Ferreira Fernandes | Diário de
Notícias | opinião
Costa tem defeitos? Olá, se tem!
Perdoo-lhe isso porque a certos níveis ele exige qualidade. Deixou Fernando
Medina como sucessor na Câmara de Lisboa, um bom moderado, e não impediu que um
bom truculento, o ministro Pedro Nuno Santos, deixe crescer os dentes no
Governo - a esse nível, António Costa aceita jacarés, valha-nos isso.
Infelizmente, nos jornalistas, por exemplo, tem tendência para apaparicar
lagartixas.
António Costa é um prático, o que
é na política um defeito útil. Defeito - porque se houver (e há) um interesse
nacional em construir um Museu dos Descobrimentos, por exemplo, ele há de se
desinteressar, já que a denominação controversa causaria problemazitos com
potenciais aliados à esquerda. Útil - porque se o país acordar numa noite de
legislativas, a de 2015, por exemplo, com a direita em soma insuficiente e o PS
minoritário (noite de crise política irremediável, parecia), ele tira da
cartola uma legislatura inteira e ganhadora. O truque? O ir buscar alianças que
não se supunham e o ganhar aliados pensados fora da caixa. Um simples
"Jerónimo de Sousa, posso ir à sua sede?" e mais outro "Catarina
Martins, eu vou ter consigo...", e ficou resolvido. Soluções fáceis
como o ovo de Colombo. Mas que só são encontradas pelos raros que são práticos.
António Costa é um combinador
exímio, o que na política significa saber acordar, ajuntar, pactuar... Um
elogio maior, num país muito sujeito a chicanas e ruturas espúrias. No balanço
positivo, não me esqueço do tandem que ele fez com Marcelo, quando se juntaram
os dois parceiros adeptos da água na fervura, tão necessária no nosso passado
recente.
Se em tempos não perigosos
prefiro quem me fale como Bernie Sanders, e me faça sonhar que a estupidez não
é inevitável, em tempos perigosos, de pandemias de coronatrump, bolsonaro-19 e
do propriamente dito covid-19, basta-me quem me garanta ser líder político. Dos
cientistas, espero o antivírus; do líder político, espero que saiba levar-nos
ao bom porto possível.
No discurso de António Costa de
domingo foi flagrante a sua intenção de nos falar como falou a Jerónimo na sede
do PC e a Catarina na Rua da Palma. Preciso de vocês, porque os portugueses
precisam de vocês - disse ele aos portugueses. Há cinco anos foi
exatamente assim que se fez o sucesso da geringonça. No domingo, com a mesma
habilidade de acordar, ajuntar e pactuar - os portugueses com os interesses dos
portugueses - ele usou connosco todos seus dotes de combinador.
Explicou como com Espanha ele
conciliou - as fronteiras são assunto comum (e deu-nos uma lição de como os
outros países são companheiros do mesmo drama, não inimigos) - mas foi intransigente
com a data da Páscoa, porque os turistas espanhóis não podem ser um problema
suplementar. Explicou como a declaração de emergência nacional não é um
instrumento grátis, corta liberdades. E se for necessário cortar o direito
de circular, outros direitos são intocáveis, o de expressão, por exemplo (e
aqui insistiu e insistiu...) Explicou que se o Presidente decidir a
emergência, estado de emergência haverá, porque o direito é para ser obedecido.
Envolveu a atitude cidadã de cumprir as decisões nacionais como parte
necessária da solução - e elogiou-nos, elogiou-nos, elogiou-nos, porque é a
função dos chefes nas crises: conquistar-nos a vontade.
No domingo, António Costa foi um
combinador connosco. É maneira de ser dele e faz isso como ninguém. Já fez isso
com um pantomineiro que num dia de greve usou os três filhos levando-os para a
residência do primeiro-ministro num acordo de dois oportunistas - usual no
pantomineiro, que fazia pela vida e pôs o espetáculo degradante ao peito, mas
indesculpável num primeiro-ministro. Agora, da sua habilidade de conciliar
António Costa fez uma arma para cumprir a sua função de líder nacional que lhe
calha ser nesta grande crise. Desde domingo que acredito mais nele para
resolver questões práticas, como mais camas e mais ventiladores nos hospitais.
Agora, acato-o como chefe que tem mostrado ser. Amanhã cobro-lho essa confiança.
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