sexta-feira, 15 de maio de 2020

Quais as consequências do uso de documentos falsos no processo contra Isabel dos Santos?


São várias e o jurista Agostinho Kanando cita algumas, mas nenhuma delas pode invalidar o processo contra a empresária. E a PGR de Angola garante que Isabel dos Santos será ouvida no processo-crime de que é alvo.

Num comunicado desta quinta-feira (14.05.), a filha do ex-Presidente de Angola afirma que o processo da Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola contra ela está assente numa narrativa falsa. Isabel dos Santos baseia-se principalmente no facto de a PGR ter usado no processo um passaporte seu falso. A PGR, por seu lado, ainda não reagiu a acusação. O Estado angolano reclama 5 mil milhões de euros da empresária que é arguida num processo-crime em Angola por alegada má gestão e desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol, como presidente. Os bens da empresária foram arrestados.

Isabel dos Santos terá de comparecer em Angola para ser ouvida no âmbito do processo-crime de que é alvo, disse esta quinta-feira (14.05.) a PGR. Ao contrário do que acontece no processo cível, em que a empresária pode fazer-se representar pelos seus mandatários, no caso do processo-crime "terá de comparecer para ser ouvida" e responder às acusações que são feitas, explicou a PGR. 


O processo-crime encontra-se ainda em fase de instrução preparatória, "decorrendo diligências investigativas", pelo que está em segredo de justiça. Conversamos com o jurista Agostinho Kanando sobre a reclamação de Isabel dos Santos:

DW África: A ser verdade que o passaporte de Isabel dos Santos é falso, que peso teria este dado para alterar o processo da PGR de Angola contra a empresária?

Agostinho Kanando (AK): A ser verdade, a falsificação do passaporte de Isabel dos Santos traria algumas consequências no que toca ao processo, nomeadamente na identificação dos sujeitos, porque quando o sujeito é mal identificado num determinado processo, praticamente estamos perante um processo quase que inexistente. Agora, para além do passaporte, existem outros meios para se provar a identidade do sujeito. Pode-se dar o caso de que haja um bilhete de identidade, uma certidão ou algum documento qualquer provatório da sua identidade. Mas, ao introduzirem um passaporte falso, existem outras consequências que poderão advir daí, nomeadamente, a incriminação do indivíduo ou da entidade que colocou o passaporte falso com intenção clara de prejudicar a Isabel dos Santos. Levantamos aqui duas situações: a primeira, independentemente de o passaporte ser falso ou não, se as informações sobre a condenação dela forem verdadeiras, o processo pode continuar com algumas operações. A segunda situação, se, por acaso, houve uma clara intenção de prejudicá-la e algumas informações terem sido inventadas - daí a introdução no processo de um passaporte falso - então há necessidade de se condenar ou de vir a levantar um processo crime contra quem falsificou o passaporte. Não seria só por falsificação, mas também por injúria, difamação e calúnia, porque sabemos qual é o fim desse passaporte falso ser verdade. 

DW África: A ser verdade que o passaporte é falso, quais seriam as implicações para a PGR em termos de credibilidade?

AK: A seriedade em si da própria PGR cairia por terra. Estaríamos diante de um descrédito total que, nós os populares, daríamos a PGR, já que como órgão do Ministério Público que tem por fim zelar pela legalidade democrática, pela ação penal e tantas outras atribuições. Devia ser o órgão a zelar pela verdade, não apenas nos processos crimes, mas em qualquer outro tipo de processo. Então, se a PGR deixa passar um erro desse tipo, a população em geral, vamos olhá-la como sendo um órgão que apresenta aquela seriedade que se deseja e vamos descredibilizar toda a justiça em si.

DW África: Isabel dos Santos diz que as únicas provas verdadeiras sobre os negócios ou investimentos que estão a ser contestados são as cartas do embaixador de Angola no Japão e do diretor da secreta angolana. A ser verdade, ela estaria a insinuar a fragilidade de tais provas?

AK: O processo penal tem uma caraterística muito forte e que não permite a condenação de uma pessoa por provas frágeis. Prova essa que em princípio não dariam tanto crédito a sua acusação. Uma mera carta, em princípio, não prova que alguém fez ou deixa de fazer. Porque até a carta tem dois sentidos, pode ser aceite ou negada. Quem garante que aquelas cartas foram negadas pelos respetivos embaixadores? No caso de não existirem provas suficientes, há mesmo a necessidade de se levantar o suspeito para o réu, claro está que a introdução de novas provas não está vedada. Porque o processo pode começar com as primeiras provas que são levantadas pelas testemunhas ou pelo próprio Ministério público e até pelo tribunal, mas no decorrer do processo não se impede a urgência ou necessidade de se colocar novas provas para dar mais suporte aquela condenação ou, por outro lado, a absolvição.

DW África: Isabel dos Santos diz que por causa de tudo isso, o processo apresentado contra ela está assente numa narrativa falsa. Acha que tem motivos suficientes para chegar a essa conclusão?

AK: Em princípio não. Sabemos todos nós que anteriormente, antes da governação de João Lourenço, vivíamos num paradigma muito diferente. Em que havia algumas famílias que faziam e desfaziam e sabemos todos de que famílias se tratam. Apesar dos erros crassos que a nossa Justiça cometeu contra o processo dela, a afirmar que tudo isso é uma farsa, em princípio, estaríamos a politizar o mesmo processo, sem descurar aquilo que são as implicações políticas que este processo poderá trazer. Quando ela afirma que todo o processo se baseia numa falsidade, podemos caraterizá-la por inocente totalmente. Se acreditamos nas suas palavras, estaríamos a dizer que toda a sua riqueza vem de forma lícita. Apesar do princípio da presunção de inocência, sabemos todos nós que é só uma questão de provar e as provas serem mais fortes ainda, que poderemos chegar a conclusão que houve sim alguns crimes. Podem não ser todos aqueles que a PGR levantou. 

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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