terça-feira, 22 de setembro de 2020

Angola | Males e malfeitores

Víctor Silva | Jornal de Angola | opinião

O país está prestes a assinalar 45 anos de independência, vivendo por esta altura as celebrações do Fundador da Nação e do Herói Nacional, numa homenagem ao primeiro Presidente Dr. António Agostinho Neto.

As honras sucedem-se um pouco por todo o território nacional e até mesmo além fronteiras, no reconhecimento dos feitos daquele que teve um papel preponderante para o que hoje somos, independentemente das dores de parto e da infância difícil que foi preciso viver. Nas páginas deste diário tem sido publicada, há vários dias, matéria bastante para enaltecer a figura de Manguxi. Como sempre, há quem também aproveite a data para levantar a questão da paternidade da independência e o papel que outras figuras do nacionalismo tiveram para esse desfecho e que não tem sido reconhecido.

A verdade histórica é que foi o Presidente Agostinho Neto quem proclamou, a 11 de Novembro de 1975, em Luanda, a Independência Nacional e esse foi o marco reconhecido mundialmente e não as outras declarações feitas na mesma ocasião noutras partes de Angola.

Naquele afã, pós-independência, em plena Guerra-Fria, com o país dividido e em confrontos militares, sem os quadros que, entretanto, se foram embora, as necessidades eram mais que muitas, em todas as frentes. Pelo meio ainda havia resquícios de conflitos internos, vindos das matas, que tinham sido mal resolvidos e que no calor da revolução foram aproveitados para extremismos ideológicos, que resultaram em mais divisões e mais problemas para resolver.

Mas entre as muitas frases que Agostinho Neto deixou nos poucos anos que esteve à frente da Angola independente há uma que é transversal aos tempos e se tornou num verdadeiro slogan nacional: o mais importante é resolver os problemas do povo!

Tão actual na época como nos dias de hoje, onde se somam dificuldades na solução dos muitos problemas que, entretanto, foram surgindo no nosso percurso histórico e que se renovam a cada dia, mesmo depois de ultrapassado o identificado primeiro mal que era a guerra fratricida.

Para acabar com o primeiro mal consumiram-se anos, em que as tentativas negociais avançavam e recuavam numa dimensão de longe inferior ao grau de destruição que o conflito deixava no terreno, ceifando milhares de vidas e destruindo a débil malha de infra-estruturas, tornando o país em ilhas cuja sobrevivência nem o melhor dos argumentistas de Hollywood poderia ficcionar.

Julgava-se que, com o fim do primeiro mal, Angola iria percorrer, finalmente, o caminho da paz e da prosperidade para o seu povo, beneficiando dos imensos recursos naturais que possui e que eram, e são, afinal a principal causa da nossa desgraça colectiva.

Ledo engano! Com o primeiro mal, já se desenhavam os alicerces do segundo. Já havia quem fazia da guerra uma fonte de enriquecimento, de ambos os lados da barricada, que se foi refinando no tempo com as transformações políticas que, entretanto, foram acontecendo, talvez ditadas para alimentar oficiosamente esse esquema de criar uma burguesia nacional que vinha sendo empiricamente abastecida desde o período do primeiro mal.

Não espanta, pois, que o segundo mal, entenda-se o combate à corrupção e à impunidade, estejam na linha da frente das novas autoridades, não como uma obsessão vingativa como os visados e seus apoiantes gostam de reduzir, mas como uma necessidade para que a paz e o progresso não sejam palavras vãs de campanhas eleitorais e se transformem em acções concretas para benefício dos angolanos e dos estrangeiros que honestamente vêm aqui ajudar no desenvolvimento do país.

É que a cada dia que passa se vai tomando conhecimento de manobras e negociatas de bastidores que não podiam permitir a realização do sonho da independência, de bem estar e melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, por maior que fosse a vontade política manifestada nesse sentido. Os desvios são colossais, superiores ao PIB de muitos países e com crateras dessa magnitude era quase impossível termos um país funcional e com as instituições a exercerem o seu papel, dentro do respeito pelo Estado Democrático de Direito.

E embora a procissão ainda vá no adro, há indícios mais do que suficientes que não se está na presença de nenhuma justiça selectiva nem perseguição política, só porque alguns dos que já estão identificados como prevaricadores da lei são mais ou menos conhecidos ou se cubram com os panos de imunidades concedidas para salvaguardar a liberdade de expressão e de opinião e não para legitimar o crime organizado.

Quando se rebuscam as palavras do Presidente Agostinho Neto fica-se com a sensação de que é preciso apostar, cada vez mais, no combate à corrupção e à impunidade porque só desta forma será possível, efectivamente, resolver os problemas do povo, quanto mais não fosse até pelo facto de alguns se terem aproveitado do seu legado para, na calada, se saciarem abundantemente dos recursos que agora dizem não serem públicos e de estarem legalmente mandatados pelas famosas “ordens superiores”.

A complexidade dos processos dos chamados crimes de colarinho branco é tal que os órgãos de justiça têm dificuldades em deslindar mesmo que contem com a ajuda internacional. Isso não significa que se deva baixar os braços ou entrar, também, em novos esquemas para transferir partes dos bens surripiados para novos titulares, mesmo que vestidos de justiceiros. Antes pelo contrário, impõe que se lhe dê mais gás, mesmo que no percurso se fique por um maior número de casos da conhecida raia miúda, enquanto os tubarões vão-se reorganizando para escapadelas solitárias ou armadilharem, de todas as formas e meios, os caçadores.

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