Cabem-lhe culpas pela catástrofe
do coronavírus em Nova York
O governador do estado de Nova
Iorque, Andrew Cuomo, é saudado pela sua intervenção face à pandemia do
coronavírus. Tem boa imprensa. Não importa que a cidade de Nova Iorque seja a
zona do mundo com maior número de mortos – em parte por sua responsabilidade -
nem que antes e em plena crise tenha cortado apoios a serviços de saúde pública
fundamentais. Para muitos norte-americanos, Cuomo brilha por contraste com
Trump. Mas um olhar atento evidencia outra coisa: que no uni-partidismo
bicéfalo EUA, republicanos e democratas estão bem uns para os outros.
Andrew Cuomo pode ser o político
mais popular do país. Os seus índices de aprovação atingiram máximos sem
precedentes graças à sua resposta ao Covid-19. Alguns democratas discutiram-no
como possível substituto para Joe Biden, dada a perceptível fraqueza de Biden
como candidato. E houve até alguns infelizes tributos ao dito sex-appeal de
Cuomo.
Tudo isto é bizarro, porque Cuomo deveria ser uma das mais detestadas autoridades do momento nos EUA. O ProPublica divulgou recentemente um relatório descrevendo erros catastróficos de Cuomo e do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que resultaram provavelmente em muitos milhares de desnecessários casos de coronavírus. O ProPublica oferece alguns números assustadores, contrastando o que aconteceu
Os fracassos federais
desempenharam um papel, é claro, mas essa tragédia deveu-se, em parte, a
decisões do governador. Cuomo inicialmente “reagiu com escárnio à ideia de De
Blasio de fechar a cidade de Nova York”, dizendo que “era perigoso” e “servia
apenas para assustar as pessoas”. Disse que “a gripe sazonal é uma preocupação
mais grave”. Um porta-voz de Cuomo “recusou-se a dizer se o governador já tinha
alguma vez lido o plano de pandemia do estado”. Mais tarde, Cuomo culparia a
imprensa, incluindo o New York Times por não terem dito: “Cuidado, há um vírus
na China que pode já estar nos Estados Unidos?” embora o Times tenha escrito
quase 500 textos sobre o vírus antes de o Estado ter agido. Especialistas
disseram ao ProPublica que “se Nova York tivesse imposto as suas medidas de
distanciamento social extremo uma ou duas semanas antes, o número de mortos
poderia ter sido reduzido em metade ou mais ainda”.
Mas o atraso não foi o único
erro. Prisioneiros idosos morreram de coronavírus porque Nova York não actuou
face aos seus pedidos de liberdade condicional por razões médicas. Como o
Business Insider documentou:
“A testagem foi lenta. As agências de serviço social sem fins lucrativos que atendem os mais vulneráveis também não conseguiram obter respostas. E especialistas médicos como o ex-director do CDC, Tom Frieden, disseram que “tantas mortes poderiam ter sido evitadas” se Nova York tivesse emitido a sua ordem de ficar em casa apenas “dias antes” do que fez. Em 19 de Março, quando as escolas de Nova York estavam já fechadas, Cuomo disse: “de muitas maneiras, o medo é mais perigoso que o vírus”.
O governador falhou em assumir a
responsabilidade pelos óbvios fracassos, constantemente culpando outros e, a
certa altura, dizendo até que “não cabe aos governadores lidar com pandemias”.
(Efectivamente, alguns governadores simplesmente não leem os planos de pandemia
de seu estado.) Mas grande parte da imprensa ignorou isso, concentrando-se na
apresentação estética de Cuomo: na sua postura durante as conferências de
imprensa, as suas declarações dramáticas sobre “assumir a responsabilidade”
(mesmo quando ele obviamente não o tinha feito) e o seu invisível bom aspecto.
O registo de Cuomo era vergonhoso
muito antes do início do coronavírus
O mural de máscaras é mais um golpe publicitário que a imprensa confundiu com um sinal de liderança. Em 29 de Abril, Cuomo destapou uma parede de máscaras de pano feitas à mão enviadas para o seu gabinete por cidadãos preocupados de toda os EUA. Chamou-lhe “um auto-retrato dos EUA. Sabem o que significa? Significa amor”. Como um arranjo de máscaras não forma palavras, o mural na verdade não significa nada, mas é um símbolo perfeito das falhas de liderança de Cuomo. Máscaras de pano feitas à mão não são tão eficazes como as máscaras N95, é evidente, mas se não forem adequadas para os profissionais de saúde ainda seriam perfeitamente apropriados para distribuir aos nova-iorquinos (alguns dos quais foram brutalmente presos por não usarem máscara). Mas Cuomo, em vez de colocar as necessidades dos nova-iorquinos em primeiro lugar, preferiu pregar na parede centenas de máscaras de pano como um monumento a si mesmo.
O mural de máscaras é mais um golpe publicitário que a imprensa confundiu com um sinal de liderança. Em 29 de Abril, Cuomo destapou uma parede de máscaras de pano feitas à mão enviadas para o seu gabinete por cidadãos preocupados de toda os EUA. Chamou-lhe “um auto-retrato dos EUA. Sabem o que significa? Significa amor”. Como um arranjo de máscaras não forma palavras, o mural na verdade não significa nada, mas é um símbolo perfeito das falhas de liderança de Cuomo. Máscaras de pano feitas à mão não são tão eficazes como as máscaras N95, é evidente, mas se não forem adequadas para os profissionais de saúde ainda seriam perfeitamente apropriados para distribuir aos nova-iorquinos (alguns dos quais foram brutalmente presos por não usarem máscara). Mas Cuomo, em vez de colocar as necessidades dos nova-iorquinos em primeiro lugar, preferiu pregar na parede centenas de máscaras de pano como um monumento a si mesmo.
O registo de Cuomo era vergonhoso
muito antes do início do coronavírus. Permitiu que a IDC (Independent
Democratic Conference), um grupo de conservadores democratas legisladores do
estado, em aliança com a minoria republicana, bloqueasse legislação
progressista. (Cuomo nega qualquer papel no IDC, mas isso desafia a
credulidade.) Antes da pandemia, ele pressionou cortes no Medicaid que fecharam
espaço hospitalar necessário em nome da “eficiência”, apesar das advertências
dos profissionais médicos. E em 3 de Abril, quando 3.000 nova-iorquinos estavam
já mortos pelo vírus e hospitais como Elmhurst, em Queens, estavam
sobrecarregados de casos, Cuomo forçou mais cortes no Medicaid, cortando US $
400 milhões nas verbas do hospital.
Enquanto o estado se põe agora
vacilantemente de pé, Cuomo fez uma parceria com a Fundação Bill & Melinda
Gates para “reimaginar a educação” (o que quase certamente significa
privatização), e com o ex-chefe do Google Eric Schmidt para - como Naomi Klein
formula a questão - “integrar de forma permanente a tecnologia em todos os
aspectos da vida cívica”. Tudo isso aconteceu sem a contribuição democrática
dos nova-iorquinos, que provavelmente prefeririam que os legisladores
progressistas que elegeram pudessem governar sem interferência, que os seus
hospitais tenham dinheiro suficiente para funcionar e que os bilionários não se
infiltrassem e controlassem todos os elementos da vida cívica.
Há algo de perturbador em Cuomo
ser aclamado como o herói da pandemia quando deveria ser um dos vilões. Tal
como observa o Business Insider, ele só consegue obter elogios agora pelas suas
acções porque os seus falhanços anteriores tornaram essas acções necessárias.
Ele é elogiado por enfrentar um problema que ele próprio parcialmente causou.
Obviamente, parte disso é porque Donald Trump teve uma resposta ao coronavírus
ainda mais desastrada, de modo que Cuomo - por não ser um palhaço completo –
parece, por contraste, um estadista capaz. Mas este é o problema: há muito que
os democratas avaliam os seus políticos pelo critério de “se são melhores que
os republicanos”. Isto coloca a fasquia a um nível verdadeiramente muito baixo
e significa que os democratas acabam por se contentar com líderes incompetentes
e amorais que traem uma e outra vez os valores progressivos.
Fonte: https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/may/20/andrew-cuomo-new-york-coronavirus-catastrophe
Fonte: https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/may/20/andrew-cuomo-new-york-coronavirus-catastrophe
Publicado em O Diário.info
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