segunda-feira, 6 de julho de 2020

Perdi toda a confiança na investigação médica -- Kendrick


O músculo financeiro da Big Pharma distorce a ciência durante a pandemia

Malcolm Kendrick [*]

A evidência de que um remédio barato e de venda livre custando £7 combate o Covid-19 foi escamoteada. Porquê? Porque os gigantes farmacêuticos querem vender-lhe um tratamento que custa aproximadamente £2.000. É criminoso.

Poucos anos atrás escrevi um livro chamado Doctoring Data . Era uma tentativa de ajudar as pessoas a entender o pano de fundo do maremoto da informação médica que desaba sobre nós a cada dia. A informação, que frequentemente é completamente contraditória, como "Café é bom para si... não, espere é mau para si... não, espere, é bom para si outra vez", é repetida ad nauseam.

Também destaquei alguns dos truques, jogos e manipulações que são utilizados para fazer com que medicamentos pareçam mais eficazes do que eles são realmente, ou vice-versa. Isto, tenho a dizer, pode ser um mundo muito desestimulante para entrar. Quando faço palestras sobre este assunto, frequentemente começo com umas poucas citações.

Por exemplo: aqui está o que a Dra. Marcia Angell, que editou o New England Journal of Medicine durante mais de 20 anos, escreveu em 2009:

"Simplesmente não é mais possível acreditar em grande parte da investigação médica que é publicada, ou confiar no julgamento de médicos acreditados ou orientações médicas consagradas. Não tenho prazer nesta conclusão, à qual cheguei vagarosamente e relutantemente ao longo das minhas duas décadas como editora".


Será que as coisas ficaram melhor? Não, acredito que ficaram pior – se é que isso, na verdade, seja possível. Recentemente, foi-me enviado o seguinte email acerca de uma discussão a porta fechada, sem que fosse permitido gravá-la, efectuada em Maio deste ano sob as regras de não divulgação da Chatham House:

"Um encontro registado secretamente entre os editores-chefe de The Lancet e do New England Journal of Medicine revela que ambos os homens lamentam a influência 'criminosa' da big pharma sobre a investigação científica. Segundo Philippe Douste-Blazy, ex-ministro da Saúde da França e candidato a director da OMS em 2017, a discussão à porta fechada da Chatham House em 2020 foi entre os [chefes de redacção], cujas publicações retractaram-se de artigos favoráveis à big pharma com dados fraudulentos.

O email continuava com uma citação daquela gravação: "Agora não seremos capazes de ... publicar quaisquer dados mais de investigação clínica porque as companhias farmacêuticas hoje são tão poderosas financeiramente e são capazes de utilizar tais metodologias, a ponto de nos fazer aceitar trabalhos aparentemente perfeitos do ponto de vista metodológico, mas que, na realidade, conseguem concluir o que elas querem concluir", disse o editor-chefe de The Lancet, Richard Horton".

Um vídeo do YouTube onde esta questão é discutida pode ser visto aqui . Está em francês, mas há legendas em inglês.

O New England Journal of Medicine e The Lancet são as duas mais influentes e mais altamente recorridas revistas médicas do mundo. Se elas já não têm capacidade para detectar o que é essencialmente investigação fraudulenta, então... Então o que? Então o que, na verdade?

De facto, as coisas geralmente deram uma viragem abrupta para pior desde o início da pandemia do Covid-19. Novos estudos, novos dados, nova informação chega a velocidade estonteantes, muitas vezes com pouca ou nenhuma revisão eficaz. No que é que se pode acreditar? Em quem se pode acreditar? Em quase nada seria a resposta mais segura.

Uma questão tem-se revelado nos últimos meses, removendo quaisquer vestígios remanescentes da minha confiança na investigação médica. Ela refere-se ao medicamento anti-malária hidroxicloroquina. Talvez saiba que Donald Trump a apoiou – o que representa toda uma série de problemas para muitas pessoas.

Contudo, antes de a pandemia acontecer, recomendei ao meu fundo local do Serviço Nacional de Saúde (NHS) que deveria verificar o stock de hidroxicloroquina. Tinha havido muita investigação ao longo dos anos, sugerindo fortemente que poderia inibir a entrada de vírus nas células – e que também interferia com a replicação viral uma vez no interior da célula.

Este mecanismo de acção explica porque ele pode ajudar a impedir a entrada do parasita da malária nos glóbulos vermelhos. A ciência é complexa, mas muitos investigadores acharam que havia boas razões para pensar que a hidroxicloroquina pode ter alguns benefícios reais, se não mesmo decisivos, no Covid-19.

Esta ideia foi ainda mais reforçada pelo conhecimento de que tem alguns efeitos na redução da chamada "tempestade de citocinas" que é considerada mortal com o Covid-19. É prescrito na artrite reumatóide para reduzir o ataque imunitário às articulações.

A outra razão para recomendar a hidroxicloroquina é que ela é extremamente segura. Ela é, por exemplo, o medicamento mais amplamente prescrito na Índia. Milhares de milhões de doses têm sido prescritas. Está disponível em venda livre na maior parte dos países. Assim, sinto-me bastante confortável ao recomendar que possa ser experimentada. Na pior das hipóteses, não faria mal nenhum.

E então a hidroxicloroquina tornou-se o centro de uma tempestade mundial. Por um lado, usando os aventais brancos, foram os investigadores que a utilizaram desde cedo, pois parecia mostrar alguns benefícios significativos. Por exemplo, o Professor Didier Raoult , do Institut Hospitalo-universitaire Méditerranée Infection, em França:

"Um famoso professor investigador em França relatou resultados bem sucedidos de um novo tratamento para o Covid-19, com testes iniciais a sugerirem que pode impedir o vírus de ser contagioso em apenas seis dias".

A seguir surgiu esta investigação de um cientista marroquino na Universidade de Lille:

"Jaouad Zemmouri … acredita que 78 por cento das mortes por Covid-19 na Europa podiam ter sido evitadas se a Europa tivesse usado hidroxicloroquina... O Marrocos, com uma população de 36 milhões de habitantes [cerca de um décimo daquela dos EUA], tem apenas 10.079 casos confirmados de Covid-19 e apenas 214 mortes.

"O Professor Zemmouri acredita que a utilização da hidroxicloroquina pelo Marrocos resultou numa taxa de recuperação do Covid-19 de 82,5 por cento e uma taxa de fatalidade de apenas 2,1 por cento, entre os admitidos em hospital.

Pouco antes disso, em 22 de Maio, foi publicado um estudo em The Lancet declarando que a hidroxicloroquina realmente aumentou as mortes. 
Constatou-se então que os dados utilizados não podiam ser verificados e eram muito provavelmente inventados. Os autores tinham grandes conflitos de interesse com empresas farmacêuticas que fabricavam medicamentos anti-virais. No início de Junho, todo o artigo foi retractado por Horton.

Depois surgiu um estudo britânico a sugerir que a hidroxicloroquina não funcionava de todo. Ao discutir os resultados, o Professor Martin Landray, um professor da Universidade de Oxford que está a co-liderar o ensaio Randomised Evaluation of Covid-19 Therapy (RECOVERY), declarou :

"Isto não é um tratamento para a Covid-19. Não funciona. Este resultado deveria mudar a prática médica em todo o mundo. Podemos agora deixar de usar um medicamento que é inútil".

Desde então, o estudo tem sido fortemente criticado por outros investigadores, os quais afirmam que a dose de hidroxicloroquina utilizada era potencialmente tóxica. Também foi administrada demasiado tarde para ter qualquer efeito positivo. Muitos dos doentes já se encontravam em ventiladores.

Esta semana, foi-me enviada uma cópia pré-prova de um artigo acerca de um estudo que será publicado no International Journal of Infectious Diseases . O seu autor descobriu que a hidroxicloroquina " diminuiu significativamente" a taxa de mortalidade dos pacientes envolvidos na análise. O estudo analisou 2.541 pacientes hospitalizados em seis hospitais entre 10 de Março e 2 de Maio de 2020 e descobriu que

13% daqueles que foram tratados com hidroxicloroquina morreram

26% dos que não receberam o medicamento morreram.

Quando as coisas se complicam, tenho tendência a procurar os potenciais conflitos de interesse. Quero com isto dizer:   quem se prepara para ganhar dinheiro com ataques à utilização da hidroxicloroquina, que é um medicamento genérico existente desde 1934 e que custa cerca de £7 por frasco de 60 comprimidos?

Neste caso, em primeiro lugar, aquelas companhias que fabricam drogas anti-virais enormemente caras tais como o Remdesivir da Gilead Scientes, o qual, nos EUA, custa US$2340 para uma típica administração durante cinco dias . Em segundo lugar, são as companhias que estão a batalhar para por uma vacina no mercado. Há muitos milhares de milhões de dólares em causa aqui.

Neste mundo, medicamentos baratos tais como a hidroxicloroquina não têm muita chance. Nem tão pouco vitaminas baratas, tais como a vitamina C e a vitamina D. Será que têm benefícios para os que sofrem de Covid-19? Tenho a certeza de que sim. Será que tais benefícios serão descartados em estudos que foram cuidadosamente manipulados para garantir que não funcionam? Claro que sim. Recordem estas palavras: "As empresas farmacêuticas são hoje tão poderosas financeiramente, e são capazes de utilizar tais metodologias, a ponto de nos fazerem aceitar documentos que aparentemente são perfeitos do ponto de vista metodológico, mas que, na realidade, conseguem concluir o que elas querem que concluam".

A menos e até que os governos e os organismos médicos actuem decisivamente para cortar permanentemente os laços financeiros entre os investigadores e a Big Pharma, estas distorções e manipulações na busca do Grande Lucro continuarão. Por favor, não tenham grandes expectativas de que será para breve.

04/Julho/2020

Ver também:
  Coronavirus 2.0 may be up to NINE TIMES more contagious … but that may be cause for celebration (O Coronavirus 2.0 pode ser até NOVE VEZES mais contagioso ... mas isso pode ser motivo de celebração)
  France ordered to pay up after epilepsy drug manufactured by coronavirus vaccine firm Sanofi caused birth defects (França condenada a pagar após o medicamento para epilepsia fabricado pela empresa Sanofi de vacinas contra o coronavírus ter causado defeitos congénitos)
  WHO halts hydroxychloroquine Covid-19 trials for second time, citing its ineffectiveness (tradução não literal mas realista deste título:  A OMS é controlada pela Big Pharma).

[*] Médico e escritor, trabalha como clínico geral (GP) no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra.   O seu blog pode ser lido aqui e o seu livro, Doctoring Data – How to Sort Out Medical Advice from Medical Nonsense, está disponível aqui .

O original encontra-se em www.rt.com/op-ed/493732-big-pharma-pandemic-covid/

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/

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