terça-feira, 5 de maio de 2020

Dia Mundial da Língua Portuguesa - inquietação ou regozijo?

PORQUE ESTÁ A MORRER?
Margarita Correia | Diário de Notícias | opinião

Em 2009, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) estabeleceu o dia 5 de maio como o Dia da Língua Portuguesa e das Culturas Lusófonas e comemorou-o pela primeira vez em 2010. Em 2019, a Assembleia Geral da UNESCO proclamou o Dia Mundial da Língua Portuguesa.

A proclamação da UNESCO foi amplamente noticiada em Portugal, levando os céticos do costume a defender que esta poderia ser não motivo de regozijo, mas uma nota inquietante, indicativa de alguma fragilidade do português, brandindo dois argumentos principais: 1) as grandes línguas não carecem de e não têm dias mundiais; 2) só entidades ameaçadas, desprotegidas ou discriminadas têm dias mundiais Será que têm razão?

Ninguém põe em dúvida hoje em dia o papel da língua inglesa no mundo, não apenas por ser a língua mais falada do mundo, mas sobretudo por ser a usada em mais situações de comunicação diversas e por constituir a grande língua veicular de conhecimento, de ciência, de tecnologia, de notícias, de entretenimento. Pois bem, a língua inglesa celebra o seu Dia Mundial a 23 de abril. As restantes seis línguas oficiais e de trabalho das Nações Unidas têm também o seu Dia Mundial (o árabe a 18 de dezembro, o chinês a 20 de abril, o espanhol a 23 de abril, o francês a 20 de março e o russo a 6 de junho). Que a UNESCO tenha proclamado o dia 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa constitui, acima de tudo, um reconhecimento do seu devido lugar entre as grandes línguas do mundo, com os seus mais de 265 milhões de falantes e o seu crescente papel de língua internacional. A este reconhecimento falta, contudo, atribuir ao português o papel de língua de trabalho da ONU, embora passos decisivos estejam a ser dados para tal nos últimos anos.


A instituição pela ONU e seus organismos de dias mundiais ou internacionais visa geralmente despertar consciências para questões inquietantes e motivar ação. Justifica-se assim a existência de dias mundiais da malária, da luta contra o cancro ou contra a sida, das abelhas, contra o tráfico de pessoas, bem como de dias internacionais das viúvas, das vítimas de desaparecimentos forçados, das pessoas com deficiência, para a erradicação da pobreza. Porém, muitos desses dias são também e fundamentalmente dias de celebração, tais como os dias mundiais da educação, da saúde, da terra, do jazz, da felicidade, e dias internacionais da amizade, da juventude, da paz, da tolerância ou da solidariedade humana. É neste quadro de celebração que encaixam os dias das principais línguas do planeta e, entre eles, o novel Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Nada como ler o texto da Proclamação do Dia Mundial da Língua Portuguesa. Nele se refere o papel das línguas, e do português, como alicerce de manifestações culturais e expressão de identidades, valores e visões do mundo, de repositório de diversidade cultural e diálogo entre civilizações, de ponte entre sociedades, diversidades de formas de expressão e interação, de partilha e empoderamento. No texto destaca-se, o papel do português como primeira língua de globalização e de encontro entre civilizações da Era Moderna, tendo deixado marcas lexicais em muitas outras línguas e tendo trazido delas muitas palavras e expressões depois adotadas por outras línguas, nomeadamente europeias.

Não têm, pois, razão os céticos do costume. O Dia Mundial da Língua Portuguesa deve ser motivo de regozijo para todos os que falam português, os que receberam esta língua de seus pais e avós e também os que a adotaram como sua.

*Professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa - IILP

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