José Goulão | AbrilAbril |
opinião
Não é necessário ser futurólogo
para prever que a «recuperação económica» dos efeitos da pandemia na
perspectiva neoliberal exigirá ainda menos direitos civis, sociais e humanos, e
mais austeridade.
Se há domínio onde a futurologia
está avançada, tocando mesmo o nível zero de erro, é o das pandemias virais. O
Event 201, realizado em Outubro de 2019 em Nova York, antecipou apenas em dois
meses o terrível mergulho no desconhecido que estamos a viver. É certo que a
vocação assassina do coronavírus parece pecar por escassa em relação às
previsões dos adivinhos – 65 milhões de mortos – mas já iremos perceber que a
componente de pânico tem papel reservado nestas matérias. Porém, ao cabo de uma
década de sucessivas «antecipações científicas», de que o Event 201 foi a etapa
mais recente, há que dar relevo ao acontecimento fundador destes exercícios
visionários, datado de 2010 e que revela um realismo gritante. Sobretudo na
vertente que começa a ganhar forma à escala global: a imposição do
autoritarismo ou a vulgarização do excepcionalismo.
Corria o ano de 2010, como já se
disse, quando a Fundação Rockefeller, em colaboração com a Global Business
Network do futurólogo Peter Schwartz, publicou uma espécie de livro branco com
«Cenários para o Futuro da Tecnologia e do Desenvolvimento Internacional».
A Fundação Rockefeller, abra-se
aqui um parêntesis, é um ícone do neoliberalismo globalista – actualmente em
rivalidade cega com o neoliberalismo populista – a par de outras entidades como
o Fórum Económico Mundial, que se realiza anualmente em Davos, o «filantropo»
George Soros e a sua «Fundação Sociedade Aberta» especializada em «revoluções
coloridas», a Fundação John Hopkins e a Fundação Bill e Melinda Gates, todas
elas associadas às continuadas projecções de pandemias virais – e não é
certamente por coincidência.
Um dos capítulos do livro branco
da Fundação Rockefeller intitula-se Lock Step e antecipa, então para 2012, uma
pandemia provocada por uma «nova estirpe de gripe extremamente virulenta e
mortal». Neste caso as previsões são de oito milhões de mortes em sete meses,
além de um «efeito nefasto na economia: a mobilidade internacional de pessoas e
bens é suspensa debilitando indústrias como o turismo, interrompendo as redes de
abastecimento global (…), encerrando lojas e escritórios durante vários meses,
sem trabalhadores nem clientes».
«Uma liderança mais autoritária»
Uma consequência da pandemia que
percorre todo o trabalho da Fundação Rockefeller, e merece especial atenção dos
autores, é «o apertado controlo governamental de cima para baixo e uma
liderança mais autoritária», com «crescente pressão sobre os cidadãos». Um
cenário que mais adiante é explicado desta maneira: «Dirigentes nacionais em
todo o mundo reforçam a sua autoridade e impõem regras e restrições herméticas,
desde o uso obrigatório de máscaras faciais até à verificação da temperatura
corporal nas entradas de espaços comuns como estações de comboios e
supermercados».
Até que os autores da previsão
chegam ao que parece ser o fulcro da mensagem futurista: «mesmo depois de a
pandemia ter sido ultrapassada o controlo e a supervisão mais autoritários das
cidades continuaram e intensificaram-se»; como «protecção contra a disseminação
de problemas cada vez mais globais – de pandemias ao terrorismo internacional,
a crises ambientais e ao aumento da pobreza – os dirigentes mundiais
apoderaram-se de maneira mais firme do poder».
E assim os cenários da Fundação
Rockefeller e respectivos parceiros saltam dez anos a instalam-nos na
antecâmara de uma actualidade que não parece distante se olharmos bem o que nos
cerca na perspectiva das ambições do regime neoliberal global. Há muito que, de
crise em crise, o sistema vem dando sinais de que está cada vez mais tentado
pelo autoritarismo original, afastando-se da democracia ainda que esta funcione
de modo meramente formal.
Não é necessário ser futurólogo
para prever que a «recuperação económica» dos efeitos da pandemia na
perspectiva neoliberal exigirá ainda menos direitos civis, sociais e humanos,
mais austeridade, maior e mais férreo controlo sobre as movimentações de massas.
Aliás o reaparecimento em cena da Comissão Europeia para gerir a «reabertura»
social, depois de ter hibernado profundamente em pleno combate aos efeitos da
doença, é um sinal óbvio do que está para vir. É um indício de que o regresso à
«normalidade» significará o funcionamento pleno da ditadura da economia sobre
as preocupações humanas que a pandemia suscitou pontualmente e contra a
corrente. Não esqueçamos, por exemplo, que muitas das trágicas consequências da
pandemia da COVID-19 têm vindo a ser provocadas pelos ataques devastadores
contra os sistemas públicos de saúde comandados por entidades neoliberais como
a Comissão Europeia, o FMI, o Banco Central Europeu e o Eurogrupo mais a sua
corte de obsessivos do défice.
O capítulo Lock Step da
publicação da Fundação Rockefeller, na senda do que têm afirmado vários
expoentes do globalismo, não prevê que sejam necessários cenários de violência
para garantir o reforço de medidas autoritárias. Considera que a instauração de
normas deste tipo será facilitada perante «cidadãos assustados que
voluntariamente abandonam parte da sua soberania – e privacidade – a Estados
mais paternalistas, em troca de maior segurança e estabilidade», mercê de uma
situação que os torna «tolerantes e mesmo ansiosos por comando e até supervisão
de cima para baixo».
Estas palavras não são mais do
que uma expressão do pensamento de Henry Kissinger, esse terrorista globalista
que dirigiu a primeira aplicação da ortodoxia neoliberal, no Chile do fascista
Pinochet, quando afirmou em 1992, na reunião do Grupo de Bilderberg em Evian,
França: «a única coisa de que o homem tem medo é do desconhecido; quando são
colocadas perante um cenário desse tipo as pessoas renunciam de bom grado aos
seus direitos individuais, trocando-os pela garantia do seu bem-estar
assegurado pelo governo mundial». Agora, em plena pandemia, o mesmo Kissinger
escreveu no Wall Street Journal que «a resposta às necessidades do
momento, em última análise, deve ser associada a uma visão e um programa
globais de colaboração».
Não é de admirar que a indução de
pânico, a multiplicação de cenários apocalípticos associadas a situações
realmente graves que exigem medidas de excepção acabem por facilitar a
imposição de sistemas de vigilância total a pessoas que «abandonam voluntariamente
parte da sua soberania – e privacidade – a Estados mais paternalistas», como
anteviu a Fundação Rockefeller, de que aliás Henry Kissinger tem sido a figura
mais emblemática.
A passagem à prática
A experiência vivida por Edward
Snowden, o ex-agente da CIA e da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos
Estados Unidos que divulgou ao mundo os principais programas de espionagem
global, diz-lhe que medidas aplicadas actualmente com carácter de excepção irão
permanecer no futuro e que os dados recolhidos no quadro do combate à pandemia
ficarão registados e serão processados para os fins múltiplos que os seus
possuidores entendam necessários.
Não se pense, porém, que enquanto
se vive o excepcionalismo o passo para a sua banalização ainda está apenas no
domínio das intenções.
No dia 8 de Março, numa
entrevista à estação de televisão CBS News, o globalista Bill Gates garantiu
que «a normalidade» e os ajuntamentos de pessoas «não voltarão, de modo algum»,
até que haja uma vacinação em massa.
As pessoas, muito naturalmente,
anseiam por uma vacina contra o novo coronavírus tendo em conta a situação real
e também a multiplicação de previsões catastróficas.
Porém, Bill Gates, também ele um
«filantropo», tem da vacinação global uma ideia muito própria como grande
accionista de vários gigantes transnacionais dos medicamentos. A sua «vacinação
global» está intimamente ligada ao projecto ID2020 para instaurar métodos de
identificação dos cidadãos à escala planetária através da introdução de
nanochips sob a pele das pessoas, usando as vacinas como veículos de inserção.
Delírio de imaginação? Teoria da conspiração? Nada disso: a experiência piloto
está em desenvolvimento no Bangladesh, numa colaboração entre os círculos de
Bill Gates, o governo de Dacca e o Instituto de Tecnologia do Massachusetts
(MIT) porque «cada pessoa tem o direito a saber quem é» e a «ser parte da
moderna economia».
A vacinação contra o coronavírus
não entrará ainda, eventualmente, neste programa. Mas pode ser parte de novos
passos no sentido do autoritarismo e do controlo dos movimentos de pessoas.
O que se escreveu não é
especulação; assenta no pensamento do próprio Gates manifestado durante a mesma
entrevista à CBS News. «Eventualmente», disse, «teremos de ter certificados de
quem é uma pessoa recuperada, quem é uma pessoa vacinada» que regulem os movimentos
de seres humanos através do mundo. «Então eventualmente haverá uma prova de
imunidade digital que ajudará a facilitar a reabertura global». Entretanto,
admite o «filantropo» Gates, «as reuniões de massas podem ser proibidas até que
seja possível um programa de vacinação em larga escala».
Enquanto esse dia não chega, a
Google e a Apple, fundada por Bill Gates – o globalista que também se dedica à
«Agenda Verde» e à geoengenharia para que o planeta se «adapte» às alterações
climáticas – puseram em marcha o sistema de rastreamento de pessoas infectadas
com COVID-19 com base em dados dos smartphones. Naturalmente, uma vez
aberto o caminho, as mesmas instituições que perseguem telemóveis por causa do
combate à pandemia poderão fazê-lo por outra qualquer razão que tenha a ver com
a «segurança da sociedade». O combate a uma pandemia é, como se percebe, um
manancial de aquisições, potenciadas agora pela evolução da inteligência
artificial. Ao serviço de «pessoas tolerantes e até ansiosas por comando e supervisão
de cima para baixo» assumidos por «Estados paternalistas».
COVID-19 e biologia matemática
É cedo para ter certezas sobre
muitos dos aspectos que caracterizam a pandemia de COVID-19. Desde logo a sua
origem, que ficará para sempre enterrada no entulho de desinformação que tem
uma dimensão directamente proporcional à vontade de que a verdade não seja
esclarecida – afinal o paradigma prevalecente em torno do imbróglio.
Que se trata de um gravíssimo e
trágico problema de saúde pública não existem dúvidas. Há situações, porém, que
exigem reflexão serena e objectiva, sobretudo quando se determinam opções
securitárias apresentadas como soluções únicas e absolutas e que acabam por ter
a sua quota-parte na campânula de pânico que envolve o tratamento da pandemia.
O pânico é uma forma de
manipulação que facilita a introdução de normas rígidas – mesmo que flutuando
ao ritmo das circunstâncias ou dos desígnios político-sanitário-económicos –
num terreno onde escasseiam dados objectivos e informações estatísticas mais
afinadas para lá das fatalidades e dos números de infecções. Seria
interessante, por exemplo, conhecer as taxas de recuperação à COVID-19 sem
auxílio de medicamentos ou com medicamentos de utilização corrente.
A principal componente do pânico
tem mais a ver, contudo, com as estimativas que vêm determinando a adopção de
medidas extremas, elas mesmas parecendo réplicas das antevisões apocalípticas
que foram sendo projectadas por uma orquestrada corrente de futurólogos
neoliberais e globalistas.
Papel central na formatação dessa
componente tem sido desempenhado, desde o início do século, pela chamada
«biologia matemática» praticada por Neil Ferguson, do Imperial College de
Londres; um método que parte de estatísticas, por vezes desactualizadas, para
projectar comportamentos humanos.
Foi uma nota confidencial de
Ferguson, segundo a qual a pandemia mataria meio milhão de franceses, remetida
em 12 de Março, que levou o presidente Macron à sua dramática intervenção da
qual resultou o confinamento generalizado. Há mais de 20 mil mortes em França,
porém longe das contas feitas pela biologia matemática. Assim como os números
reais estão longe dos 550 mil mortos no Reino Unido e dos 1,2 milhões nos
Estados Unidos previstos na mesma ocasião por Ferguson.
Poderá argumentar-se: as
advertências de Ferguson evitaram que se chegasse tão longe. Ao que poderá
contrapor-se o caso sueco que, sem estados de emergência, gere a crise com
números do mesmo nível dos ocorridos com regimes de contenção mais rigorosos. É
cedo, portanto, para haver certezas.
Daí que a banalização de medidas
de excepção à espera de uma eventual vacina pareça o aprofundamento de um
caminho vocacionado para se estender para lá de uma imunização contra o
coronavírus; a qual, por isso, não nos vacinará contra o autoritarismo de que o
neoliberalismo necessitará cada vez mais para sobreviver.
A «biologia matemática» de
Ferguson não se «enganou» só agora. Isso está na essência da sua existência. Em
2001 convenceu Tony Blair a abater seis milhões de bovinos para combater a
febre aftosa e a deitar para o lixo 10 mil milhões de libras, um acto que faz
parte hoje da lista das grandes aberrações; em 2002 profetizou que a doença das
«vacas loucas» mataria entre 50 mil e 150 mil britânicos mas, felizmente, não
passou dos 177; em 2005 seria a gripe das aves a ceifar as vidas de cerca de 65
mil cidadãos britânicos e, mais uma vez felizmente, o número não chegou aos
500.
Quer isto dizer que cada caso de
pandemia, real ou encenada, é servido com uma dose acrescida de sementes de
pânico. Ignoram-se quais os efeitos desta constante no combate às doenças; não
se ignora, no entanto, que o «medo do desconhecido», como diria Kissinger,
deixa as pessoas de «braços abertos» para o que lhes queiram impor.
Talvez alguém considere que
prevenir através do pavor seja melhor do que remediar com medicamentos ou
estados de emergência. Mas se, afinal, os estados de emergência, totais ou
parciais, parecem talhados para sobreviver à cura e à imunização dos fenómenos
virais, então talvez seja altura de os cidadãos se prevenirem denunciando e
combatendo já as excepções aos direitos civis, sociais e humanos em vez de
tentarem remediar depois o que não terá remédio.
*José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
Sem comentários:
Enviar um comentário