segunda-feira, 7 de setembro de 2020

E se o Google bloqueasse a BBC?


Canais oficiais de notícias de Cuba foram bloqueados pelo Google. O objectivo é sabotar lentamente uma fonte (e uma rede) de notícias que desestabiliza o circuito mainstream de informação.

Raquel Ribeiro | AbrilAbril | opinião

Foram «apenas» 24 horas, mas é um facto que o portal de informação cubano Cubadebate, que agrega as contas online do diário Granma, do canal de televisão Cubavisión Internacional e o programa diário da televisão cubana, «Mesa Redonda», viu as suas contas no Google e no Youtube suspensas. Até a denúncia internacional ser tão ruidosa, que ironicamente, e sem qualquer explicação, o Google reactivou a conta.

É mais um apagão mediático contra Cuba, banal, demasiado comum, num país que vive um apagão comercial-económico-financeiro em forma de bloqueio imposto pelos Estados Unidos, desde 1960. Nem é a primeira vez que isto acontece: em 2011, o Google já tinha feito o mesmo. Se tentar aceder hoje à conta da Radio Habana Cuba no Twitter surge o seguinte aviso: «Esta conta foi temporariamente restringida. Está a ver este aviso porque tem havido actividade incomum nesta conta. Quer proceder?»


Em Setembro de 2019 o Twitter bloqueou a conta da União de Jovens Comunistas e do jornal Juventud Rebelde e uma série de contas oficiais por «repetição». O Twitter explicou na altura que bloqueou contas como as de Raul Castro devido à «política anti-manipulação» da empresa que proíbe utilizadores de «amplificar ou manipular artificialmente uma notícia ou um post» usando várias contas. Sabendo que bots se reproduzem como cogumelos no Twitter em apoio à extrema-direita, desde a eleição de Trump até à de Bolsonaro, bloquear conteúdos de contas cubanas oficiais porque «amplificam uma notícia» – isto é, a repetem ou «retuítam» – só pode ser piada.

Curioso esse apagão de Setembro de 2019: ele aconteceu depois de um esforço visível de instituições oficiais cubanas e figuras proeminentes do governo (ministros, directores de empresas públicas), portais jornalísticos, sites de cultura, de se aproximarem dos cidadãos, dentro e fora da ilha, muitas vezes respondendo directamente às suas perguntas, dúvidas ou interpelações nas redes sociais. Muitas até em forma de queixa sobre serviços, por exemplo.

Cuba é um país pequeníssimo, com pouco mais de 10 milhões de habitantes. A sua participação nas redes sociais é insignificante quando comparada com países latino-americanos, como a Venezuela e o Brasil. Desde a liberalização do acesso a dados móveis, atingiu em 2019 um dos maiores crescimentos (47%) de utilização de plataformas de redes sociais no mundo. Estatísticas do Datareportal revelam que, em Janeiro de 2019, mais de 2 milhões de cubanos estavam nas redes sociais. Hoje serão muitos mais. Por que razão quererão empresas como o Facebook, o Twitter ou o Google limitar o acesso a contas oficiais do estado cubano? No fundo, era como se o Google ou o Twitter bloqueassem a BBC, estação do estado britânico, ou até a RTP, do estado português. Porque os seus posts são partilhados ou amplificados.

A sabotagem é constante, penosa, exasperante. O objectivo é sempre tentar vencer pelo cansaço, pela desistência, quebrando um pouco mais todos os dias a população cubana, sob um recrudescimento do bloqueio na era Trump. E, já dentro do contexto da pandemia, com um crescimento negativo de 8% no PIB, contra as projecções tímidas, mas positivas, do início do ano – agravadas pelos bloqueios ao Irão e à Venezuela, fontes de apoio económico e comercial à ilha.

Curioso este apagão da semana passada, também. Foi precisamente uma «Mesa Redonda» (programa diário de informação, conversa, debate no primeiro canal da televisão cubana e transmitido para a diáspora pelo canal da Cubavisión Internacional no Youtube), em que se ia discutir a nova vacina contra a Covid-19 que Cuba está a desenvolver, o programa abruptamente retirado do ar pelo Google. Não há coincidência. Cuba andava a incomodar nas notícias internacionais: era demasiada solidariedade com a Itália, então o país europeu com mais casos de Covid-19; eram médicos que seguiam para várias partes do mundo em emergência; era a fonte de um dos tratamentos anti-virais contra a Covid, desenvolvido nos seus laboratórios; estava a viver uma das maiores crises económicas da última década e, mesmo assim, conseguia arranjar maneira de investir em investigação científica para trabalhar na criação de uma vacina em plena crise pandémica. Conseguia, portanto, ter «boa imprensa». E, Cuba sabe-o, boa imprensa é, nos dias que correm, soft power: é com médicos, vacinas e investigação científica que Cuba consegue contornar o bloqueio e desenvolver parcerias económicas ou comerciais para garantir a sua sobrevivência.

Essa é a estratégia concertada de empresas como o Facebook, Google ou Twitter que, a cobro de «leis de exportação» norte-americanas, conseguem minar regularmente fontes de informação que contestam e contrariam as grandes cadeias produtoras de conteúdos e de notícias. Não só rompem com uma espécie de cartilha repetida ad nauseum dos meios de comunicação ocidentais (a BBC, o Guardian, o New York Times), como ainda produzem, de certa maneira, «publicidade positiva» para países como Cuba. Em ano de eleições nos EUA e com a Venezuela amarrada, qualquer pretexto serve para continuar a silenciar a revolução.

Na imagem: A Assembleia Geral das Nações Unidas tem votado de forma esmagadora contra o bloqueio imposto pelos EUA contra Cuba Créditos/ Celag

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