"Tal como a Indonésia em
Timor-Leste, o regime marroquino invadiu o Sara Ocidental em 1975, não
permitindo a auto-determinação da sua população. O Sara Ocidental é por isso a
última colónia de África e faz parte da lista dos territórios em vias de
descolonização da ONU."
Augusto Joaquim de Carvalho Lança*
| Diário de Notícias | opinião
Os campos de refugiados de
Tindouf, na Argélia, estão muito perto de Portugal. Tal como o nosso vizinho do
sul, o Reino de Marrocos. Laços históricos e de amizade muito profundos ligam
os povos de Portugal e de Marrocos, tal como muito bem afirma e escreveu
recentemente no Diário de Notícias o politólogo e arabista Raul Braga Pires ("De
Mazagão ao Algarve vão 76 marroquinos"). Defende também uma maior
aproximação de Portugal a Marrocos, e uma maior presença das empresas
portuguesas em território marroquino.
É no entanto estranho e grave que
como politólogo Raul Braga Pires omita completamente no seu texto o contencioso
político de Marrocos com a comunidade internacional. O reino de Marrocos ocupa
ilegalmente desde 1975 e após a saída dos colonizadores espanhóis, aquilo a que
chama as suas "Províncias do Sul". Basta olhar para qualquer mapa do
mundo para se verificar que aquilo a que o regime marroquino considera como
suas províncias é de facto o Sara Ocidental, um país reconhecido por dezenas de
outros países e com assento na União Africana... ao lado de Marrocos.
Tal como a Indonésia em
Timor-Leste, o regime marroquino invadiu o Sara Ocidental em 1975, não
permitindo a auto-determinação da sua população. O Sara Ocidental é por isso a
última colónia de África e faz parte da lista dos territórios em vias de
descolonização da ONU. No cessar fogo com a Frente Polisário nos anos 90
(Frente Popular de Libertação de Saguia el Hamra e Rio de Ouro, organização que
representa o povo saraui na ONU) e depois de anos a bombardear a população
saraui com napalm e bombas de fósforo, Marrocos comprometeu-se com a Frente
Polisário e a ONU a realizar um referendo que permitisse a auto-determinação do
povo saraui. Oregime marroquino não só nunca cumpriu esta obrigação assumida internacionalmente
como construiu um muro com 2700
km , uma das zonas mais minadas do mundo, que divide o
Sara Ocidental de norte a sul impedindo a Frente Polisário e a população
refugiada em Tindouf de entrar no seu território, podendo apenas circular numa
estreita faixa desértica, a chamada Zona Libertada.
Espanha e, principalmente, a
França, dão total cobertura internacional ao regime marroquino e bloqueiam na
ONU e na EU qualquer condenação das suas ilegalidades, favorecendo o impasse
que hoje existe. Visitei a Zona Libertada em Março deste ano. Estive nos campos
de refugiados de Tindouf, onde milhares de pessoas vivem com a ajuda da
Argélia, do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e de
muitas organizações da sociedade civil espanhola, bem como dos muitos países
que reconhecem a RASD (República Árabe Saraui Democrática), em que se destaca a
África do Sul.
Na Zona Libertada, em Tifariti,
pernoitei junto a um dos grandes quartéis da MINURSO (Missão das Nações Unidas
para o Referendo no Sara Ocidental), onde permanecem há vários anos militares
de vários países esperando pelo referendo.... Existem mais 3 quartéis da
MINURSO, um na Zona Libertada e dois na Zona Ocupada por Marrocos. Nesta zona,
mais de dois terços do território saraui, Marrocos explora na total ilegalidade
os vastos recursos minerais do Sara Ocidental, principalmente fosfatos. Ainda
há poucas semanas a ativista portuguesa dos Direitos Humanos Isabel Lourenço
foi expulsa de Marrocos por pretender assistir a um dos julgamentos dos muitos
presos políticos sarauis em
Layoun. O mesmo destino que têm tido muitos advogados
espanhóis mal pisam o aeroporto de Layoum. Talvez seja para as "Províncias
do Sul" que Raul Braga Pires queira atrair as empresas portuguesas.
Resta-nos a esperança de que, tal como em Timor-Leste, um dia triunfe a justiça
e a legalidade internacional. Que o pequeno mas bravo povo do Sara Ocidental
tenha enfim o direito de não ser tratado como estrangeiro na sua própria terra.
*Professor no Instituto Politécnico
de Beja e na Universidade Nacional de Timor Lorosa'e
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