São várias e o jurista Agostinho
Kanando cita algumas, mas nenhuma delas pode invalidar o processo contra a
empresária. E a PGR de Angola garante que Isabel dos Santos será ouvida no
processo-crime de que é alvo.
Num comunicado desta quinta-feira
(14.05.), a filha do ex-Presidente de Angola afirma que o processo da
Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola contra ela está assente numa
narrativa falsa. Isabel dos Santos baseia-se principalmente no facto de a PGR
ter usado no processo um passaporte seu falso. A PGR, por seu lado, ainda não
reagiu a acusação. O Estado angolano reclama 5 mil milhões de euros da
empresária que é arguida num processo-crime em Angola por alegada má gestão e
desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol, como
presidente. Os bens da empresária foram arrestados.
Isabel dos Santos terá de
comparecer em Angola para ser ouvida no âmbito do processo-crime de que é alvo,
disse esta quinta-feira (14.05.) a PGR. Ao contrário do que acontece no
processo cível, em que a empresária pode fazer-se representar pelos seus
mandatários, no caso do processo-crime "terá de comparecer para ser
ouvida" e responder às acusações que são feitas, explicou a PGR.
O processo-crime encontra-se
ainda em fase de instrução preparatória, "decorrendo diligências
investigativas", pelo que está em segredo de justiça. Conversamos com
o jurista Agostinho Kanando sobre a reclamação de Isabel dos Santos:
DW África: A ser verdade que o
passaporte de Isabel dos Santos é falso, que peso teria este dado para alterar
o processo da PGR de Angola contra a empresária?
Agostinho Kanando (AK): A
ser verdade, a falsificação do passaporte de Isabel dos Santos traria
algumas consequências no que toca ao processo, nomeadamente na identificação
dos sujeitos, porque quando o sujeito é mal identificado num determinado
processo, praticamente estamos perante um processo quase que inexistente. Agora,
para além do passaporte, existem outros meios para se provar a identidade do
sujeito. Pode-se dar o caso de que haja um bilhete de identidade, uma certidão
ou algum documento qualquer provatório da sua identidade. Mas, ao introduzirem
um passaporte falso, existem outras consequências que poderão advir daí,
nomeadamente, a incriminação do indivíduo ou da entidade que colocou o
passaporte falso com intenção clara de prejudicar a Isabel dos Santos.
Levantamos aqui duas situações: a primeira, independentemente de o passaporte
ser falso ou não, se as informações sobre a condenação dela forem verdadeiras,
o processo pode continuar com algumas operações. A segunda situação, se, por
acaso, houve uma clara intenção de prejudicá-la e algumas informações terem sido
inventadas - daí a introdução no processo de um passaporte falso - então há
necessidade de se condenar ou de vir a levantar um processo crime contra quem
falsificou o passaporte. Não seria só por falsificação, mas também por injúria,
difamação e calúnia, porque sabemos qual é o fim desse passaporte falso ser
verdade.
DW África: A ser verdade que o
passaporte é falso, quais seriam as implicações para a PGR em termos de
credibilidade?
AK: A seriedade em si da
própria PGR cairia por terra. Estaríamos diante de um descrédito total que, nós
os populares, daríamos a PGR, já que como órgão do Ministério Público que tem
por fim zelar pela legalidade democrática, pela ação penal e tantas outras
atribuições. Devia ser o órgão a zelar pela verdade, não apenas nos processos
crimes, mas em qualquer outro tipo de processo. Então, se a PGR deixa passar um
erro desse tipo, a população em geral, vamos olhá-la como sendo um órgão que
apresenta aquela seriedade que se deseja e vamos descredibilizar toda a justiça
em si.
DW África: Isabel dos Santos diz
que as únicas provas verdadeiras sobre os negócios ou investimentos que
estão a ser contestados são as cartas do embaixador de Angola no Japão e
do diretor da secreta angolana. A ser verdade, ela estaria a insinuar a fragilidade
de tais provas?
AK: O processo penal tem uma
caraterística muito forte e que não permite a condenação de uma pessoa por
provas frágeis. Prova essa que em princípio não dariam tanto crédito a sua
acusação. Uma mera carta, em princípio, não prova que alguém fez ou deixa de fazer.
Porque até a carta tem dois sentidos, pode ser aceite ou negada. Quem garante
que aquelas cartas foram negadas pelos respetivos embaixadores? No caso de
não existirem provas suficientes, há mesmo a necessidade de se levantar o
suspeito para o réu, claro está que a introdução de novas provas não está
vedada. Porque o processo pode começar com as primeiras provas que são
levantadas pelas testemunhas ou pelo próprio Ministério público e até pelo
tribunal, mas no decorrer do processo não se impede a urgência ou necessidade
de se colocar novas provas para dar mais suporte aquela condenação ou, por
outro lado, a absolvição.
DW África: Isabel dos Santos diz
que por causa de tudo isso, o processo apresentado contra ela está assente numa
narrativa falsa. Acha que tem motivos suficientes para chegar a essa conclusão?
AK: Em princípio não.
Sabemos todos nós que anteriormente, antes da governação de João Lourenço,
vivíamos num paradigma muito diferente. Em que havia algumas famílias que
faziam e desfaziam e sabemos todos de que famílias se tratam. Apesar dos erros
crassos que a nossa Justiça cometeu contra o processo dela, a afirmar que tudo
isso é uma farsa, em princípio, estaríamos a politizar o mesmo processo, sem
descurar aquilo que são as implicações políticas que este processo poderá
trazer. Quando ela afirma que todo o processo se baseia numa falsidade, podemos
caraterizá-la por inocente totalmente. Se acreditamos nas suas palavras,
estaríamos a dizer que toda a sua riqueza vem de forma lícita. Apesar do
princípio da presunção de inocência, sabemos todos nós que é só uma questão de
provar e as provas serem mais fortes ainda, que poderemos chegar a conclusão
que houve sim alguns crimes. Podem não ser todos aqueles que a PGR levantou.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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