domingo, 12 de julho de 2020

"A ciência fez uma viragem para o obscurantismo" -- Richard Horton


MPR

Há alguns anos o doutor Richard Horton, editor chefe de revista de medicina The Lancet, cometeu um verdadeiro sacrilégio ao pôr em dúvida a validade de uma boa parte das investigações científicas. Escreveu isso na sua própria revista [1] , mas por razões óbvias este tipo de publicação passa desapercebida porque a medicina continua a arrastar a sua origem sagrada.

Os ignaros não apreciarão as palavras de Horton:

"Grande parte da literatura científica, talvez a metade, simplesmente é falsificada. Está podre pela natureza estreita das amostras estudadas, pelos efeitos observados virtualmente imperceptíveis, pelas análises exploratórias e protocolos experimentais inúteis e pelos conflitos de interesses flagrantes, que se somam à obsessão por seguir as tendências duvidosas que estejam na moda naquele momento. A ciência fez uma viragem rumo à obscuridade".

Não seria possível resumir melhor o estado ruinoso da ciência actual em especializações muito diversas, tanto mais ruinoso quanto mais mediático for.

É preciso agradecer a Horton não abrir excepções, nem sequer consigo próprio, com os editores das revista científicas:

"Nós ajudamos e instigamos os piores comportamentos. Nossa aceitação do factor de impacto alimenta uma competição malsã para ganhar um lugar numas poucas revistas. Nosso amor pelos 'significados' contamina a literatura com muitos contos de fadas estatísticos ".

Um dado significativo é que as diferentes formas de corrupção ou fraude científica são mais frequentes nas revistas qualificadas como "mais prestigiosas" ou de maior impacto.

As revistas médicas são controladas pelos grupos de pressão farmacêuticos. Os estudos que se apresentam para publicação já não têm nem sequer a aparência de trabalhos científicos. Em primeira leitura é evidente que seus autores conseguiram obter resultados coerentes com uma hipótese ditada pelas empresas que os financiam.

Uma das muitas taras das publicações científicas é a revisão pelos pares (peer review), que está ao serviço dos grupos de pressão que, na investigação médica, são compostos pelas grandes empresas farmacêuticas.

É o servilismo do dinheiro, do qual a investigação científica e médica não está isento, que criou uma situação que Horton qualifica de "alarmante". Dela não escapam nem os cientistas, nem as publicações, nem as universidades, nem os laboratórios, nem os centros de investigação. O capitalismo está apodrecendo absolutamente tudo.

28/Maio/2020

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