segunda-feira, 1 de junho de 2020

Estudante chinesa relata como viveu a evolução da epidemia em Portugal


Zhan Luoheng*

Tal como todos aqueles que se encontram fora do país e se preocupam com os seus familiares, enquanto estudante chinesa em Portugal, posso dizer que enfrentei “duas epidemias”. Inicialmente seguia de perto a evolução da situação na China e, mais tarde, passei a participar no combate como membro da sociedade portuguesa. Experienciei duas formas de conter a propagação do vírus, mas a mesma preocupação do governo pelos seus cidadãos e a mesma exteriorização de afeto e solidariedade entre as pessoas.

Os portugueses têm um forte caráter individual, mas tal não impede que demonstrem uma notável consciência coletiva perante uma situação de crise. Eu, enquanto participante “especial” desta batalha, considero que Portugal deveria ser considerado um caso à parte na Europa, pois os esforços e sacrifícios do seu povo são merecedores do nosso aplauso.
No dia 2 de março, Portugal confirmou o primeiro caso do novo coronavírus. No início, o vírus não foi motivo de grande preocupação entre os portugueses. Pelo contrário, para os chineses residentes em Portugal, era motivo de alarme. Eu própria fui alvo de condescendência entre os meus amigos portugueses, que diziam que estava a ser “exagerada” e “demasiado preocupada”.

Sempre que perguntavamos se já tinham comprado máscaras, desinfetantes e outros produtos de higienização, parecia que combinavam entre eles a mesma resposta: “Não te preocupes, relaxa”. Aos olhos deles, esta seria mais uma vez em que Portugal seria aquele país pelo qual uma crise passaria ao lado.

No entanto, foram precisos apenas 11 dias para que um fenómeno externo passasse a envolver toda a população. Em comparação com os restantes países da Europa, o desempenho português é particularmente notável. No dia 13 de março, recebi uma mensagem do meu senhorio português avisando que o país iria em breve implementar uma política de confinamento domiciliar. Nesse dia, fosse nos correios, no talho, no supermercado, ou em qualquer outro espaço público, as pessoas mantinham já conscienciosamente um metro de distanciamento social nas filas de espera para entrar e sair das superfícies. Esta conduta deixou os chineses em Portugal e a sociedade como um todo mais descansados.

Diferentemente da China, Portugal avançou com a sua própria estratégia, talhada para as características e condições locais. Por exemplo, aos doentes com sintomas leves foi-lhes recomendado que permanecessem em casa. Durante o período em que o confinamento esteve em vigor em todo o país, o governo português não impôs limitações severas às liberdades individuais e manteve a confidencialidade da localização dos casos confirmados.

A opacidade da informação de cada paciente e a relativa tolerância das deslocações, embora tenham preservado a privacidade e as liberdades individuais, fez com que muitas outras pessoas tenham ficado preocupadas. No entanto, vale a pena sublinhar que cada medida tomada pelo governo português foi ponderada com base nas circunstâncias económicas, médicas e sociais do país, tendo sido repetidamente equacionadas variáveis individuais e coletivas, regionais e étnicas.

O país não perdeu tempo a criar medidas para assegurar o “futuro da pátria”: rapidamente foi implementado o “Estudo em Casa”, garantindo os meios necessários para os estudantes do ensino primário e básico assistirem às aulas em casa, todos os dias úteis, das 9h às 17h. Para os grupos mais desfavorecidos, foram criadas leis de isenção temporária do pagamento de rendas. Os mais jovens uniram-se espontaneamente para apoiar os mais velhos, oferecendo-se para levar as compras a sua casa e garantir vários apoios necessários no seu dia-a-dia. Para agradecer aos profissionais de saúde, a população chegou a acorrer às varandas das suas casas, pelas 20h, para bater palmas. Pode dizer-se que foi um período com alguns “traços ocidentais”: uso de máscara sem cobrir o nariz; saídas à rua sem máscara; desinfeção do tapete depois de voltar a casa; idas do presidente da República em calções ao supermercado; patrulhas de carros da polícia com slogans apregoados via megafone durante o confinamento; dificuldades em resistir aos encantos dos dias de sol e a criação de regulamentos de distanciamento nas praias proibindo “aglomerados de mais de 10 pessoas”, já depois do pico da epidemia ter passado. Todas estas situações despertam uma certa ternura no coração e fazem com que goste ainda mais deste país.

Durante este período em que enfrentamos a epidemia, eu, tal como os outros chineses em Portugal, encaramos a situação mais alerta. Fomos rotulados de “forasteiros” e fomos parte de um dos grupos mais afetados pelo preconceito. Há alguns dias, um jornal português publicou um artigo da minha autoria, no qual critiquei a questão da descriminação. Muitos dos comentários das pessoas foram negativos. É também devido a estas vozes que aprendi a valorizar ainda mais as boas ações. Ainda me lembro quando o surto começou a espalhar-se pelo mundo - e com ele a descriminação contra os chineses - em que tinha receio de entrar nas carruagens do metro, repletas de rostos estrangeiros, e uma rapariga portuguesa da minha idade sorriu na minha direção e acenou para eu entrar. Recordo-me também de cada gesto e demonstração de afeto dos meus amigos estrangeiros durante este período.

Bem sei que esta luta em Portugal não foi fácil e agradeço todos estes momentos calorosos. Portugal é um país multiétnico e, como tal, não é tarefa simples a coordenação das diferenças de todas as suas gentes. Seja a nível governamental ou da sociedade civil, Portugal moveu os esforços necessários para controlar a epidemia nos últimos três meses.
Neste momento, a sociedade portuguesa regressa gradualmente ao trabalho. Embora as pessoas de máscara nas ruas nos lembrem que ainda é preciso estar alerta, tudo parece ter regressado à normalidade.

*Portuguese People Online | Fonte: Diário do Povo | Imagem: Ronnie

*Tradução por Mauro Marques

*A autora é estudante da Universidade de Línguas Estrangeiras de Shanghai e encontra-se a realizar um programa de mobilidade na Universidade Nova de Lisboa

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