PORQUE ESTÁ A MORRER? |
Margarita Correia | Diário de Notícias
| opinião
Em 2009, a Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP) estabeleceu o dia 5 de maio como o Dia da Língua
Portuguesa e das Culturas Lusófonas e comemorou-o pela primeira vez em 2010. Em
2019, a Assembleia Geral da UNESCO proclamou o Dia Mundial da Língua
Portuguesa.
A proclamação da UNESCO foi
amplamente noticiada em Portugal, levando os céticos do costume a defender que
esta poderia ser não motivo de regozijo, mas uma nota inquietante, indicativa
de alguma fragilidade do português, brandindo dois argumentos principais: 1) as
grandes línguas não carecem de e não têm dias mundiais; 2) só entidades
ameaçadas, desprotegidas ou discriminadas têm dias mundiais Será que têm razão?
Ninguém põe em dúvida hoje em dia
o papel da língua inglesa no mundo, não apenas por ser a língua mais falada do
mundo, mas sobretudo por ser a usada em mais situações de comunicação diversas
e por constituir a grande língua veicular de conhecimento, de ciência, de
tecnologia, de notícias, de entretenimento. Pois bem, a língua inglesa celebra
o seu Dia Mundial a 23 de abril. As restantes seis línguas oficiais e de
trabalho das Nações Unidas têm também o seu Dia Mundial (o árabe a 18 de
dezembro, o chinês a 20 de abril, o espanhol a 23 de abril, o francês a 20 de
março e o russo a 6 de junho). Que a UNESCO tenha proclamado o dia 5 de maio
como Dia Mundial da Língua Portuguesa constitui, acima de tudo, um
reconhecimento do seu devido lugar entre as grandes línguas do mundo, com os
seus mais de 265 milhões de falantes e o seu crescente papel de língua
internacional. A este reconhecimento falta, contudo, atribuir ao português o
papel de língua de trabalho da ONU, embora passos decisivos estejam a ser dados
para tal nos últimos anos.
A instituição pela ONU e seus
organismos de dias mundiais ou internacionais visa geralmente despertar
consciências para questões inquietantes e motivar ação. Justifica-se assim a
existência de dias mundiais da malária, da luta contra o cancro ou contra a
sida, das abelhas, contra o tráfico de pessoas, bem como de dias internacionais
das viúvas, das vítimas de desaparecimentos forçados, das pessoas com
deficiência, para a erradicação da pobreza. Porém, muitos desses dias são
também e fundamentalmente dias de celebração, tais como os dias mundiais da
educação, da saúde, da terra, do jazz, da felicidade, e dias internacionais da
amizade, da juventude, da paz, da tolerância ou da solidariedade humana. É
neste quadro de celebração que encaixam os dias das principais línguas do
planeta e, entre eles, o novel Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Nada como ler o texto da
Proclamação do Dia Mundial da Língua Portuguesa. Nele se refere o papel das
línguas, e do português, como alicerce de manifestações culturais e expressão
de identidades, valores e visões do mundo, de repositório de diversidade
cultural e diálogo entre civilizações, de ponte entre sociedades, diversidades
de formas de expressão e interação, de partilha e empoderamento. No texto
destaca-se, o papel do português como primeira língua de globalização e de
encontro entre civilizações da Era Moderna, tendo deixado marcas lexicais em
muitas outras línguas e tendo trazido delas muitas palavras e expressões depois
adotadas por outras línguas, nomeadamente europeias.
Não têm, pois, razão os céticos
do costume. O Dia Mundial da Língua Portuguesa deve ser motivo de regozijo para
todos os que falam português, os que receberam esta língua de seus pais e avós
e também os que a adotaram como sua.
*Professora Auxiliar da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa e Presidente do Conselho Científico do
Instituto Internacional da Língua Portuguesa - IILP
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