#Publicado em português do Brasil
Em 2015, quando centenas de
milhares de refugiados entraram na Alemanha em poucos meses, chanceler federal
garantiu que país daria conta da tarefa de acolhê-los. Como ela – e os que
solicitaram refúgio – se saíram?
Talvez nenhuma outra frase dita
durante o longo mandato da chanceler federal alemã, Angela Merkel, tenha
causado tanto impacto. As palavras "Wir schaffen das" ("Vamos
conseguir") pretendiam inspirar confiança diante de uma enorme missão que
ela mesma se impusera. Em questão de poucas semanas, dezenas de milhares
de pessoas foram para a Alemanha, sobretudo através da Rota dos Bálcãs.
Muitos delas foram inicialmente barradas na Hungria. A maioria vinha da
Síria, mas outras do Norte da África, Iraque ou Afeganistão.
Merkel permitiu que elas
entrassem na Alemanha, embora outros países da União Europeia (UE)
tivessem de acolhê-los, segundo o Regulamento de Dublin, que estipula que
solicitantes de refúgio devem ser registrados e acolhidos no primeiro país a
que chegam no bloco. Em vez disso, a Alemanha permitiu a entrada devido ao
grande afluxo de migrantes e às condições desumanas deles perto de suas
fronteiras.
Quase meio milhão de pessoas
solicitaram refúgio na Alemanha em 2015 e outras 750 mil no ano seguinte. O
ministro do Interior na época, Thomas de Maizière, admitiu em meados deste mês
que houve momentos de perda de controle. Seu sucessor, Horst Seehofer, então governador
da Baviera, em 2016 chegou a caracterizar a situação como "domínio da
ausência do Direito".
Hoje, a oposição ainda
tem opiniões diferenciadas sobre a decisão de Merkel. Segundo Irene
Mihalic, do Partido Verde, "a chanceler federal agiu certo ao não fechar
as fronteiras naquela época. Caso contrário, iria se criar uma situação
caótica no coração da Europa, com um potencial imensurável de conflito."
Lars Castellucci, parlamentar do
Partido Social-Democrata (SPD), concorda em grande parte com a afirmação,
mas acha que "foi errado não ter envolvido mais os parceiros
europeus, o que ainda hoje nos causa enormes dificuldades".
Gottfried Curio, do partido populista
de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), é mais veemente em suas objeções.
"Teria sido realista e responsável cumprir a lei e a ordem. Se as
pessoas tivessem sido rejeitadas desde o início, menos gente teria iniciado a
viagem e menos pessoas teriam se afogado no Mediterrâneo."
Aprovação e ceticismo
Fora da Alemanha, a decisão teve
muita aprovação. Em 5 de setembro de 2015, o jornal americano The New
York Times escreveu que a Alemanha estendeu a mão aos refugiados. Já
a emissora Al-Jazeera disse que "a Alemanha abriu suas portas e fronteiras
a todos aqueles que procuram refúgio e um porto seguro."
A decisão de Merkel dividiu a
nação. Os céticos acreditavam desde o início que a Alemanha
estava assumindo uma carga pesada demais. Outros perguntavam o que
exatamente deveria ser feito e se o país deveria se sentir responsável por
tantas pessoas de diferentes culturas.
O social-democrata Castellucci,
cujo partido – então também parceiro minoritário da coalizão – compartilhava a
responsabilidade pela implementação da política de Merkel, sentiu falta da
apresentação de um plano mais detalhado por parte da chefe de
governo. "Ela definitivamente deveria ter dito como podemos fazer
isso e quem deve fazer o quê. E então deveria ter havido discussões sobre
isso na sociedade", diz. "Isso talvez teria nos poupado um
conflito inconciliável entre apoiadores e opositores de nossa política, o que
acabou beneficiando os populistas."
A cultura inicial de
"boas-vindas" que Merkel defendia se dissipou o mais tardar no
réveillon de 2015, quando mulheres foram importunadas por homens de origem
migratória na estação ferroviária central de Colônia. Antes disso,
aconteceram vários ataques xenófobos a abrigos para refugiados, mostrando
como o clima estava se deteriorando em partes do país.
Quem lucrou com esse
descontentamento foi o partido antimigração AfD. Em muitas eleições, ele
registrou fortes aumentos de votos e se tornou o partido de oposição mais
forte após as eleições nacionais de 2017.
Merkel sempre defendeu sua
decisão de 2015, mas em dezembro de 2016, numa convenção de seu partido, a
União Democrata Cristã (CDU), disse que uma situação como a de 2015
"não pode, não deve e não precisa se repetir". Na sequência,
o governo alemão restringiu sua política de refúgio e, a partir de
2016, o número de requerentes caiu, principalmente porque ao longo da Rota
dos Bálcãs ficou cada vez mais difícil cruzar fronteiras.
Progressos na integração
Até que ponto esses
recém-chegados foram integrados na Alemanha? Em termos de emprego, os migrantes
ainda estão bem abaixo da média da população alemã. De acordo com um estudo de
2020 do Instituto de Pesquisa de Emprego (IAB), só cerca de metade das pessoas
que vieram para a Alemanha desde 2013 têm um emprego. E a tendência de
crescimento foi parcialmente anulada pela pandemia porque muitos refugiados
foram demitidos, diz o estudo.
Com relação à criminalidade,
outro indicador de integração, dados da Agência Federal de Investigação
Criminal mostram que imigrantes estão desproporcionalmente envolvidos em
casos de homicídios, lesões corporais graves e estupro. Isso decorre do
fato de muitos serem homens jovens e tenderem a se envolver com mais
frequência em tais delitos.
O porta-voz de política interna
da CDU, Patrick Sensburg, diz que "a proteção de refugiados deve
ser entendida principalmente como 'proteção temporária'. Quem deseja vir para
cá para viver e trabalhar de forma permanente tem outros meios para o
fazer, desde que traga as qualificações necessárias e aceite os
nossos valores."
A sociedade alemã continua
profundamente dividida sobre a política de imigração. Cerca de 60% dos alemães
acreditam que o país possa lidar bem com os refugiados, enquanto 40% pensam
o contrário. O cientista político Herfried Münkler disse que 2015 "expôs uma
cisão na sociedade alemã" e radicalizou o discurso político. "A
tendência para o centro que víamos anteriormente acabou", disse.
Cinco anos após a famosa
declaração de Merkel, teria a sociedade alemã mostrado saber enfrentar o
desafio? O ex-ministro do Interior De Maizière acha que houve, pelo menos,
um progresso significativo. Para Sensburg, a Alemanha, "de modo geral,
dominou bem a crise dos refugiados de 2015".
Irene Mihalic ainda vê a missão
como inacabada: "A integração não acontece da noite para o dia e teremos
que continuar trabalhando nisso em todos os níveis. Mas estou convencida de que
a imigração é uma grande oportunidade para a Alemanha, especialmente no que diz
respeito ao mercado de trabalho e à evolução demográfica", afirma.
Estudos do instituto econômico
DIW chegaram a conclusões semelhantes. Eles revelam que a Alemanha pode
superar o desafio, mas que ainda há bastante a ser feito tanto pelos que
buscaram refúgio na Alemanha quanto por aqueles que os acolheram.
Christoph Hasselbach | Deutsche
Welle
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