Nuno Nabian, chefe do governo golpista da Guiné-Bissau desde fevereiro de 2020 |
Ruth Monteiro: "Quem assumiu
o poder na Guiné-Bissau está estreitamente ligado ao tráfico de droga"
Após EUA criticarem demissão da
equipa de combate ao narcotráfico na Guiné-Bissau, ex-ministra da Justiça Ruth
Monteiro acusa Governo guineense de colaboração com traficantes: “São
rececionados por forças de segurança".
A ex-ministra da Justiça e
Direitos Humanos da Guiné-Bissau, Ruth Monteiro, acha que a sua demissão do
cargo em fevereiro está relacionada à estratégia de combate ao narcotráfico que
ela e sua equipa implementaram no país. Em entrevista exclusiva à DW África,
Monteiro não mede palavras ao acusar o atual Governo de colaboração com
traficantes.
Nesta
terça-feira (21.07), o Governo dos Estados Unidos mostrou-se preocupado com o
afastamento dos responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas na Guiné-Bissau. Segundo
a adjunta do secretário de Estado para o Gabinete para Narcóticos
Internacionais, Heather Merritt, os resultados estavam a ser
"extraordinários".
Merrit disse que o Governo
norte-americano "está preocupado com o tipo de Governo que está a ter [a
Guiné-Bissau] e com o esforço que ele está a fazer ou não para prevenir o
tráfico de droga".
Ruth Monteiro, ex-ministra perseguida |
Ruth
Monteiro foi demitida a 27 de fevereiro deste ano e refugiou-se na Embaixada de
Portugal em Bissau no início de abril. Na ocasião, integrantes do
Governo do ex-primeiro-ministro Aristides
Gomes denunciavam perseguição política. Após passar semanas na
embaixada, Monteiro viajou para Lisboa no dia 28 de abril.
DW África: Como comenta a notícia
de que os Estados Unidos se mostraram preocupados com um suposto "défice
democrático" na Guiné-Bissau, falando de ataques à liberdade de expressão
e até de retrocessos no combate ao narcotráfico?
Ruth Monteiro (RM): Penso que
Washington tem razão. Penso que a comunidade internacional deve ter uma
especial atenção ao que se vive na Guiné-Bissau. De fato nós temos um défice de
democracia, temos um défice de liberdade. Eu saí da Guiné numa situação
praticamente de fuga, porque temia pela minha integridade física. Estive
escondida durante dois meses. O primeiro-ministro legítimo da Guiné-Bissau
encontra-se refugiado há quatro meses. Tudo isto tem a ver com a falta de
segurança no país. Ele [o Presidente] disse claramente que está a iniciar o
trabalho no país, uma empresa para poder monitorar as comunicações telefónicas
dos guineenses ou de quem quer que ouse falar mal do regime.
Embaló, militar, presidente golpista da Guiné-Bissau desde fevereiro 2020 |
DW África: Entretanto o programa
de Governo de Nuno Nabiam foi aprovado na Assembleia Nacional Popular, certo?
RM: Existe no Supremo
Tribunal de Justiça uma previdência cautelar com vista a declarar a suspensão
desses atos administrativo, porque o Partido Africano da Independência da Guiné
e Cabo Verde (PAIGC) tem a maioria no parlamento. (...) Temos membros do governo
que são demitidos por Umaro Sissoco Embaló à noite para de manhã
apresentarem-se como deputados e à tarde voltarem a ser ministros...
DW África: Acha que a sua
demissão tem a ver com o seu trabalho no combate ao tráfico de drogas na
Guiné-Bissau?
RM: O que me parece é que o
Governo, e quem assumiu o poder na Guiné-Bissau, está estreitamente ligado ao
tráfico de droga. É daí que um Governo liderado por Aristides Gomes – que
combateu o tráfico de drogas e deu um rude golpe aos traficantes - é combatido
por estes novos governantes. Sissoco declarou há dias que já não há tráfico de
droga na Guiné. Em tom de ironia eu diria que os traficantes de droga agora
fugiram todos, porque não gostam dele... Durante o governo de Aristides
Gomes, quando eu era ministra da justiça, houve resultados no combate ao
tráfico. Agora não há resultados. Há carregamentos de droga no sul do país. Os
traficantes são rececionados por forças de segurança e por militares. Temos o
Ministério Público apoiando e protegendo os traficantes de droga. Houve um caso
de apreensão de cocaína no aeroporto e a Polícia Judiciária foi obrigada a
devolver tanto a droga como a pessoa que tinha a droga em seu poder às forças
do Ministério do Interior que estavam no aeroporto.
DW África: Esses contactos são
maiores e mais envolventes do que o eram noutras épocas, com outros governos,
liderados por outros partidos?
RM: O governo de Nuno Nabiam
foi apoiado pelos militares. Um desses militares tem um mandado internacional
de captura por tráfico de droga e terrorismo. Isto dá uma resposta muito
sucinta à situação da droga na Guiné-Bissau.
DW África: Tem condições, neste
momento, de regressar ao seu país?
RM: Absolutamente nenhuma.
Nem sequer em Portugal me sinto em segurança, sobretudo depois de entrevistas
como esta.
António Cascais | Deutsche Welle
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