terça-feira, 7 de abril de 2020

E tantos a perguntar: "andamos aqui a penar para isto?"


Sem grandes delongas ou considerações trazemos ao PG o Curto do Expresso. Hoje pelas palavras escritas de João Vieira Pereira, o diretor. Sérgio Godinho é a quem recorre, e bem, para nos falar do “primeiro dia do resto das nossas vidas”. 

Bom Sérgio, como o tempo passa e como nós o vamos desbravando com esforço através da selva neoliberal. 

Siga para a dita prosa com o som da marcante e inolvidável voz e música do autor dos tempos da Revolução de Abril, agora derrotada num processo de recuperação dos mesmos de sempre. Tais pais, tais filhos… Autointitulados democratas e etc. Sim, pois, mas a olharem para os seus umbigos e seitas que construíram ou que recuperaram do "antigamente" e a ignorarem os milhões na pobreza, manipulados pela ilusão de terem uma boa vida ao fundo do túnel. Vida condigna e de justeza democrática. Humana. Balelas. Quem não sabe isso?

Basta, que é mais que chega. Aliás, tal palavra está sobejamente inquinada por má ventura.

O Curto que vale muito nos tempos que arrastamos como bons cumpridores de penas. E tantos a perguntar: "andamos aqui a penar para isto?" Aos esquecidos ou ignorantes: as revoluções ficam sempre ao virar das esquinas dos tempos...

MM | PG


Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Este é o primeiro dia do resto das nossas vidas

João Vieira Pereira | Expresso

“Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida:
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida!”
-- Sérgio Godinho, in "O Primeiro Dia"

‘Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo’

Talvez por estarmos há demasiado tempo sem poder dar boas notícias enfatizamos as poucas que existem. Mas elas existem de facto. E pouco a pouco vão aparecendo. Até nos números. A começar pelos recuperados, que nunca foram tantos. O melhor dia dos últimos 10 não nos sossega, mas deixa-nos com esperança.

O crescimento de novos casos e o número de mortes registadas começaram a abrandar nos últimos oito dias. Num novo gráfico, que parte da análise das médias semanais, o achatamento da curva portuguesa é especialmente notório.

“Olhando para os números dos novos casos com covid-19, fica a ideia de que o pior já terá passado”, quem o diz, com alguns “se’s”, é Luís Aguiar-Conraria.

Até o consumo de eletricidade que caía, semana após semana reflexo da menor atividade económica, registou uma subida de 3%.

‘Dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo’
A Áustria anunciou que a 14 de abril devem abrir as pequenas lojas, quinze dias depois as grandes. Hotéis e restaurantes serão os seguintes da lista. Em Itália já se fala de um levantamento controlado e gradual das restrições. E a Dinamarca poderá reabrir, já para a semana, infantários e escolas até ao quinto ano.

Se a decisão de fechar um país é difícil, mais ainda é decidir quando e como se regressa à normalidade. Para que seja mais fácil retomar a atividade, há uma nova corrida pelos “certificados de imunidade” na Alemanha e talvez no Reino Unido.

Os mercados reagiriam em alta às notícias de que estão a diminuir o número de mortes em Itália e Espanha. A luz ao fundo do túnel, de Trump, foi suficiente para alegrar muitos.

Mas não para Boris Johnson. O primeiro-ministro britânico foi transferido para os cuidados intensivos e pode ter de ser ligado a um ventilador. Tinha sido hospitalizado “para fazer mais testes”. O seu sucessor designado é Dominic Raab, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Johnson faz parte dos 1.249.077 infetados. O mundo registou ontem 82 mil novos casos, tantos quantos a China desde o início do surto. Os Estados Unidos são o país com mais casos confirmados e maior número de mortes. No mundo choram-se 69.599 vítimas confirmadas da covid-19.

Há morte. À morte digo: há vida. Aqui, nas histórias de Leo, dois meses, e Ada, 104 anos. O vírus não é invencível.

‘Diz-se do passado que está moribundo’
Já aqui falei de escola. É preciso olhar em frente. O governo de Itália decidiu que todos os estudantes vão passar de ano. O que não quer dizer que todos vão ter notas positivas. Os alunos com negativas terão de frequentar aulas de recuperação.

Por cá, António Costa anunciará quinta-feira o que podem esperar estudantes e famílias, sendo certo que se as aulas presenciais não forem retomadas até 4 de maio (alunos do secundário), todo o final de ano letivo terá de ser reajustado.

Mas ainda há notícias más. Falsos padres, funcionários de saúde pública que não o são, voluntários de ONG que não existem, tudo serve em Espanha para tentar burlar quem está isolado. Cuidado. Ainda em Espanha, um empresário foi preso por alegadamente ter roubado dois milhões de máscaras e outro material médico de um armazém na Galiza. O material terá sido vendido em Portugal.

Máscaras que parecem ser cada vez mais a solução. Não pode esperar mais, pelo menos para a Ordem dos Médicos que pede a revisão de várias recomendações em vigor contra a pandemia. A primeira, urgente, é sobre a utilização de máscaras pelos profissionais de saúde e pela população.

Já há autocaravanas a serem usadas para descanso de médicos e bombeiros em Braga e Gaia.

‘Bebe-se o alento num copo sem fundo’
O Governo anda a corrigir os erros das medidas de apoio a empresas e famílias. E ainda bem. Até porque é compreensível que assim seja, já que nesta crise somos todos alunos numa disciplina onde não há professores.

As linhas de crédito para ajudar as empresas vão ser alargadas e podem ir agora até €13 mil milhões. Palavra de Siza Vieira. Este aumento será gradual e começará pelo apoio ao comércio e serviços com mais €1.200 milhões. Há novos sectores contemplados e que antes “estavam excluídos, como os serviços, os transportes de mercadorias, de passageiros, e o agrícola", entre outros.

Também a ministra Ana Mendes Godinho disse ter alargado o apoio à redução da atividade de trabalhadores independentes (para quem tenha uma quebra de pelo menos 40% da faturação). E, finalmente, os sócios-gerentes passam a ter apoio igual ao dos recibos verdes, mas só se não tiverem trabalhadores a cargo. Vejas todas as novidades aqui.

Antes, entre novas críticas à banca, Rui Rio tinha apresentado as suas propostas. Pedro Siza Vieira agradeceu e respondeu com um ‘já está’ e um ‘não vamos por aí’.

Jogadores do Porto, Benfica e Sporting preparam corte de salários. A notícia avançada pelo ‘Record’ diz que os clubes grandes e outros da I Liga estão a chegar a acordo para a redução de 50%. A Tribuna Expresso conta que que "há um entendimento geral entre todos" para avançar com esta medida, de forma a evitar o lay-off. O sindicato dos jogadores já tinha considerado esta possibilidade com "escandalosa" e "oportunista".

Marcelo tinha prometido uma espécie de puxão de orelhas à banca, mas talvez a banca tenha conseguido provar que, desta vez, a culpa não é deles. Da reunião com os banqueiros fica “a sensação de que os banqueiros estão a acompanhar de forma muito atenta o que se vive nas empresas e nas famílias, quer a nível nacional, quer internacional.”

Pela Europa, Mário Centeno sonha com propostas alemãs. O Eurogrupo discute hoje um pacote de €540 mil milhões para apoiar a economia. Há quase consenso (Itália diz não, não e não) para abrir linhas de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Sobre coronabonds nada.

Os jornais estão a sofrer com a crise. ‘A Bola’ vai avançar para um lay-off de 50 profissionais, incluindo jornalistas, gráficos e administrativos. O diretor do jornal, Vítor Serpa, descreve a situação atual da imprensa desportiva como “calamidade pública”. Medida que o ‘Jornal Económico’ também vai tomar.

Para fechar, dois resumos sobre o que mais de importante se passou em Portugal e no mundo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Limpeza total João Lourenço fez uma purga no governo de Angola e demitiu 17 ministros e 24 secretários de Estado.

Casa roubada… Na sequência do caso da morte de um cidadão ucraniano, Eduardo Cabrita anunciou "mudanças profundas no modelo de funcionamento” do SEF no aeroporto de Lisboa.

Libertado O cardeal australiano George Pell, antigo controlador financeiro do Vaticano, foi libertado da prisão por decisão do Supremo Tribunal australiano. Pell tinha sido condenado por abuso sexual de crianças.

Nossa Senhora A dias do primeiro aniversário do incêndio de Notre Dame, veja as imagens inéditas do interior da catedral .

Resgate a tiro ONG Sea-eye acusa a guarda costeira da Líbia de disparar durante resgate no Mediterrâneo.

Chega assim? Ventura, num golpe de teatro, demitiu-se. Diz que o partido cresceu muito e que não está todo com ele, por isso quer eleições. Mas afinal, quem é a oposição de André Ventura?

Justiça Eslováquia condenou a 23 anos de prisão o assassino do jornalista Jan Kuciak, assassinado a tiro em 2008 e que investigava as relações entre o crime organizado e o poder.

Greve? Estivadores de Lisboa acusam operadores portuários de avançarem com despedimento coletivo e de violação do estado de emergência.

O QUE EU ANDO A LER

Zoonoses. Desde 1981 morreram mais de 30 milhões de pessoas por causa deste fenómeno. O número já deve ser maior (a edição de 'Spillover' tem dois anos) mas atinge proporções muito consideráveis. E o que são zoonoses? São infeções de animais capazes de serem transmitidas a humanos. Muitas são hoje comuns, como a gripe. Outras são mais antigas, como a peste bubónica ou a gripe espanhola, uma das mais mortíferas, tal como a SIDA. Mas, como defende David Quammen no seu livro, considerado pelo New York Times como uma das obras notáveis de 2018, elas são prova de uma “antiga máxima darwiniana (a mais negra das suas verdades, muito conhecida e persistentemente esquecida) de que a humanidade é uma espécie de animal, inextricavelmente ligada com outros animais: na origem e no declínio, na doença e na saúde.” Quammen realça que quando olhamos para a zoonoses de forma individual “nos lembramos que tudo, incluindo a pestilência , vem de algum lugar”. Cerca de 60% da doenças infecciosas que nos atingem cruzaram a “barreira” entre homem e animal.

Talvez esteja farto de vírus mas eles estão por todo o lado. “A doença infecciosa é uma espécie de argamassa natural que amarra uma criatura a outra, uma espécie com outra…” A obra de Quammen é uma viagem alucinante pelo mundo na procura destes seres invisíveis, “pequenas bestas que comem a sua presa por dentro”. 'Spillover, infeções animais e a próxima pandemia humana' talvez nunca tivesse entrado no écran do meu kindle. Agora não sai de lá. Como este vírus que nos persegue.

E claro, siga aqui o Diário da Peste de Gonçalo M. Tavares. Até porque depois de “Dez páginas no jornal com retratos de pessoas com duas datas” e de “Jocob Steinberg, poeta israelita: ‘nós parecemos esta noite uma cidade que arde’.” (…) “Todos devíamos fazer isso. Cinco passos para a frente e cinco passos para trás para ver se ficamos no mesmo sítio. Não ficamos no mesmo sítio. Já não é possível ficar no mesmo sítio.”

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