Portugal dos abusos de poder e da corrupção*
O juiz Luís Vaz das Neves,
arguido na Operação Lex, terá usado as instalações do Tribunal da Relação de
Lisboa para um processo privado de que foi árbitro, em 2018.
O ex-presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, usou o salão nobre do tribunal para um
julgamento privado com o qual ganhou 280 mil euros, avança, esta quinta-feira, o jornal Público.
De acordo com o jornal, em causa
está um litígio entre o grupo Altis e o fundo de investimento imobiliário
Explorer relacionado com o Altis Park, um hotel nas Olaias, em Lisboa.
Em vez de recorrerem à justiça
tradicional, as duas partes decidiram utilizar uma forma alternativa de
resolver o diferendo, recorrendo à criação de um tribunal arbitral, como está
previsto na lei. O árbitro presidente foi indicado pelo líder do Tribunal da
Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, que apontou o nome do seu antecessor no
cargo, Luís Vaz das Neves, que presta serviços de arbitragem extrajudicial.
A questão problemática é que Luís
Vaz das Neve é jubilado - e a lei não permite aos juízes no ativo nem aos
jubilados que recebam pagamentos provenientes de fora do exercício da
magistratura.
Segundo a ata constitutiva do
tribunal, data de janeiro de 2018 e citada pelo Público, os honorários dos
árbitros e do secretário do julgamento corresponderam a um total de 700 mil
euros. E se, de acordo com a lei, o árbitro presidente recebe 40% do valor
total dos honorários, Vaz das Neves terá recebido 280 mil euros por este
julgamento privado.
Além disso, a arbitragem decorreu
no salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa, que cedeu gratuitamente as
instalações, independentemente de não existir interesse público no caso. A
situação pode representar um crime de peculato.
Questionado pelo Público, o atual
presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, recusou
explicar a cedência do salão do tribunal para este caso.
Quanto a Vaz das Neves, defendeu
ser comum, quando um árbitro é magistrado, ser solicitado que o julgamento
decorra naquelas instalações e alegou não se lembrar de qual o montante que
recebeu por participar no julgamento privado.
Ouvido pela TSF, o presidente da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Ramos Soares, admite
que o uso do salão do Tribunal da Relação para um julgamento privado não seja
um crime, mas sublinha que "o facto de não ser ilegal não quer dizer que
se deva fazer".
"Acho que não é ilegal,
porque o Tribunal da Relação tem o seu espaço, que às vezes cede para
conferências e outro tipo de iniciativas. Não vejo nenhum impedimento direto na
lei de que o edifício do tribunal seja utilizado para um julgamento desta
natureza, mas o facto de não ser ilegal não quer dizer que se deva fazer",
disse o representante sindical dos juízes.
"Pode, pelo menos, ser
contra princípios éticos", apontou Manuel Ramos Soares.
"Pessoalmente, se fosse eu a mandar num tribunal, não o autorizaria."
Situação diferente é a da
remuneração obtida por Vaz das Neves por ter arbitrado um caso privado, que, de
acordo com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, está totalmente proibida.
"Um juiz jubilado, como um
juiz no ativo, está sujeito a um dever de exclusividade remuneratória absoluto
- não pode fazer nenhuma outra atividade remunerada", explicou Manuel
Ramos Soares.
"O juiz jubilado pode ser
juiz árbitro, desde que peça autorização e a obtenha, mas depois não pode ser
remunerado por essas funções", esclareceu.
Por este motivo, a Associação
Sindical dos Juízes Portugueses pediu ao Conselho Superior de Magistratura que
faça uma sindicância ao Tribunal da Relação de Lisboa. O presidente do
sindicato clarifica que não se trata de uma "desconfiança" para com a
instituição, mas uma forma de investigar "a fundo" um problema:
"ver se ele existe, qual a dimensão que tem, e resolvê-lo".
"Este é o momento essencial
para agir, sem hesitações", declarou.
"Justiça pública e justiça
privada devem ser separadas"
Em declarações à TSF, o
bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, afirma estar
"muito preocupado" com as denúncias do uso das instalações do
Tribunal da Relação de Lisboa para um caso privado.
"Normalmente, as arbitragens
decorrem em espaços adequados e que são obtidos pelos próprios. Não é muito
comum estarem a ocorrer arbitragens em tribunais judiciais", apontou
Menezes Leitão.
De acordo com o bastonário, não
está prevista na lei "uma determinação de espaços para as
arbitragens". Mas as "regras gerais da contratação pública implicam
que os edifícios públicos sejam objeto de contratação adequada".
Luís Menezes Leitão defende que
"a justiça pública e a justiça privada devem ser completamente
separadas", frisando que o esclarecimento deste caso deve ser uma
"grande prioridade".
Lembrando que a Associação
Sindical do Juízes Portugueses já pediu que o Conselho Superior de Magistratura
fizesse uma sindicância, Menezes Leitão sublinhou que agora "o Conselho
Superior de Magistratura deveria mandar inspetores judiciais para averiguar o
que se está a passar no Tribunal da Relação de Lisboa".
Luís Vaz das Neves foi
constituído arguido por suspeitas de corrupção e abuso de poder, no âmbito da
Operação Lex, processo em que se investigam também suspeitas de tráfico de
influência, recebimento indevido de vantagem, de branqueamento e de fraude
fiscal.
O juiz desembargador Rui Rangel,
a sua ex-mulher e juíza Fátima Galante e o funcionário judicial Octávio
Correia, todos da Relação de Lisboa, o advogado Santos Martins e o presidente
do Benfica, Luís Filipe Vieira, estão também entre os arguidos.
Rita Carvalho Pereira com Paula Dias | TSF
*Subtítulo PG
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