quarta-feira, 1 de julho de 2020

O LUGAR DA FRAUDE


Conhece a Wirecard? Há um ano valia mais que o Deutsche Bank e era rainha entre as empresas fintech (que associam serviços bancários e pagamentos eletrónicos) e as blue-chip (consideradas mais lucrativas e seguras em bolsa).

Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Começou em 1999 como operador de pagamentos online através de cartões de crédito e entrou na Bolsa de Frankfurt em 2005, ocupando o lugar de uma empresa já falida. Esse truque, que já foi utilizado por centenas de empresas chinesas nos EUA, evitou o processo burocrático de uma nova entrada em bolsa. Sob os comandos de Markus Braum, ex-consultor da KPMG, a Wirecard adquiriu a XCOM, tornando-se num banco, ou melhor, numa fintech, daquelas a quem a UE e Portugal procuram agora abrir as portas em nome do "mercado livre".

A expansão continuou, com a aquisição de várias empresas de pagamentos online, sobretudo focadas no mercado asiático, financiada pela emissão de ações e obrigações a investidores atraídos pelos gigantescos lucros da Wirecard. Apesar de algumas dúvidas levantadas ao longo dos anos pelo "Financial Times" (FT), que publicou esta história, a auditoria às contas de 2017 feita pela EY saiu limpa. A valer 191 euros por ação, a empresa entrou em 2018 no índice Dax30, o que a tornou num investimento "seguro" aos olhos dos fundos de pensões.

Apesar de todo o escrutínio, só em março de 2019 é que o FT descobre que metade dos lucros da Wirecard são gerados por "parceiros" subcontratados. O rasto dessas empresas leva a edifícios abandonados ou moradas de modestas famílias de pescadores das Filipinas. Segundo o documentário The China Hustle, foi isso mesmo que aconteceu também com as tais empresas chinesas que fizeram sucesso nas bolsas norte-americanas.

Depois de anos de contas declaradas "limpas" pela EY, o cerco apertou-se sobre a Wirecard com a publicação de uma nova auditoria, agora da KPMG, que não conseguiu verificar as fontes dos lucros reportados na Irlanda e em Singapura. Em junho, as autoridades alemãs são forçadas a lançar uma investigação e a Wirecard anuncia um buraco de 1,9 mil milhões, bem como a detenção do seu CEO.

Os métodos da Wirecard foram também os de outras empresas que, tal como esta, fizeram sucesso nos mercados financeiros. E se não forem estes, muitos outros casos acabam a levar-nos sempre à mesma pergunta: há um normal funcionamento do capitalismo financeiro que não inclua a fraude constante e ao mais alto nível?

*Deputada do BE

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