nos confortar. Porque os votos continuaram nas urnas, as urnas foram guardadas pela CNE. A minha dúvida é quem seria o prejudicado se a decisão do STJ fosse respeitada? Isso significaria voltar ao apuramento dos votos e, em menos de 48 horas, poder afirmar ao povo guineense, sem qualquer tipo de ambiguidade, quem mereceu o voto favorável da maioria. Há quem não acredite nisso. Parece que, para muita gente ou para o meu adversário, o mais importante não é a escolha que foi feita pelos guineenses, o mais importante é beneficiar de um presumível reconhecimento internacional. Porque muitas entidades que receberam o meu opositor foram levadas a acreditar que já havia uma decisão pronunciada quando realmente há um contencioso em curso.

DW África: Há informações seguras sobre o que está por trás dessa alegada resistência da CNE, que insiste declarar Umaro Sissoco Embaló vencedor?

DSP: Eu tenho suposições. Entre os dias 30 de dezembro e 1 de janeiro, circulou a informação de que o presidente da CNE teria sido retirado do seu gabinete ou de sua casa e passado por um período de "sequestro". Seria muito simples o procurador-geral esclarecer isso por via de um inquérito que permitisse-nos saber se isso aconteceu ou não. As instituições, como a CNE, deveriam manter-se equidistantes da disputa entre os candidatos. Quando o STJ constata que as atas de apuramento nacional – e agora parece que as atas de apuramento regional também – não existem, não há necessidade nenhuma de a CNE assumir uma posição de confronto. Porque, se os resultados que anunciou são os resultados que estão nas urnas, voltar às urnas vai provar que eles realmente fizeram um trabalho profissionalmente bom, honesto e correto. Quando insistem em não fazer, obrigatoriamente estariam a dizer-nos que forças externas, motivações outras, estariam na base dessa insistência em não cumprir uma deliberação do órgão competente que é o STJ.

DW África: Na sua visão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau deveria adotar iniciativas veementes em relação ao caso?

DSP: Nós não esperamos nada da PGR. Porque quando, no início de todo esse processo, circulou a informação de que peritos informáticos poderiam ter interferido no processo, nossos advogados submeteram uma petição junto do procurador-geral [da República, Ladislau Embassa,] a pedir duas coisas: uma investigação para verificar se essa denúncia tinha fundamento e que a PGR determinasse a securitização das urnas para a eventualidade de uma recontagem de que se fala hoje. A PGR não só não deu providência a estas petições, como o procurador foi ao ponto de afirmar publicamente o apoio à posição de alguma das candidaturas.

DW África: Diante da tensão no país, é possível considerar pensamentos belicosos ou o senhor tem o seu limite nesta disputa eleitoral?

DSP: Eu sou um político. Eu, neste momento, exerço a política. Para mim, política faz-se através de mecanismos democráticos. Desde que assumi a presidência do PAIGC, depois das eleições de 2014, e que fui nomeado primeiro-ministro, eu disse que, dependendo de mim, os únicos recursos que são utilizados são os democráticos. Isso não deve ser interpretado de forma abusiva. O que quero dizer é que quem não respeita este princípio da utilização exclusiva de métodos democráticos deve ser traduzido em justiça e deve ser levado a cumprir a ordem democrática que está estabelecida no país.

DW África: O Conselho de Segurança Nacional (CSN) reuniu-se na quarta-feira. Autoridades das forças de segurança integram o CSN. O primeiro-ministro Aristides Gomes saiu da reunião afirmando que a eventual posse de Umaro Sissoco Embaló à revelia do STJ significaria uma tentativa de golpe de Estado. O senhor teme alguma intervenção militar em caso de posse de Sissoco Embaló?

DSP: A tentativa de posse sem respeitar a ordem das instâncias competentes já é um ato de violência. Eu temo que a tentativa de evitar a consumação desse ato – mesmo ele sendo ilegal e praticamente inexistente – possa realmente incorrer em alguma derrapagem. Mas eu quero acreditar no profissionalismo e no sentido patriótico das nossas Forças Armadas para saber dosear a sua intervenção, no sentido de exclusivamente evitar aquilo que está fora da lei e não levar a outros extremos porque o povo guineense precisa e merece a paz, a tranquilidade e poder pensar no desenvolvimento.

DW África: O senhor acredita que as Forças Armadas podem intervir numa situação dessas?

DSP: Obviamente. Havendo uma tentativa de alteração da ordem constitucional por vias não democráticas, [as Forças Armadas] podem ser chamadas a intervir e eu espero que tenham a capacidade e o profissionalismo para saber dosear a sua intervenção de forma a limitar-se à reposição da ordem.

Marcio Pessoa | Deutsche Welle

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