Thierry Meyssan*
Enquanto a maior parte das
pessoas está absorta com as medidas de controle em tempo de epidemia, os Saud
colocam em questão o poderio do seu protector norte-americano. Uma prova de
força opõe Riade e Washington, a qual desorganizava já a economia mundial antes
da propagação do Covid-19. O Presidente Trump pensou tomar o controle do
petróleo saudita e venezuelano o que, parece, o levou a encetar novas alianças.
esde há três anos, o Presidente
Trump e o seu Director da CIA depois Secretário de Estado, Mike Pompeo, tentam
largar o imperialismo do seu país e substituí-lo por uma estratégia económica.
Isso supõe que Washington ainda possa ser o líder mundial, com a condição de
dispor de um poderoso exército e de auto-suficiência energética.
Donald Trump autorizou a
exploração de zonas protegidas, relançou a construção de oleodutos e prosseguiu
a aventura do xisto, muito embora esta seja de natureza efémera. A evolução
política da Arábia Saudita, marcada pela megalomania do Príncipe herdeiro
Mohamed bin Salman, foi primeiro gerida extorquindo-lhe o máximo de dinheiro
possível a cada uma das suas loucuras, depois virou para um conflito.
Finalmente, MBS abriu uma guerra
de petróleo, mas não contra a Rússia e sim contra a indústria norte-americana
do xisto. Deliberadamente, ele provocou um mergulho dos preços de US $ 70
dólares o barril para menos de US $ 30 dólares. Ora, esta prova de força
coincidiu de forma inesperada com a epidemia de Covid-19 e à queda vertiginosa
do consumo mundial de energia. A epidemia atinge igualmente os Estados Unidos
onde uma parte dos oficiais superiores pretendem proclamar uma lei marcial
disfarçada e acabar com a experiência Trump.
Estas três realidades (a
estratégia económica do Presidente Trump, a rebelião saudita e a epidemia de
coronavírus) chocam entre si. Para as analisar, vamos dissociá-las
arbitrariamente, mantendo em mente que a lógica de cada uma delas pode ver-se
subitamente perturbada pela das outras duas.
A estratégia económica
Face ao colapso dos preços do
petróleo, o Presidente Trump considerou que não tinha outra solução senão tomar
em mãos as principais reservas mundiais, as da Venezuela. Desde há vários anos,
a CIA e a SouthCom desestabilizam este país em preparação do plano
Rumsfeld/Cebrowski de destruição das estruturas estatais na Bacia das Caraíbas.
O país chegou a um ponto onde uma possível eliminação do Presidente Nicolás
Maduro não suscitaria maior reacção do que a do Chefe do exército panamiano
(panamenho-br) Manuel Noriega em 1989.
Assim, os Estados Unidos
convenceram a União Europeia a juntar-se a uma operação de tipo «Just Cause»
(«invasão do Panamá»-ndT) : o sequestro do Presidente Maduro e do homem forte
do país, Diosdado Cabello. O Reino Unido, a França, a Espanha, Portugal e a
Holanda —quer dizer, as antigas potências coloniais da América do Sul—
dispuseram-se a participar. Eis a sequência reveladora:
Em 26 de Março, o Departamento de
Justiça dos EUA emitiu um mandado de busca e de recompensa envolvendo o
Presidente Maduro e a sua equipa, que acusou de tráfico de drogas.
-- A 31 de Março, o Departamento de Estado publicou um roteiro para uma transição democrática na Venezuela que excluía, ao mesmo tempo, o anterior Presidente Maduro e o autoproclamado presidente Guaidó [1]
-- No princípio de Abril, um navio espião português, o RCGS Resolute, conseguiu afundar o barco da guarda-costeira venezuelana que tinha vindo para o arrestar, escapar e depois a colocar-se sob protecção holandesa em Curaçao. A França e o Reino Unido despacharam para a zona dois navios de combate, o porta-helicópteros anfíbio Dixmunde e o porta-contentores RFA Argus, para levar armas e munições sob a cobertura de transporte de materiais de luta anti-Covid19 [2]. Um destróier norte-americano e vários navios da Navy foram colocados sob o comando da Drug Enforcement Agency («Agência de Luta contra as Drogas»-ndT).
No entanto, esta operação foi
interrompida pela Marinha dos EUA («US Navy»-ndT) devido à epidemia.
A rebelião saudita
A família dos Saud permanece
enraizada na cultura do deserto. A sua maneira de funcionar colide com o mundo
moderno, como demonstra bem tanto a decapitação do chefe da Oposição política,
Xeque Nimr Baqr al-Nimr (2016), a prisão de quase todos os príncipes da família
real e o confisco da sua fortuna (2017) como, ainda, o desmembramento à serra
de um de seus nacionais num Consulado no estrangeiro (2018). Segundo esta
cultura, só conta a concretização da vingança qualquer que seja o preço a
pagar. Depois de ter sido manipulado e desprezado por Jared Kushner e Donald
Trump, o Príncipe herdeiro decidiu vingar-se arrasando para isso a indústria de
petróleo de xisto dos EUA, a qual não pode sobreviver com preços de petróleo
inferiores a US $ 35 dólares o barril.
Constatando a impossibilidade de
chamar a Arábia Saudita à razão, o Presidente Trump optou por não sabotar os
seus poços de petróleo, mas, antes infligir uma derrota retumbante ao Príncipe
herdeiro no Iémene (Iêmen-br). Um ataque simultâneo das tribos apoiadas pelo
Irão e das apoiadas pelos Emirados esmagou as que são apoiadas pela Arábia. De
passagem, os Britânicos ocuparam a ilha de Socotorá na entrada do Mar Vermelho.
No fim, Riade apenas ficou a dispor da arma aérea [3].
Mais uma vez, a operação foi
interrompida pela epidemia, ou melhor, esta ofereceu uma porta de saída aos
Sauditas. Respondendo com duas semanas de atraso às exortações do
Secretário-Geral da ONU, anunciaram um cessar-fogo unilateral para permitir aos
Serviços de Saúde salvar os doentes de Covid-19. Na realidade, antes eles não
haviam feito prova de qualquer indulgência para com os seus inimigos, matando
deliberadamente a população civil iemenita à fome. Acabavam, acima de tudo, de
perder as suas bases no Iémene e os Hutis tinham-lhes então proposto negociar a
paz, o que eles haviam sobranceiramente desdenhado.
Se uma entente prévia entre
Washington, Abu Dhabi e Teerão tivesse sido concluída contra Riade assistiríamos
a uma nova disposição de alianças e ao abandono da fictícia oposição entre
sunitas e xiitas. Seja como for, os Emirados são os grandes vencedores do nova
situação. Actualmente, eles agem junto com o Barém para reintroduzir a Síria na
cena internacional.
Washington retomou as rédeas
jogando com o pau e a cenoura. A cenoura foi a baixa voluntária da produção de
petróleo; o pau era a ameaça de uma tomada da Aramco, única fonte de
rendimentos (renda-br) dos Saud. Para negociar, o Conselheiro de Segurança
Nacional dos EUA, Robert O’Brien, enviou, sem grande fé, a sua assistente
Victoria Coates, que ficou a residir em Riade.
Para azar deles, os Saud estão em
posição de fraqueza: a epidemia atingiu seriamente mais de 150 príncipes da
família real, entre os quais o Governador de Riade, colocado em respiração
assistida. O sistema gerontocrático está de pantanas.
Aparentemente, um compromisso foi
provisoriamente encontrado, a 9 de Abril, com o anúncio pela OPEP de uma baixa
mundial da produção de petróleo em 10 milhões de barris por dia em Maio e
Junho, de 8 milhões de barris por dia durante o segundo semestre de 2020 e 6
milhões por dia durante os 16 meses seguintes [4].
Mas esta decisão, por mais drástica que seja, não compensa a queda do consumo
mundial em período de epidemia.
Além disso, a sua aplicação
estava dependente do respeito por todos os seus membros. Ora, o México só
concordou com uma baixa de 100.000 barris/dia em vez dos 400.000 esperados. O
Presidente Trump propôs reduzir a produção dos EUA em 250.000 barris
suplementares em vez do México, mas isso continua a não atingir a quantidade pretendida.
A reunião dos ministros da
Energia do G20 limitou-se a constatar a impossibilidade de aplicar o acordo
negociado.
A epidemia de coronavírus
Muitos Estados optaram por
dilatar no tempo a propagação da doença, em vez de a combater, correndo o risco
de sacrificar a sua própria economia. Assim sendo, segue-se um aumento
desmesurado do seu endividamento e uma recessão mundial. Nos Estados Unidos,
uma parte dos oficiais superiores, que haviam tentado derrubar o Presidente
Trump com o “Rússiagate” e depois o “Ucrâniagate”, imaginaram instaurar uma lei
marcial para lutar a nível federal contra a epidemia, o que é
constitucionalmente da responsabilidade dos Estados Federados [5].
Assim, eles recusaram envolver as suas tropas na Venezuela; uma insubmissão sem
precedentes nos EUA.
O pedido de assistência do
Comandante do porta-aviões USS Theodore Roosevelt para desembarcar os
seus homens, dada a impossibilidade de confinar os doentes a bordo [6]
foi primeiro considerado como um abandono do posto pelo Poder político. Mas o
tributo unânime dos marinheiros assim que o seu Chefe foi desembarcado levou o
Presidente Trump a sacrificar o Secretário da Marinha («Navy»), subitamente
descrito como rígido e sem coração. Entretanto três outros porta-aviões estão
na mesma situação.
A prova de força continua entre
civis dos Estados Federados e do Estado Federal, por um lado, e os militares
por outro. Em caso de lei marcial, os oficiais superiores poderão declarar-se
neutrais perante as clivagens políticas e não ambicionando mais do que a defesa
da saúde dos seus concidadãos.
Para uma mudança de política
energética dos EUA
Depois de se terem reunido com o
Ministro saudita do petróleo, 11 Senadores republicanos dos Estados
petrolíferos apresentaram dois projectos de lei ordenando a retirada das tropas
dos EUA da Arábia. Ao fazê-lo, eles abriram a via para mudanças radicais.
O presidente Trump encara agora
modificar a política energética de seu país em dois pontos:
-- Romperia com a do Presidente Richard Nixon (a conselho do seu especialista eleitoral Kevin Philipps), a qual privilegiava os consumidores em vez dos empregos. Assim, ele decretaria elevadas tarifas aduaneiras às importações de petróleo barato para salvar a indústria de petróleo de xisto.
-- Romperia também com a do Presidente Gerald Ford (a conselho do seu Secretário de Estado Henry Kissinger), a qual defendia o livre mercado ao mesmo tempo que autorizava a OPEP a formar um cartel em detrimento exclusivo dos Europeus. De uma penada, agora o Congresso adoptaria uma proposta de lei, datando de 2007, condenando os Estados membros da OPEP por prática limitando a livre concorrência (No Oil Producing and Exporting Cartels Act –NOPEC) («Lei de Produção e Exportação de Petróleo sem Cartelização»-ndT).
Thierry Meyssan* |
Voltairenet.org | Tradução Alva
*Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores,
2008).
Notas:
[1]
“Democratic Transition
Framework for Venezuela” , Voltaire Network , 1 April 2020.
[2]
“A NATO pega em armas
para “combater o coronavírus”” , Manlio Dinucci , Tradução Maria Luísa de
Vasconcellos , Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire , 9 de
Abril de 2020.
[3]
“A primeira guerra da
OTAN-MO vira a ordem regional” , Thierry Meyssan , Tradução Alva , Rede
Voltaire , 25 de Março de 2020.
[4]
“Conclusions of the
Extraordinary OPEC and non-OPEC Ministerial Meeting” , Voltaire
Network , 9 April 2020.
[5]
“Golpistas na sombra
do coronavirus” , Thierry Meyssan , Tradução Alva , Rede Voltaire ,
1 de Abril de 2020.
[6]
“Request of assistance
in response to pandemic on USS Theodore Roosevelt” , by Captain Brett E.
Crozier , Voltaire Network , 30 March 2020.
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