#Escrito e publicado em português
do Brasil
Pilhadas
em crimes, reagem aos pulinhos, xingando e vociferando: “te pego na saída!”
Oferecem patrimônio público como num Banco Imobiliário. Deixam sangue nas
quebradas. Contra sua pulsão furiosa, é preciso reconquistar as maiorias
Carlos Ziller Camenietzki |
Outras Palavras | Imagem: Orodè Deoro
Quem
viveu os anos finais da ditadura de 1964 não pode deixar de constatar que os
mais duros golpes infringidos aos governantes de então foram efetuados por
bandeiras propositivas. Queríamos Anistia, queríamos uma Assembleia
Constituinte, queríamos eleições diretas para Presidente, governadores e
prefeitos das capitais, queríamos ainda liberdade de organização política, fim
da censura… Enganaram-se na estratégia os que corajosamente gritavam “abaixo a
ditadura” pelas ruas. A ditadura efetivamente veio abaixo depois que se
conseguiu encontrar proposições substantivas impossíveis de serem contornadas e
que demandavam respostas claras. Aquilo que iniciou o período agudo de
decadência dos governos militares foi a ampla campanha pela Anistia e o que o
encerrou foram as grandes manifestações em todo o país pelas eleições diretas.
É claro que o ressurgimento da luta política estudantil, primeiro, e sobretudo
da luta sindical no final dos anos setenta teve um papel decisivo, como também
foi importante o progressivo isolamento internacional do Brasil. Mas a recessão
econômica do governo Figueiredo foi determinante com seus mórbidos espetáculos,
gente abatida pela fome, multidões dormindo nas ruas…
“Abaixo
a ditadura” era um grito que bem mostrava uma fúria dos que já não mais
suportavam os desmandos do governo àqueles que ainda não percebiam claramente a
origem política de muitos de seus males. Mas esse brado podia convencer apenas
limitadamente quem ainda não identificava o regime como um obstáculo.
Hoje,
gritar “fora Bolsonaro” mais nos aproxima de um quadro de há dois anos que de
um destino do mandato presidencial. Aos olhos de quem nos vê berrando isso,
somos os inconformados com o resultado do pleito de 2018, somos aqueles que não
aceitaram uma maioria claramente configurada. Isso anima o vigor dos inimigos
da democracia, dos inimigos da “esquerda”, daqueles que conseguiram a golpes de
mentiras, e de facadas misteriosas, um resultado eleitoral convincente. E o que
é pior, nos lança ao passado, a um quadro político em que perdemos!
O
problema que vivemos hoje é muito mais grave que um deslize eleitoral das
forças políticas que disputaram as eleições de 2018. Trata-se daquilo que levou
dezenas de milhões de pessoas a escolher Bolsonaro para ocupar a presidência do
país. Seria grande menosprezo à democracia e às escolhas da população crer que
apenas táticas circunstanciais de campanha poderiam levar à presidência um
personagem infantil, cômico e espalhafatoso.
Maior
testemunho da clara infantilidade de seus seguidores e dele mesmo é a reação
aos inquéritos sobre as “fake news”. Responde o presidente da República, e os
seus, como crianças embirradas acusando o pai de tirania, “argumentando”
liberdade de expressão, como se mentir fosse algo moralmente aceitável que não
merecesse correção imediata! Correm pelos escombros da Esplanada dos
Ministérios aos pulinhos, xingando e acreditando poder “trocar socos” com um
ministro do Supremo! O presidente afirma a olhos vistos que ele é a
Constituição, como se fosse Luís XIV, que “quem manda aqui sou eu”, que
“acabou, porra”, como dizia o fortão do bairro na infância de quase todos nós.
Suas
patotas mostram descompostura ao tratar de temas relevantes da República. Até
mesmo os “quadros” mais importantes do governo se comportam como crianças
falando livremente de vender patrimônio público como se estivessem em um jogo
de tabuleiro, um “Banco Imobiliário”, com dados rolando sobre a mesa e
definindo as vitórias e as derrotas da partida. Gente que altera o próprio
currículo para mascarar suas incapacidades, que busca enganar a todos nós com
mentiras altissonantes sobre sua própria formação! Indicados para funções
centrais da República apresentam-se em encenações de filmes antigos e em
representações de dirigentes nazistas, como meninos em exercício teatral de
escola, falam de suas experiências pessoais como sofridos exemplos de
autocomiseração! Há ainda aquele que brinca de War, como se a diplomacia
brasileira pudesse ser dirigida a um “inimigo” que só ele vê, como se uma
declaração do chanceler do Brasil não tivesse valor aos olhos do mundo real,
como se ele pudesse ofender embaixadores estrangeiros, e nações inteiras, apoiado
apenas em seus pinos de plástico. Quando algum indicado escapa a essa
pantomima, buscando resolver as premências da vida brasileira, logo é excluído
como aquele que não entendeu o sentido da brincadeira, ou mesmo retira-se sem
graça e um tanto surpreso com os procedimentos pueris em voga no Executivo. O
mais comum é o abandono por insatisfação mútua. Um ministro que se afasta
avisando que dispõe de segredos inimagináveis gravados fora do país, outro que
se retira e inicia uma querela sobre indicação de apaniguados, outro ainda
berra, na América do Norte, que vai derrubar todo o governo se sua vontade não
for saciada.
Há
ainda, aqueles que pensam estar em jogos mais modernos, em videogames,
combatendo com seus instrumentos de morte os monstros virtuais, os terroristas
e os criminosos indeterminados que só existem em seus consoles. Esses
certamente são bem mais perigosos, dado o rastro de sangue que deixam pelas
vielas dos bairros onde mora a gente pobre do Brasil. Violentos e infantis,
infiltram-se nas forças policiais e ganham legitimação para fuzilar jovens e
crianças a esmo, como executores cruéis de penas inexistentes no aparato legal
do país.
A
esta altura, o Brasil não pode mais se iludir com “golpes dentro de golpes”,
com “contra-golpes de soldados” etc. Essas são mais tantas fantasias de um
governo de crianças já um pouco idosas. O regredido general de pijama que
ameaça o STF e o Congresso Nacional, como o carudo deputado bolsonarista,
comporta-se como o pré-adolescente contrariado diante de uma frustração: “vou
te pegar lá fora”. Os demais meninos velhos que o seguem, assinam notas e
declarações em apoio à bravata do chefe da turma do bairro.
O
que temos é um bando de crianças mimadas, autossuficientes e temerosas de suas
sombras, a governar mais de duzentos milhões de pessoas!
A
solução para esse inusitado problema poderia tomar como base a educação
infantil de outras épocas: discreta repreensão privada, admoestação pública,
castigo de isolamento, contenção física, palmadas, beliscões e puxões de orelha,
caso nada mais funcionar. Os adultos dos demais poderes da República, o
Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, já se serviram das
recomendações privadas e dos corretivos públicos. Nada parece deter os
pré-adolescentes na sua criativa invenção de inimigos tão imaginários quanto
furiosos e no seu combate infantil pela autoafirmação. Mesmo com inúmeras
chamadas públicas ao bom senso, essa patota não deu sinais de aceitar os modos
republicanos e democráticos de governo, continua ameaçando de ruidosas
calamidades caso suas vontades não se realizem. A tudo permanecer como está,
sem que o senso adulto tome conta da política brasileira, toda a capacidade de
gestão do Estado brasileiro vai ficar comprometida.
Os
primeiros sinais de que as técnicas pedagógicas descritas acima podem dar
resultados já foram mostrados nos meses passados com uma retroescavadeira, com
uma pulsão indignada de uma ciclista, com a reação de um grupo de pessoas
saturadas com a violência pueril dos bolsonaristas e finalmente com atos de
torcedores de equipes de futebol. Ademais, um processo no STF, algumas votações
no Congresso Nacional já mostram que a disposição das instituições da
democracia brasileira não é aquela de se vergar ainda mais à patota das
crianças agressivas. A recente contenção dos bobos, exercida pela hierarquia
das Forças Armadas, já colocou a caterva em castigo de isolamento.
No
entanto, as ações dos adultos de Brasília, de direita, de centro e de esquerda,
será mais eficiente se acompanhadas de reações dos brasileiros em enfrentamento
da conduta infantil que tomou conta de muitos de nós.
Na
realidade, a indignação que emergiu no país em 2013 acabou se resolvendo em uma
pulsão descontrolada e amplamente divergente dos governantes de então. Ela
abateu-se sobre todos, em ritmos diferentes no conjunto do país. O mal estar
traduziu-se em uma profunda desconfiança e rejeição à autoridade, ou melhor, à
ideia de autoridade pública: suspeita-se de qualquer ação administrativa
ordinária de qualquer governo; questiona-se de forma pueril o conhecimento
produzido por gente que passou anos e anos estudando o mundo; refutam-se os
maiores sucessos da humanidade em matéria sanitária: vacinas, medicamentos etc;
enfrenta-se a fiscalização sanitária com a simples afirmação do pagamento dos
impostos. Poderíamos refletir longamente sobre esse problema e sobre suas
causas acumuladas ao longo das décadas. No entanto, a premência do momento
impõe o tratamento dessa desconfiança infantil mais ou menos generalizada como
um fato.
Se
a racionalidade vence a insensatez, se as crianças amadurecerão um dia, sempre
cabe o bom argumento contra a autossuficiência pueril. Se a pulsão furiosa vem
sempre contra a autoridade adulta, o bom argumento deve fugir da simples e
direta afirmação de competência e concentrar-se na matéria substantiva. Para
todos nós, gente de bom senso, gente que deseja vida digna e livre numa
sociedade democrática e economicamente equilibrada impõe-se o enfrentamento
sereno dessa fúria na mesma estratégia aplicada aos pueris distúrbios do
Executivo: repreensão privada com argumentos substantivos e não com aqueles
baseados na autoridade; admoestação pública com os mesmos argumentos; castigo
de isolamento social; contenção física, se necessário, e braço forte se não
houver outra solução.
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