Anselmo Crespo | TSF | opinião
Onze de março de 2011. A terra
começou a tremer com tanta força a 130 quilómetros da costa leste do Japão que
abalou uma ilha inteira. Se o sismo não deu aviso prévio a quem teve de fugir
para a rua sem olhar para a destruição que ficava para trás, todos os alertas
de tsunami que se seguiram não evitaram uma destruição ainda maior. Milhares de
mortos. Milhões de feridos. Uma economia ferida de morte. Um país que, nove
anos depois, ainda tem chagas abertas à espera de cicatrizar.
Com as devidas distâncias, a
imagem da destruição que vi com os meus próprios olhos veio-me à cabeça quando
fazia as perguntas que, por estes dias, todos nós temos feito. Onde é o botão
do STOP? Já podemos parar? Podemos sair? Quando é que isto acaba?
Na China, houve um vírus que fez
tremer o mundo inteiro. E já é possível avistar - mais perto do que longe - o
tsunami económico, social e político que aí vem.
Não temos de ter medo das
palavras. O quadro é mesmo de guerra, como foi descrito, e bem, pelo Governo e
pelo Presidente da República. São muitas batalhas para travar ao mesmo tempo:
salvar vidas e salvar os que ainda não foram infetados. Salvar a economia e a
coesão social. Comunicar bem, com verdade e, ao mesmo tempo, não contribuir
para o pânico e para o alarme social.
É neste contexto que se enquadram
todas as medidas que estão a ser tomadas. Incluindo a declaração do estado de
emergência. Confesso que tenho muitas dúvidas sobre os reais efeitos que esta
figura constitucional vai ter na prática. Entre o bem que pode trazer e os estragos
que pode provocar - só pelo simples facto de o Presidente da República a ter
anunciado. Receio que Marcelo Rebelo de Sousa, para evitar carregar o peso da
consciência de ter agido tarde demais, pode ter agido cedo demais, mas, uma vez
tomada a decisão, o momento não é de balanços. É de ação.
A primeira coisa que todos temos
de ter clara é que a declaração do estado de emergência não implica que todas
as medidas previstas no decreto presidencial tenham que ser implementadas e,
muito menos, em simultâneo. Na prática, o Governo tem agora em mãos uma arma
poderosíssima, que tem que ser utilizada com parcimónia e muito bom senso. Sob
pena de conseguirmos conter a pandemia, mas ficarmos com um país económica e
socialmente arruinado. Cada medida de confinamento, de encerramento, de
apropriação da propriedade privada deve ser pensada ao milímetro, ponderada nos
seus prós e nos seus contras e bem comunicada - uma das maiores lacunas do
governo na gestão desta crise, até agora.
É que o novo coronavírus não está
apenas a infetar os incautos e os desprevenidos. Está também a
"infetar" gente sã, que até tem conseguido proteger-se fisicamente da
doença, mas não consegue evitar os sintomas económicos de uma pandemia que
ameaça deixar muitas empresas e muitos trabalhadores à míngua. Na realidade, já
está a deixar. Esta semana, marido e mulher, proprietários de uma pastelaria,
choravam encostados ao balcão vazio de clientes. Como vão eles pagar a renda no
fim do mês? Que comida vão ter para pôr na mesa, até que os apoios do Estado
cheguem àquela pequena empresa familiar? Há empresas que já começaram a estudar
planos de insolvência. Trabalhadores angustiados por não saberem se vão ter
salário ou posto de trabalho quando acabar o isolamento social.
O pacote de medidas que o governo
anunciou esta semana é, estou em crer, uma gota de água face às necessidades
que já existem, até porque deixa de fora dezenas de setores económicos que
empregam milhares de pessoas. E aqui, perdoem-me a causa própria, mas tenho de
incluir a comunicação social. Se precisássemos de mais provas da importância
deste setor para a democracia, as últimas semanas retiram todas as dúvidas. As
televisões, as rádios e os jornais portugueses têm sido - e é com orgulho que o
digo - um braço armado nesta luta contra a pandemia do novo coronavírus. Quer
no esforço diário que fazem para levar às pessoas uma informação fidedigna,
quer nos riscos - inerentes à profissão - que correm todos os profissionais que
andam na rua ou que continuam a deslocar-se para as suas redações para cumprir
aquele que é o seu principal dever: informar.
É em situações de crise como a
que estamos a viver que fica provado à evidência que não são as redes sociais
que substituem o jornalismo. E se há setores que têm sido - e vão continuar a ser
- fundamentais durante esta pandemia, o da Comunicação Social é um deles, em
toda a dimensão de serviço público que presta diariamente.
Aguardemos pelas decisões que o
Governo vai tomar nas próximas semanas, mas lembremos também que, se há momento
em que precisamos que as vacas voem, é este. As empresas e os trabalhadores não
têm tempo para esperar que o Estado seja o Estado. Que peça mais um papel, mais
um carimbo, mais uma taxa. Porque, para o bem e para o mal, a vida fora das
paredes do Terreiro do Paço corre a um ritmo muito mais acelerado.
E não, esta não é, nem pode ser,
uma batalha ideológica, nem partidária e, muito menos, eleitoral. Este não é o
momento para demagogias e populismos baratos. Este é o momento de travar uma
batalha pela sobrevivência de um Estado de direito do século XXI.
Das guerras só se sai vencedor
quando é maior o número de batalhas ganhas do que aquelas que se perdem. E
enquanto não enjaularmos o vírus que agora anda a monte, não podemos ter noção
da verdadeira dimensão dos estragos que ele está a provocar. Mas convém que
nós, nesta nossa caçada, não provoquemos mais estragos que o próprio vírus. Até
porque esta é uma guerra de dias que, agora, nos parecem infinitos, mas que, um
dia, vai ser ganha. E quanto mais destruirmos, mais difícil será a reconstrução.
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