Inês Cardoso* | Jornal de Notícias | opinião
Paulo esteve 25 dias isolado com
covid, mas continua a esconder a informação de vizinhos e amigos, depois de ter
sentido reações negativas que o envergonharam. Lorena Viúla colocou o
apartamento que tinha vago junto ao Hospital de Cascais à disposição de profissionais
de saúde, mas o primeiro telefonema que recebeu foi da gestão do condomínio, a
informar que os vizinhos tinham receio de ser infetados e não permitiam. Laura,
funcionária de um lar, foi barrada depois de haver casos positivos na
instituição, porque o marido e a filha não a queriam em casa. O presidente da Liga
dos Chineses de Portugal insurgiu-se contra a xenofobia em relação a esta
comunidade, a ponto de num despacho um juiz fazer referência à covid-19 como
"vírus chinês".
Os casos são todos reais e
descritos na Imprensa. Mostram o clima de discriminação enfrentado por muitas
pessoas devido ao medo causado pelo novo coronavírus. As linhas vermelhas têm
sido tantas vezes pisadas que já motivaram dezenas de intervenções da
Provedoria de Justiça e da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Não se trata sequer de
comportamentos individuais e isolados. Houve autarquias a divulgar nomes e
moradas de doentes. Pelo menos num caso, foi publicada a etnia. No início do
surto em Portugal, uma autarquia suspendeu uma empreitada simplesmente porque vários
trabalhadores eram de Felgueiras, um dos primeiros concelhos afetados.
Há mecanismos biológicos
desencadeados pelo medo e é admissível que, num momento inicial, ele dificulte
a clareza na análise do risco. Mas convivemos com a covid-19 há mais de dois meses
e essa convivência está para durar. Já não há desculpas para reações primárias.
A proposta do Chega em relação aos ciganos é tão discriminatória e absurda que
só poderia merecer o que mereceu: ser arrumada em três tempos com um golo de
trivela. O problema é que, sendo absurda, traduz um racismo latente na
sociedade. E, pior ainda, outras estigmatizações mais subtis, e por isso mais
difíceis de captar e desconstruir.
*Diretora-adjunta
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