sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Portugal | Cada dia é uma vida inteira


Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Jorge Araújo | Expresso

Era para ser um dos dias mais felizes da sua vida. O traje vaidoso, a maquilhagem a preceito, penteado com assinatura de cabeleireiro. Era o dia em que levaria o irmão ao altar.

Uma hora antes da cerimónia, o telefone tocou. Teve um mau pressentimento, a sua paz estremeceu. Deve ser isso que chamam de sexto sentido.

Ficou em sentido. E o ouvido, alerta, ouviu a notícia que ninguém quer receber – estava infetada com o novo coronavírus.

Num abrir e fechar de olhos, o sonho de braço dado com o pesadelo.

Uma assistente hospitalar do Hospital de Vila Franca de Xira trocou o casamento do irmão pela solidão da pandemia.

A dor é mais feroz quando nos acerta no peito.

Mas a história podia ter acontecido a qualquer um de nós.

Desde que o novo coronavírus entrou nas nossas vidas, o tempo parece em suspenso. Vivemos um dia de cada vez. Cada dia é uma vida inteira.

São dias sem promessa de dia seguinte.

Ninguém sabe ao certo o que aí vem. Mas parece dado adquirido que o regresso às aulas e aos locais de trabalho não vai ser fácil. E que as coisas tendem a piorar.

Por isso mesmo o governo já anunciou o endurecimento das medidas . A 15 de Setembro, o país entra em estado de contingência. O novo pacote de medidas restritivas será anunciado na primeira semana do mês.


OUTRAS NOTÍCIAS
Orçamento. Há muita pedra por partir e o desfecho é ainda uma grande incógnita. Certo é que a pandemia é parcela decisiva. O Orçamento para 2021 não vai ser fácil . As reuniões preparatórias começam hoje, em São Bento, com António Costa a receber os representantes dos partidos de esquerda e do Pan.

A jornalista da Sic , Ana Geraldes, diz-lhe o que pode esperar destas reuniões. E, na entrevista, que poderá ler, na edição deste sábado, da revista do Expresso, o primeiro-ministro deixa um aviso: “Se não houver um acordo é simples: não há Orçamento e há uma crise política”.

Mas se Costa diz mata, Marcelo diz esfola.

Trump. Agora sim, é oficial. Donald Trump é o candidato dos republicanos para as eleições de novembro. No discurso de aceitação o atual inquilino da Casa Branca trocou o optimismo pela ameaça e apostou todas as fichas numa vacina contra o novo coronavírus, que continua a matar quase mil americanos todos os dias.

“Vamos ter uma vacina antes do fim do ano, se não antes”, disse perante uma multidão sem máscara de protecção.

Eleição. Ed Davey é o novo líder dos Liberais Democratas britânicos. Antigo ministro da Energia e das Mudanças Climáticas durante o governo de coligação, entre 2010 e 2015, conseguiu arrecadar quase o dobro de votos de Layla Moran, a candidata derrotada.

Na hora da vitória, manifestou-se “determinado a reconstruir o partido e lutar por uma sociedade mais verde, justa e solidária”. Não vai ser fácil porque a popularidade dos Lib-Dem anda pelas ruas da amargura.

Feira. A Feira do Livro do Porto abre portas hoje. Ontem, foi a vez da de Lisboa. Uma boa notícia para editores, livreiros e para milhares de leitores, que aproveitam esta oportunidade para adquirir livros a preços mais acessíveis e para trocar dois dedos de conversa com os autores.

Mas este é apenas uma gota num mar de prejuízos. O universo editorial registou uma quebra de receitas de 30 por cento em comparação com o primeiro semestre do ano passado.

Mais uma boa razão para se deslocar ao Parque Eduardo VII, em Lisboa, e ao Palácio de Cristal, no Porto. E se pretende comprar um único livro deixo-lhe aqui uma sugestão: “ Amália: Ditadura e Revolução”, de Miguel Carvalho.

Futebol. O Vitória de Setúbal, um dos históricos do futebol português, suou até ao último minuto para se salvar da descida de divisão. De nada lhe valeu. Foi relegado para o campeonato de Portugal, o equivalente a terceiro escalão, por incumprimento financeiro.

Os sadinos ainda avançaram com uma providência cautelar contra a decisão da Liga de Futebol, mas foi rejeitada pelo Tribunal Arbitral de Futebol. Quem esfrega as mãos de contente é o Portimonense, que vai ocupar o lugar deixado vago.

Messi. Onde é que a estrela argentina vai jogar na próxima época? Esta é a pergunta de um milhão de dólares para os adeptos do desporto rei um pouco por todo o mundo.

Mas como há luxos que só o dinheiro – muito dinheiro – pode comprar, há quem ponha as mãos no fogo e garanta que o destino de Leo Messi será o Manchester City.

Dinheiro à parte, seria a oportunidade de reencontrar Pepe Guardiola, o treinador com quem escreveu algumas das páginas mais gloriosas do Barcelona.

Olé, o mais importante diário desportivo da Argentina, está a acompanhar o caso a par e passo e até avança com o nome escolhido pelos catalães para substituir Messi - o senegalês Sadio Mané, do Liverpool.

O QUE EU ANDO A LER

Tem fama de ser um verdadeiro bicho do mato, daqueles que fogem a sete pés de tudo o que é mundano. Vive recolhido na sua cidade, de tal maneira que recebeu a alcunha de “Vampiro de Curitiba”, curiosamente o título de um dos seus livros mais famosos.

Dalton Trevisian já recebeu os mais importantes prémios literários brasileiros, mas pouco ou nada se sabe a seu respeito. Mesmo quando, há dois anos, venceu o prémio Camões, não abriu as portas do seu mundo.

Nos seus livros, os dramas e as personagens da sua cidade surgem em carne viva. É por isso que, apesar de a sua escrita nunca sair da Curitiba, tem uma dimensão universal.

Nestes últimos dias, regressei ao livro “O Anão e a Ninfeta”, uma série de pequenos contos simplesmente deliciosos. E o prazer é o mesmo da primeira vez, o que é um selo de qualidade para qualquer livro.

Em jeito de aperitivo, deixou-vos o arranque do conto “ O Jogo Sujo do Amor”. “Aos dezessete anos você não é sério. Gil não era sério aos sessenta”.

O QUE EU ANDO A OUVIR

Conheci-o no final dos anos oitenta do século passado. Nessa altura, a sua música tinha lugar cativo no gira-discos do meu programa de música africana na Voz de Lisboa, a onda média da Renascença.

Tinha acabado de lançar o álbum “Estamos Juntos”, uma verdadeira lufada de ar fresco no panorama da música africana. Para além da voz, com um timbre inconfundível, e da qualidade das suas composições, tinha conseguido uma série de duetos improváveis com a fina flor da música popular brasileira.

Estava indiscutivelmente muito à frente do seu tempo. E isso talvez tenha explicado, em parte, a travessia do deserto que se seguiu. E que durou largos anos.

Mas o talento nunca desapareceu. Anos mais tarde, com “PretaLuz”, começou uma segunda carreira. Estava mais maduro do que nunca. Mas, e talvez tenha sido a sua grande mágoa, sempre foi muito mais reconhecido fora do que no seu país, Angola.

Waldemar Bastos, é dele que se trata, deixou-nos num dos primeiros dias do mês de Agosto. E eu continuo a pensar que Velha Xica é a sua imagem de marca. A principal faixa da banda sonora da sua vida.

Em jeito de homenagem, deixo-lhe a versão magistralmente interpretada pela London Symphony Orchestra. Passados estes anos todos, continuo a arrepiar-me como da primeira vez.

Tenha um resto de bom dia.

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