Canais oficiais de notícias de
Cuba foram bloqueados pelo Google. O objectivo é sabotar lentamente uma fonte
(e uma rede) de notícias que desestabiliza o circuito mainstream de informação.
Raquel Ribeiro | AbrilAbril |
opinião
Foram «apenas» 24 horas, mas é um
facto que o portal de informação cubano Cubadebate, que agrega as contas
online do diário Granma, do canal de televisão Cubavisión
Internacional e o programa diário da televisão cubana, «Mesa Redonda», viu
as suas contas no Google e no Youtube suspensas. Até a denúncia internacional
ser tão ruidosa, que ironicamente, e sem qualquer explicação, o Google
reactivou a conta.
É mais um apagão mediático contra
Cuba, banal, demasiado comum, num país que vive um apagão
comercial-económico-financeiro em forma de bloqueio imposto pelos Estados
Unidos, desde 1960. Nem é a primeira vez que isto acontece: em 2011, o Google
já tinha feito o mesmo. Se tentar aceder hoje à conta da Radio Habana Cuba no
Twitter surge o seguinte aviso: «Esta conta foi temporariamente restringida.
Está a ver este aviso porque tem havido actividade incomum nesta conta. Quer
proceder?»
Em Setembro de 2019 o Twitter
bloqueou a conta da União de Jovens Comunistas e do jornal Juventud
Rebelde e uma série de contas oficiais por «repetição». O Twitter explicou
na altura que bloqueou contas como as de Raul Castro devido à «política
anti-manipulação» da empresa que proíbe utilizadores de «amplificar ou
manipular artificialmente uma notícia ou um post» usando várias contas. Sabendo
que bots se reproduzem como cogumelos no Twitter em apoio à
extrema-direita, desde a eleição de Trump até à de Bolsonaro, bloquear
conteúdos de contas cubanas oficiais porque «amplificam uma notícia» – isto é,
a repetem ou «retuítam» – só pode ser piada.
Curioso esse apagão de Setembro
de 2019: ele aconteceu depois de um esforço visível de instituições oficiais
cubanas e figuras proeminentes do governo (ministros, directores de empresas
públicas), portais jornalísticos, sites de cultura, de se aproximarem dos
cidadãos, dentro e fora da ilha, muitas vezes respondendo directamente às suas
perguntas, dúvidas ou interpelações nas redes sociais. Muitas até em forma de
queixa sobre serviços, por exemplo.
Cuba é um país pequeníssimo, com
pouco mais de 10 milhões de habitantes. A sua participação nas redes sociais é
insignificante quando comparada com países latino-americanos, como a Venezuela
e o Brasil. Desde a liberalização do acesso a dados móveis, atingiu em 2019 um
dos maiores crescimentos (47%) de utilização de plataformas de redes sociais no
mundo. Estatísticas do Datareportal revelam que, em Janeiro
de 2019, mais de 2 milhões de cubanos estavam nas redes sociais. Hoje serão
muitos mais. Por que razão quererão empresas como o Facebook, o Twitter ou o
Google limitar o acesso a contas oficiais do estado cubano? No fundo, era como
se o Google ou o Twitter bloqueassem a BBC, estação do estado britânico, ou até
a RTP, do estado português. Porque os seus posts são partilhados ou
amplificados.
A sabotagem é constante, penosa,
exasperante. O objectivo é sempre tentar vencer pelo cansaço, pela desistência,
quebrando um pouco mais todos os dias a população cubana, sob um
recrudescimento do bloqueio na era Trump. E, já dentro do contexto da pandemia,
com um crescimento negativo de 8% no PIB, contra as projecções tímidas, mas
positivas, do início do ano – agravadas pelos bloqueios ao Irão e à Venezuela,
fontes de apoio económico e comercial à ilha.
Curioso este apagão da semana
passada, também. Foi precisamente uma «Mesa Redonda» (programa diário de
informação, conversa, debate no primeiro canal da televisão cubana e
transmitido para a diáspora pelo canal da Cubavisión Internacional no
Youtube), em que se ia discutir a nova vacina contra a Covid-19 que Cuba está a
desenvolver, o programa abruptamente retirado do ar pelo Google. Não há
coincidência. Cuba andava a incomodar nas notícias internacionais: era
demasiada solidariedade com a Itália, então o país europeu com mais casos de
Covid-19; eram médicos que seguiam para várias partes do mundo em emergência;
era a fonte de um dos tratamentos anti-virais contra a Covid, desenvolvido nos
seus laboratórios; estava a viver uma das maiores crises económicas da última
década e, mesmo assim, conseguia arranjar maneira de investir em investigação
científica para trabalhar na criação de uma vacina em plena crise pandémica.
Conseguia, portanto, ter «boa imprensa». E, Cuba sabe-o, boa imprensa é, nos
dias que correm, soft power: é com médicos, vacinas e investigação
científica que Cuba consegue contornar o bloqueio e desenvolver parcerias
económicas ou comerciais para garantir a sua sobrevivência.
Essa é a estratégia concertada de
empresas como o Facebook, Google ou Twitter que, a cobro de «leis de
exportação» norte-americanas, conseguem minar regularmente fontes de informação
que contestam e contrariam as grandes cadeias produtoras de conteúdos e de
notícias. Não só rompem com uma espécie de cartilha repetida ad nauseum dos
meios de comunicação ocidentais (a BBC, o Guardian, o New York Times),
como ainda produzem, de certa maneira, «publicidade positiva» para países como
Cuba. Em ano de eleições nos EUA e com a Venezuela amarrada, qualquer pretexto
serve para continuar a silenciar a revolução.
Na imagem: A Assembleia Geral das
Nações Unidas tem votado de forma esmagadora contra o bloqueio imposto pelos
EUA contra Cuba Créditos/ Celag
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