Zhan Luoheng*
Tal como todos aqueles que se
encontram fora do país e se preocupam com os seus familiares, enquanto
estudante chinesa em Portugal, posso dizer que enfrentei “duas epidemias”.
Inicialmente seguia de perto a evolução da situação na China e, mais tarde, passei
a participar no combate como membro da sociedade portuguesa. Experienciei duas
formas de conter a propagação do vírus, mas a mesma preocupação do governo
pelos seus cidadãos e a mesma exteriorização de afeto e solidariedade entre as
pessoas.
Os portugueses têm um forte
caráter individual, mas tal não impede que demonstrem uma notável consciência
coletiva perante uma situação de crise. Eu, enquanto participante “especial”
desta batalha, considero que Portugal deveria ser considerado um caso à parte
na Europa, pois os esforços e sacrifícios do seu povo são merecedores do nosso
aplauso.
No dia 2 de março, Portugal
confirmou o primeiro caso do novo coronavírus. No início, o vírus não foi
motivo de grande preocupação entre os portugueses. Pelo contrário, para os
chineses residentes em Portugal, era motivo de alarme. Eu própria fui alvo de condescendência
entre os meus amigos portugueses, que diziam que estava a ser “exagerada” e
“demasiado preocupada”.
Sempre que perguntavamos se já
tinham comprado máscaras, desinfetantes e outros produtos de higienização,
parecia que combinavam entre eles a mesma resposta: “Não te preocupes, relaxa”.
Aos olhos deles, esta seria mais uma vez em que Portugal seria
aquele país pelo qual uma crise passaria ao lado.
No entanto, foram precisos apenas
11 dias para que um fenómeno externo passasse a envolver toda a população. Em
comparação com os restantes países da Europa, o desempenho português é
particularmente notável. No dia 13 de março, recebi uma mensagem do meu
senhorio português avisando que o país iria em breve implementar uma política
de confinamento domiciliar. Nesse dia, fosse nos correios, no talho, no
supermercado, ou em qualquer outro espaço público, as pessoas mantinham já
conscienciosamente um metro de distanciamento social nas filas de espera para
entrar e sair das superfícies. Esta conduta deixou os chineses em Portugal e a
sociedade como um todo mais descansados.
Diferentemente da China, Portugal
avançou com a sua própria estratégia, talhada para as características e
condições locais. Por exemplo, aos doentes com sintomas leves foi-lhes
recomendado que permanecessem em casa. Durante o período em que o confinamento esteve
em vigor em todo o país, o governo português não impôs limitações severas às
liberdades individuais e manteve a confidencialidade da localização dos casos
confirmados.
A opacidade da informação de cada
paciente e a relativa tolerância das deslocações, embora tenham preservado a
privacidade e as liberdades individuais, fez com que muitas outras pessoas
tenham ficado preocupadas. No entanto, vale a pena sublinhar que cada medida
tomada pelo governo português foi ponderada com base nas circunstâncias económicas,
médicas e sociais do país, tendo sido repetidamente equacionadas variáveis
individuais e coletivas, regionais e étnicas.
O país não perdeu tempo a criar
medidas para assegurar o “futuro da pátria”: rapidamente foi implementado o
“Estudo em Casa”, garantindo os meios necessários para os estudantes do ensino
primário e básico assistirem às aulas em casa, todos os dias úteis, das 9h às
17h. Para os grupos mais desfavorecidos, foram criadas leis de isenção
temporária do pagamento de rendas. Os mais jovens uniram-se espontaneamente
para apoiar os mais velhos, oferecendo-se para levar as compras a sua casa e
garantir vários apoios necessários no seu dia-a-dia. Para agradecer aos
profissionais de saúde, a população chegou a acorrer às varandas das suas casas,
pelas 20h, para bater palmas. Pode dizer-se que foi um período com alguns
“traços ocidentais”: uso de máscara sem cobrir o nariz; saídas à rua sem
máscara; desinfeção do tapete depois de voltar a casa; idas do presidente da
República em calções ao supermercado; patrulhas de carros da polícia com
slogans apregoados via megafone durante o confinamento; dificuldades em
resistir aos encantos dos dias de sol e a criação de regulamentos de
distanciamento nas praias proibindo “aglomerados de mais de 10 pessoas”, já
depois do pico da epidemia ter passado. Todas estas situações despertam uma
certa ternura no coração e fazem com que goste ainda mais deste país.
Durante este período em que
enfrentamos a epidemia, eu, tal como os outros chineses em Portugal, encaramos
a situação mais alerta. Fomos rotulados de “forasteiros” e fomos parte de um
dos grupos mais afetados pelo preconceito. Há alguns dias, um jornal português
publicou um artigo da minha autoria, no qual critiquei a questão da
descriminação. Muitos dos comentários das pessoas foram negativos. É também
devido a estas vozes que aprendi a valorizar ainda mais as boas ações. Ainda me
lembro quando o surto começou a espalhar-se pelo mundo - e com ele a
descriminação contra os chineses - em que tinha receio de entrar nas carruagens
do metro, repletas de rostos estrangeiros, e uma rapariga portuguesa da minha
idade sorriu na minha direção e acenou para eu entrar. Recordo-me também de
cada gesto e demonstração de afeto dos meus amigos estrangeiros durante este
período.
Bem sei que esta luta em Portugal
não foi fácil e agradeço todos estes momentos calorosos. Portugal é um país
multiétnico e, como tal, não é tarefa simples a coordenação das diferenças de
todas as suas gentes. Seja a nível governamental ou da sociedade civil,
Portugal moveu os esforços necessários para controlar a epidemia nos últimos
três meses.
Neste momento, a sociedade
portuguesa regressa gradualmente ao trabalho. Embora as pessoas de máscara nas
ruas nos lembrem que ainda é preciso estar alerta, tudo parece ter regressado à
normalidade.
*Portuguese People Online | Fonte:
Diário do Povo | Imagem: Ronnie
*Tradução por Mauro Marques
*A autora é estudante da
Universidade de Línguas Estrangeiras de Shanghai e encontra-se a realizar um
programa de mobilidade na Universidade Nova de Lisboa
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