A
todos os que acreditam no discurso fofinho que diz que a experiência de manter
os filhos em casa durante quatro meses com aulas através de um computador
portátil tem sido enriquecedora, porque confrontou os pais e os docentes com
novas exigências, tenho a comunicar o seguinte: acordem desse sonho pateta.
Pedro Ivo Carvalho
| Jornal de Notícias | opinião
Porque
aquilo que encarregados de educação, alunos e professores têm vivenciado desde
que a pandemia os afastou do ensino presencial assemelha-se mais a um inferno
laranja do que a um céu azul-celeste. Não quero ser tremendista, mas nunca como
agora reconhecemos tanta importância aos educadores dos nossos filhos e ao
contributo da escola para garantir o equilíbrio emocional dos estudantes e a
harmonia das famílias. Bem hajam.
Mas
o quadro que se nos apresenta é assustador: termos crianças arredadas, de março
a setembro, das rotinas escolares, da aprendizagem, do convívio com colegas e
professores, pode ter um efeito devastador sobretudo junto dos mais frágeis,
que não beneficiam do fácil acesso às tecnologias, que estão privados de uma
boa retaguarda familiar e cujo modesto poder aquisitivo dos pais não lhes
permite estar em casa indefinidamente em teletrabalho a ligar e a desligar o
"Teams". A isto, acresce o facto de, com o desconfinamento e a
reabertura económica, tudo ter avançado menos a escola. Em certo sentido, os
alunos ficaram esquecidos numa redoma.
O
Ministério da Educação confirmou finalmente que, em setembro, todas as aulas
serão presenciais (veremos), mas há ainda um mundo de incertezas até ao fim do
verão. O enorme intervalo de tempo sem aulas justificaria que se implementassem
medidas mitigadoras, como defende, por exemplo, a Unicef. Uma delas poderia
passar por um regresso antecipado, de uma ou duas semanas, que ajudasse não
apenas a sarar as feridas do agora, mas fundamentalmente que lançasse bases
para o próximo ano letivo, não castigando ainda mais aquilo que se antevê vá
ser um arranque de loucos. Sem aulas, sem professores e sem ajuda, houve muitos
alunos que ficaram para trás. Nisso, a escola não cumpriu a sua vocação
primordial: em vez de criar pontes educativas, ergueu muros de silêncio.
*Subdiretor
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