Conhece a Wirecard? Há um ano
valia mais que o Deutsche Bank e era rainha entre as empresas fintech (que
associam serviços bancários e pagamentos eletrónicos) e as blue-chip
(consideradas mais lucrativas e seguras em bolsa).
Mariana Mortágua |
Jornal de Notícias | opinião
Começou em 1999 como operador de
pagamentos online através de cartões de crédito e entrou na Bolsa de Frankfurt
em 2005, ocupando o lugar de uma empresa já falida. Esse truque, que já foi
utilizado por centenas de empresas chinesas nos EUA, evitou o processo
burocrático de uma nova entrada em bolsa. Sob os comandos de Markus Braum,
ex-consultor da KPMG, a Wirecard adquiriu a XCOM, tornando-se num banco, ou
melhor, numa fintech, daquelas a quem a UE e Portugal procuram agora abrir as
portas em nome do "mercado livre".
A expansão continuou, com a
aquisição de várias empresas de pagamentos online, sobretudo focadas no mercado
asiático, financiada pela emissão de ações e obrigações a investidores atraídos
pelos gigantescos lucros da Wirecard. Apesar de algumas dúvidas levantadas ao
longo dos anos pelo "Financial Times" (FT), que publicou esta
história, a auditoria às contas de 2017 feita pela EY saiu limpa. A valer 191
euros por ação, a empresa entrou em 2018 no índice Dax30, o que a tornou num
investimento "seguro" aos olhos dos fundos de pensões.
Apesar de todo o escrutínio, só
em março de 2019 é que o FT descobre que metade dos lucros da Wirecard são
gerados por "parceiros" subcontratados. O rasto dessas empresas leva
a edifícios abandonados ou moradas de modestas famílias de pescadores das
Filipinas. Segundo o documentário The China Hustle, foi isso mesmo que
aconteceu também com as tais empresas chinesas que fizeram sucesso nas bolsas
norte-americanas.
Depois de anos de contas
declaradas "limpas" pela EY, o cerco apertou-se sobre a Wirecard com
a publicação de uma nova auditoria, agora da KPMG, que não conseguiu verificar
as fontes dos lucros reportados na Irlanda e em Singapura. Em junho,
as autoridades alemãs são forçadas a lançar uma investigação e a Wirecard
anuncia um buraco de 1,9 mil milhões, bem como a detenção do seu CEO.
Os métodos da Wirecard foram
também os de outras empresas que, tal como esta, fizeram sucesso nos mercados
financeiros. E se não forem estes, muitos outros casos acabam a levar-nos
sempre à mesma pergunta: há um normal funcionamento do capitalismo financeiro
que não inclua a fraude constante e ao mais alto nível?
*Deputada do BE
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