#Escrito e publicado em português do Brasil
O
Museu Americano de História Natural da Cidade de Nova York anunciou
no domingo, dia 21, que removerá a famosa estátua do presidente Theodore
Roosevelt que adorna sua entrada principal.
O
presidente do museu enfatizou que a decisão foi tomada com base na “composição
hierárquica” do monumento – o ex-presidente está a cavalo, ladeado por um homem
africano e um indígena americano, ambos a pé – e não pelo simples fato de
retratar Roosevelt. O museu, que o pai de Roosevelt ajudou a fundar, manterá o
nome do Memorial Theodore Roosevelt, da Rotunda Theodore Roosevelt e do Parque
Theodore Roosevelt.
Isso
faz pensar que os americanos ainda não encararam o lado terrivelmente sombrio
da história de Roosevelt.
Roosevelt
nasceu em 1858 em uma família abastada da cidade de Nova York. Seu pai morreu
enquanto Roosevelt frequentava a universidade de Harvard, e deixou para ele uma herança que
hoje equivaleria a cerca de 33 milhões de dólares. Ainda antes dos trinta anos,
Roosevelt investiu uma parte significativa de seu dinheiro em criação de gado
no Oeste. Isso fez com que ele passasse bastante tempo nas regiões de Montana e
Dakota do Sul e do Norte, poucos anos antes de se tornarem estados, em 1889.
Durante
esse período, Roosevelt desenvolveu uma postura em relação aos indígenas
americanos que certamente pode ser descrita como genocida. Em um discurso
proferido em Nova York
em 1886, ele declarou:
“Não
chego a pensar que o índio bom é o índio morto, mas vale para nove entre dez
deles, e eu prefiro não olhar de perto o caso do décimo. O caubói mais
depravado tem mais princípios morais que o índio médio. Pegue trezentas
famílias de classe baixa de Nova York e Nova Jersey e as sustente, por 50 anos,
em ócio imoral, e você terá alguma ideia do que são os índios. Imprudentes,
vingativos, diabolicamente cruéis.”
Naquele
mesmo ano, Roosevelt publicou um livro onde escreveu que
“o assim chamado Massacre de Chivington ou Sandy Creek, a despeito de alguns
detalhes discutíveis, foi no todo um dos feitos mais justos e benéficos que já
se praticou na fronteira”.
O
massacre de Sand Creek [“riacho de areia”, em inlgês] acontecera 22 anos antes
no Território do Colorado, dizimando um vilarejo com mais de 100 pessoas dos
povos Cheyenne e Arapaho. Foi comparável, em todos os aspectos, ao massacre de
My Lai durante a Guerra do Vietnã. Nelson A. Miles, um oficial que veio a se
tornar o mais alto general do Exército, escreveu
em suas memórias que fora “talvez o mais vil e mais injustificável
crime nos anais da América”.
O
ataque foi comandado pelo coronel John Chivington, conhecido pela infame
declaração: “Eu vim matar índios. (…) Matar e escalpelar todos, grandes e
pequenos; afinal, larvas viram piolhos.” Soldados posteriormente relataram que,
depois de matar homens, mulheres e crianças, mutilaram seus corpos para retirar
troféus. Um tenente assim declarou em
um inquérito parlamentar: “soube que as partes íntimas de Antílope Branco
tinham sido cortadas para fazer um saco de tabaco”.
Em
outro livro, “A conquista do Oeste”, Roosevelt explicava que
as ações dos EUA contra os indígenas americanos eram parte de uma ampla e nobre
empreitada do colonialismo europeu:
“Todos
os homens de pensamento sadio e íntegro devem afastar com impaciente desprezo a
pretensão de que esses continentes sejam reservados para o uso de esparsas
tribos selvagens. (…) Felizmente, os homens brutos, enérgicos e práticos que
fazem o duro trabalho pioneiro da civilização em terras bárbaras não estão
inclinados ao sentimentalismo falso. As pessoas que estão, são esses sedentários
egoístas e indolentes, a quem falta imaginação para entender a importância
racial do trabalho feito pela irmandade dos pioneiros em terras selvagens e
distantes. (…)
A
guerra mais justificada de todas, em última instância, é uma guerra contra os
selvagens. (…) Americanos e índios, bôeres e zulus, cossacos e tártaros,
neozelandeses e maori – em cada um desses casos, o vencedor, embora possa ter
praticado atos terríveis, lançou alicerces profundos para a grandeza futura de
um povo poderoso.”
Não
há exagero em chamar esse discurso de hitleriano. E embora não seja muito
popular dizer isto, o nazismo não era apenas retoricamente semelhante ao
colonialismo europeu, era uma consequência dele e sua
culminância lógica.
Em
um discurso proferido em 1928, Adolf Hitler já falava
com admiração sobre como os americanos “reduziram, a tiros, os milhões
de peles-vermelhas a apenas algumas centenas de milhares, e mantêm agora o
diminuto restante sob observação em uma jaula”. Em 1941, Hitler contou
a pessoas próximas seus planos de “europeizar” a Rússia. Não seriam
apenas os alemães a fazê-lo, disse ele, mas também os escandinavos e os
americanos, “todos aqueles que têm um sentimento pela Europa”. A coisa mais
importante era “olhar para os nativos como os peles-vermelhas”.
Cabe
a nós definir o que isso representa para as inúmeras celebrações de Roosevelt
nos EUA. Mas se seguirmos com honestidade, enfrentaremos um acerto de contas
com algo ainda mais monumental que a história do país.
Jon Schwarz |
The Intercept Brasil | Imagem: Timothy A. Clary/ AFP/ Getty Images | Tradução:
Deborah Leão
Sem comentários:
Enviar um comentário