terça-feira, 1 de setembro de 2020

Bielorrússia | Quem quer derrubar o Presidente Lukashenko?


Thierry Meyssan*

A imprensa ocidental põe em destaque Svetlana Tikhanovskaïa que ela apresenta como vencedora da eleição presidencial bielorrussa e arrasa o Presidente cessante Alexandre Lukashenko, o qual acusa de violência, de nepotismo e de truncagem eleitoral. No entanto, uma análise desse país atesta que a política do seu presidente corresponde ao interesse dos cidadãos. Por trás desta querela fabricada levanta-se o espectro do Euromaidan ucraniano e de uma ruptura provocada com a Rússia.

Um dos objectivos do Golpe de Estado do Euromaidan (Ucrânia, 2013-14) era o de cortar a Rota da Seda na Europa. A China reagiu a isso modificando o traçado e fazendo-a passar pela Bielorrússia. Desde logo, Minsk tenta proteger-se de uma igual desestabilização realizando uma política mais equilibrada vis-a-vis do Ocidente, participando tanto em manobras militares com Moscovo como aceitando fornecer armas ao Daesh(EI), o qual Moscovo combate na Síria.

No entanto apesar das tergiversações de Minsk, a CIA interveio por ocasião da eleição presidencial de 2020. Svetlana Tikhanovskaïa desafiou o Presidente cessante, Alexandre Lukashenko, que disputava um sexto mandato. Ela não passou de 10 % dos votos, gritou por fraude e fugiu para a Lituânia, para onde o Francês Bernard-Henri Lévy se precipitou a fim de a acolher. Unânime, a imprensa ocidental denunciou o «ditador» e deu a entender que a Srª Tikhanovskaïa havia saído vitoriosa aquando do escrutínio.

A realidade é, porém, muito mais complexa.


Em primeiro lugar, embora seja bem possível que as eleições tenham sido truncadas em favor do presidente cessante, é altamente improvável que Svetlana Tikhanovskaïa se aproximasse da maioria, pois o que ela representa é estranho à grande maioria dos Bielorrussos. Nos últimos trinta anos, um debate corre o país a propósito da sua identidade europeia. Está ele culturalmente próximo da Europa Ocidental pró-EUA ou pertence à Europa eslava pró-Rússia? Sem dúvida alguma, a resposta é que os Bielorrussos são culturalmente Russos, mesmo que alguns deles não falem exactamente a mesma língua. É certo que duas pequenas minorias professam opiniões divergentes: a primeira diz-se «nacionalista», em referência à efémera República Popular Bielorrussa, (1918-19), cujos corpos no exílio colaboraram com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, depois com as redes Stay-Behind da OTAN; a segunda diz-se favorável ao modelo liberal e à União Europeia.

Ao contrário da Ucrânia dividida em duas zonas culturalmente distintas (o Ocidente pró-alemão e o Leste pró-russo), a Bielorrússia vê-se fundamentalmente como russa, muito embora politicamente independente de Moscovo.

Em segundo lugar, se houvesse alguma dúvida sobre o papel dos Serviços Secretos dos EUA neste caso o aparecimento de Bernard-Henri Lévy afasta-la-ia. O rico herdeiro de uma sociedade de importação de madeiras preciosas fez carreira escrevendo ensaios anti-soviéticos. Vendido pelo seu editor como «Novo Filósofo», passa ainda hoje por «filósofo». Ele apoiou os «combatentes da liberdade», quer dizer, os mercenários árabes da Confraria dos Irmãos Muçulmanos no Afeganistão contra os Soviéticos, incluindo o seu chefe Osama bin Laden. Ele tomou partido pelos Contras na Nicarágua, ou seja, os mercenários sul-americanos de John Negroponte armados pelo Irão de Hashemi Rafsanjani. Ele gaba-se de ter sido conselheiro de imprensa do Presidente bósnio, Alija Izetbegović, quando o antigo pró-nazi tinha o neoconservador norte-americano Richard Perle como conselheiro político e o já citado Osama bin Laden como conselheiro militar.

Lembro-me de como ele, mais tarde, me espantou ao explicar-me que era preciso bombardear Belgrado para fazer cair o «ditador» Slobodan Milošević. Eu não conseguia compreender muito bem por que é que o pró-nazi Izetbegović era um «democrata» enquanto o comunista Milošević era um «ditador». Pouco importa, voltemos atrás, Bernard-Henri Lévy, agora apelidado «BHL», deu o seu ruidoso apoio aos Irmãos Muçulmanos tchetchenos que formavam o Emirado Islâmico da Itchquéria no território russo. Segundo um relatório dos Serviços de Informação da Jamahiriya, participou na reunião organizada pelo Senador republicano John McCain no Cairo, em Fevereiro de 2011, para acertar os detalhes do derrube do «regime de Khaddafi», que era então citado como exemplo pelos Estados-Unidos. Os Franceses ficaram surpresos ao vê-lo anunciar no pátio do Eliseu, em vez e no lugar do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), o envolvimento do seu país contra o «ditador» (todos os homens a abater —e só eles— são «ditadores»). Como é evidente, ele estava na Praça Maidan de Kiev durante a «revolução» colorida que autênticos nazistas lá montaram.

Dito isso, os Bielorrussos podem ter queixas contra o Presidente Lukashenko, mas não contra a sua política. Todos os conhecedores do país, quer estejam entre os seus apoiantes ou entre os seus opositores, admitem que este se atêm às preocupações dos Bielorrussos. Todos os que tiveram contacto com Alexander Lukashenko ficaram surpreendidos com a sua inteligência, o seu carisma e a sua incorruptibilidade. Aqueles que o acusavam de defender a reunificação com a Rússia por cálculo político, e não por convicção, admitiram estar errados quando ele manteve a sua posição apesar das rejeições de Moscovo e da inacreditável guerra do gás que opôs os dois países. Todos ficaram surpresos pelas suas capacidades fora do comum, que o levaram a ameaçar o poder do Presidente Boris Yeltsin, quando ele propôs a união com a Rússia.

A principal crítica que se pode fazer ao Presidente Lukashenko é de ter feito desaparecer vários líderes da oposição; uma acusação que ele desmente veementemente acusando essas personalidades de laços com organizações criminosas que se revelaram prejudiciais.

Durante anos, os seus opositores acusaram-no de enriquecer às custas da nação sem jamais apresentar o menor indício. No entanto, todos os operadores internacionais sabem que quando a Bielorrússia assina um contrato, as comissões nunca ultrapassam 5%, contra 10% nos EUA, 50% na Rússia de Ieltsin (este número veio para os 10% durante a administração Putin ) e 60% no Irão. É forçoso constatar que o homem não é motivado pelo dinheiro. À mingua de corrupção, a propaganda ocidental começa preventivamente a acusá-lo de nepotismo em proveito do seu filho, Nikolai, dito «Kolia».

A única censura que se lhe pode fazer é de proferir com regularidade comentários anti-semitas e homofóbicos —nunca de ter apoiado actos anti-semitas ou homofóbicos— . Ao fazê-lo, está infelizmente na linha dos dirigentes do país.

Desde o início da crise, o Presidente Lukashenko afirma que a oposição de Svetlana Tikhanovskaya e dos seus aliados é um problema geopolítico Ocidente-Leste e não uma querela política nacional. Enquanto essa oposição afirma não estar ao serviço de nenhuma potência estrangeira.

Para além da irrupção de Bernard-Henri Lévy, vários elementos fazem pensar que Alexandre Lukashenko fala verdade.

-- O Grupo de acção psicológica das Forças Especiais polacas (polonesas-br) parece extremamente activo desde o início da crise ao serviço da Srª Tikhanovskaïa.

-- Milícias neo-nazis ucranianas estão igualmente implicadas.

-- Por fim, o Governo lituano, que abriga Svetlana Tikhanovskaïa, igualmente.

No entanto, ao contrário do Euromaidan ucraniano nenhum traço da União Europeia. Assim, o mais provável é que Washington esteja a instrumentalizar os actores regionais (Polónia, Ucrânia, Lituânia) contra o mundo eslavo.

Seja como for, o Presidente russo, Vladimir Putin, acaba de constituir uma força de reserva capaz de intervir na Bielorrússia para apoiar as instituições e o Presidente Lukashenko; isso quando os dois homens tem mantido relações por vezes muito conflituosas.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

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