sexta-feira, 17 de abril de 2020

TRUMP ADAPTA A ESTRATÉGIA ENERGÉTICA DOS EUA


Thierry Meyssan*

Enquanto a maior parte das pessoas está absorta com as medidas de controle em tempo de epidemia, os Saud colocam em questão o poderio do seu protector norte-americano. Uma prova de força opõe Riade e Washington, a qual desorganizava já a economia mundial antes da propagação do Covid-19. O Presidente Trump pensou tomar o controle do petróleo saudita e venezuelano o que, parece, o levou a encetar novas alianças.

esde há três anos, o Presidente Trump e o seu Director da CIA depois Secretário de Estado, Mike Pompeo, tentam largar o imperialismo do seu país e substituí-lo por uma estratégia económica. Isso supõe que Washington ainda possa ser o líder mundial, com a condição de dispor de um poderoso exército e de auto-suficiência energética.

Donald Trump autorizou a exploração de zonas protegidas, relançou a construção de oleodutos e prosseguiu a aventura do xisto, muito embora esta seja de natureza efémera. A evolução política da Arábia Saudita, marcada pela megalomania do Príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, foi primeiro gerida extorquindo-lhe o máximo de dinheiro possível a cada uma das suas loucuras, depois virou para um conflito.

Finalmente, MBS abriu uma guerra de petróleo, mas não contra a Rússia e sim contra a indústria norte-americana do xisto. Deliberadamente, ele provocou um mergulho dos preços de US $ 70 dólares o barril para menos de US $ 30 dólares. Ora, esta prova de força coincidiu de forma inesperada com a epidemia de Covid-19 e à queda vertiginosa do consumo mundial de energia. A epidemia atinge igualmente os Estados Unidos onde uma parte dos oficiais superiores pretendem proclamar uma lei marcial disfarçada e acabar com a experiência Trump.

Estas três realidades (a estratégia económica do Presidente Trump, a rebelião saudita e a epidemia de coronavírus) chocam entre si. Para as analisar, vamos dissociá-las arbitrariamente, mantendo em mente que a lógica de cada uma delas pode ver-se subitamente perturbada pela das outras duas.


A estratégia económica

Face ao colapso dos preços do petróleo, o Presidente Trump considerou que não tinha outra solução senão tomar em mãos as principais reservas mundiais, as da Venezuela. Desde há vários anos, a CIA e a SouthCom desestabilizam este país em preparação do plano Rumsfeld/Cebrowski de destruição das estruturas estatais na Bacia das Caraíbas. O país chegou a um ponto onde uma possível eliminação do Presidente Nicolás Maduro não suscitaria maior reacção do que a do Chefe do exército panamiano (panamenho-br) Manuel Noriega em 1989.

Assim, os Estados Unidos convenceram a União Europeia a juntar-se a uma operação de tipo «Just Cause» («invasão do Panamá»-ndT) : o sequestro do Presidente Maduro e do homem forte do país, Diosdado Cabello. O Reino Unido, a França, a Espanha, Portugal e a Holanda —quer dizer, as antigas potências coloniais da América do Sul— dispuseram-se a participar. Eis a sequência reveladora:

Em 26 de Março, o Departamento de Justiça dos EUA emitiu um mandado de busca e de recompensa envolvendo o Presidente Maduro e a sua equipa, que acusou de tráfico de drogas.

-- A 31 de Março, o Departamento de Estado publicou um roteiro para uma transição democrática na Venezuela que excluía, ao mesmo tempo, o anterior Presidente Maduro e o autoproclamado presidente Guaidó [1]

-- No princípio de Abril, um navio espião português, o RCGS Resolute, conseguiu afundar o barco da guarda-costeira venezuelana que tinha vindo para o arrestar, escapar e depois a colocar-se sob protecção holandesa em Curaçao. A França e o Reino Unido despacharam para a zona dois navios de combate, o porta-helicópteros anfíbio Dixmunde e o porta-contentores RFA Argus, para levar armas e munições sob a cobertura de transporte de materiais de luta anti-Covid19 [2]. Um destróier norte-americano e vários navios da Navy foram colocados sob o comando da Drug Enforcement Agency («Agência de Luta contra as Drogas»-ndT).

No entanto, esta operação foi interrompida pela Marinha dos EUA («US Navy»-ndT) devido à epidemia.




A rebelião saudita

A família dos Saud permanece enraizada na cultura do deserto. A sua maneira de funcionar colide com o mundo moderno, como demonstra bem tanto a decapitação do chefe da Oposição política, Xeque Nimr Baqr al-Nimr (2016), a prisão de quase todos os príncipes da família real e o confisco da sua fortuna (2017) como, ainda, o desmembramento à serra de um de seus nacionais num Consulado no estrangeiro (2018). Segundo esta cultura, só conta a concretização da vingança qualquer que seja o preço a pagar. Depois de ter sido manipulado e desprezado por Jared Kushner e Donald Trump, o Príncipe herdeiro decidiu vingar-se arrasando para isso a indústria de petróleo de xisto dos EUA, a qual não pode sobreviver com preços de petróleo inferiores a US $ 35 dólares o barril.

Constatando a impossibilidade de chamar a Arábia Saudita à razão, o Presidente Trump optou por não sabotar os seus poços de petróleo, mas, antes infligir uma derrota retumbante ao Príncipe herdeiro no Iémene (Iêmen-br). Um ataque simultâneo das tribos apoiadas pelo Irão e das apoiadas pelos Emirados esmagou as que são apoiadas pela Arábia. De passagem, os Britânicos ocuparam a ilha de Socotorá na entrada do Mar Vermelho. No fim, Riade apenas ficou a dispor da arma aérea [3].

Mais uma vez, a operação foi interrompida pela epidemia, ou melhor, esta ofereceu uma porta de saída aos Sauditas. Respondendo com duas semanas de atraso às exortações do Secretário-Geral da ONU, anunciaram um cessar-fogo unilateral para permitir aos Serviços de Saúde salvar os doentes de Covid-19. Na realidade, antes eles não haviam feito prova de qualquer indulgência para com os seus inimigos, matando deliberadamente a população civil iemenita à fome. Acabavam, acima de tudo, de perder as suas bases no Iémene e os Hutis tinham-lhes então proposto negociar a paz, o que eles haviam sobranceiramente desdenhado.

Se uma entente prévia entre Washington, Abu Dhabi e Teerão tivesse sido concluída contra Riade assistiríamos a uma nova disposição de alianças e ao abandono da fictícia oposição entre sunitas e xiitas. Seja como for, os Emirados são os grandes vencedores do nova situação. Actualmente, eles agem junto com o Barém para reintroduzir a Síria na cena internacional.

Washington retomou as rédeas jogando com o pau e a cenoura. A cenoura foi a baixa voluntária da produção de petróleo; o pau era a ameaça de uma tomada da Aramco, única fonte de rendimentos (renda-br) dos Saud. Para negociar, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O’Brien, enviou, sem grande fé, a sua assistente Victoria Coates, que ficou a residir em Riade.

Para azar deles, os Saud estão em posição de fraqueza: a epidemia atingiu seriamente mais de 150 príncipes da família real, entre os quais o Governador de Riade, colocado em respiração assistida. O sistema gerontocrático está de pantanas.

Aparentemente, um compromisso foi provisoriamente encontrado, a 9 de Abril, com o anúncio pela OPEP de uma baixa mundial da produção de petróleo em 10 milhões de barris por dia em Maio e Junho, de 8 milhões de barris por dia durante o segundo semestre de 2020 e 6 milhões por dia durante os 16 meses seguintes [4]. Mas esta decisão, por mais drástica que seja, não compensa a queda do consumo mundial em período de epidemia.

Além disso, a sua aplicação estava dependente do respeito por todos os seus membros. Ora, o México só concordou com uma baixa de 100.000 barris/dia em vez dos 400.000 esperados. O Presidente Trump propôs reduzir a produção dos EUA em 250.000 barris suplementares em vez do México, mas isso continua a não atingir a quantidade pretendida.

A reunião dos ministros da Energia do G20 limitou-se a constatar a impossibilidade de aplicar o acordo negociado.

A epidemia de coronavírus

Muitos Estados optaram por dilatar no tempo a propagação da doença, em vez de a combater, correndo o risco de sacrificar a sua própria economia. Assim sendo, segue-se um aumento desmesurado do seu endividamento e uma recessão mundial. Nos Estados Unidos, uma parte dos oficiais superiores, que haviam tentado derrubar o Presidente Trump com o “Rússiagate” e depois o “Ucrâniagate”, imaginaram instaurar uma lei marcial para lutar a nível federal contra a epidemia, o que é constitucionalmente da responsabilidade dos Estados Federados [5]. Assim, eles recusaram envolver as suas tropas na Venezuela; uma insubmissão sem precedentes nos EUA.

O pedido de assistência do Comandante do porta-aviões USS Theodore Roosevelt para desembarcar os seus homens, dada a impossibilidade de confinar os doentes a bordo [6] foi primeiro considerado como um abandono do posto pelo Poder político. Mas o tributo unânime dos marinheiros assim que o seu Chefe foi desembarcado levou o Presidente Trump a sacrificar o Secretário da Marinha («Navy»), subitamente descrito como rígido e sem coração. Entretanto três outros porta-aviões estão na mesma situação.

A prova de força continua entre civis dos Estados Federados e do Estado Federal, por um lado, e os militares por outro. Em caso de lei marcial, os oficiais superiores poderão declarar-se neutrais perante as clivagens políticas e não ambicionando mais do que a defesa da saúde dos seus concidadãos.

Para uma mudança de política energética dos EUA

Depois de se terem reunido com o Ministro saudita do petróleo, 11 Senadores republicanos dos Estados petrolíferos apresentaram dois projectos de lei ordenando a retirada das tropas dos EUA da Arábia. Ao fazê-lo, eles abriram a via para mudanças radicais.

O presidente Trump encara agora modificar a política energética de seu país em dois pontos:

-- Romperia com a do Presidente Richard Nixon (a conselho do seu especialista eleitoral Kevin Philipps), a qual privilegiava os consumidores em vez dos empregos. Assim, ele decretaria elevadas tarifas aduaneiras às importações de petróleo barato para salvar a indústria de petróleo de xisto.

-- Romperia também com a do Presidente Gerald Ford (a conselho do seu Secretário de Estado Henry Kissinger), a qual defendia o livre mercado ao mesmo tempo que autorizava a OPEP a formar um cartel em detrimento exclusivo dos Europeus. De uma penada, agora o Congresso adoptaria uma proposta de lei, datando de 2007, condenando os Estados membros da OPEP por prática limitando a livre concorrência (No Oil Producing and Exporting Cartels Act –NOPEC) («Lei de Produção e Exportação de Petróleo sem Cartelização»-ndT).

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “Democratic Transition Framework for Venezuela” , Voltaire Network , 1 April 2020.
[2] “A NATO pega em armas para “combater o coronavírus”” , Manlio Dinucci , Tradução Maria Luísa de Vasconcellos , Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire , 9 de Abril de 2020.
[3] “A primeira guerra da OTAN-MO vira a ordem regional” , Thierry Meyssan , Tradução Alva , Rede Voltaire , 25 de Março de 2020.
[5] “Golpistas na sombra do coronavirus” , Thierry Meyssan , Tradução Alva , Rede Voltaire , 1 de Abril de 2020.
[6] “Request of assistance in response to pandemic on USS Theodore Roosevelt” , by Captain Brett E. Crozier , Voltaire Network , 30 March 2020.

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