Pedro Ivo Carvalho
| Jornal de Notícias | opinião
O retrato publicado há dias neste
jornal sobre o número de portugueses que dependem do Estado para viver é ao
mesmo tempo assustador e reconfortante. Assustador porque, se a cifra já era
expressiva antes da pandemia (cerca de 5,6 milhões de pessoas), evoluímos
entretanto para patamares invulgares: sete milhões de cidadãos contam agora com
algum apoio público para se manterem à tona. Mesmo considerando que possa haver
duplicação de prestações sociais, falamos de dois terços da população. É
esmagador. Mas estes números acabam também por nos trazer algum conforto, na
medida em que, apesar da nossa pequenez geográfica e fragilidade económica (a
que devemos somar a teia burocrática que agrilhoa tantos serviços públicos),
ainda fomos capazes desta proeza. Na gigante Espanha, estima-se que durante a
pandemia "só" 40% dos cidadãos estejam a ser apoiados.
Ora, escusado será dizer que
nenhum Estado aguenta muito tempo um nível de esforço desta magnitude. Mas,
chegados aqui, também é escusado dizer que esta crise maldita tornou evidente
que não temos grande alternativa ao Estado quando tudo o resto falha. Não
enquanto as famílias não recuperarem rendimentos que lhes permitam escapar à
miséria. Não enquanto a atividade económica e as empresas não começarem a
respirar um pouco melhor.
Sobre isto, vale a pena recordar
o que disse o economista José Reis: "Tudo o que estava protegido pelo
trabalho ficou desprotegido. E o único instrumento que temos hoje é o Estado.
Não são as empresas, nem o capital, nem a Banca, nem os offshores. Andámos anos
a tecer loas ao capitalismo e, afinal, quem não falhou foi o Estado". A
claque dos liberais empedernidos dirá que é para isto que pagamos impostos. A
claque dos socialistas efervescentes rejubilará com a imagem do "sonho
bolivariano" tornado realidade.
A verdade, porém, é bem mais
complexa do que qualquer dicotomia ideológica primária. Nem os recursos
públicos são infinitos, nem a nossa capacidade de pagar impostos é inesgotável.
Portanto, o que quer que seja o Estado depois disto, terá de ter ainda mais em
conta o difícil equilíbrio entre estes fatores. Sairemos mais pobres desta
borrasca e, porquanto, forçados a aprimorar não só os mecanismos de
financiamento dos cofres públicos, como (e mais importante) os critérios que
definirão os destinatários preferenciais do nosso esforço contributivo.
Salvemos vidas e empregos no imediato, mas não nos esqueçamos de que haverá, no
futuro, mais portugueses para salvar. Sobretudo os mais frágeis de entre nós,
para quem o Estado é mesmo a única família.
*Diretor-adjunto
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