#Publicado em português do Brasil
Surtos recentes atingem camadas
mais carentes da população: imigrantes e funcionários de frigoríficos. Covid-19
chama atenção para exclusão no setor imobiliário e condições precárias de
trabalho na indústria da carne.
Mais de 1.500 casos do novo
coronavírus num frigorífico no estado da Renânia do Norte-Vestfália, mais
de 100 num conjunto residencial em Berlim e 120 infecções entre residentes
de um prédio em Göttingen, na Baixa Saxônia, são os mais recentes surtos de covid-19
na Alemanha. Apesar de registrados em diferentes cidades, os três têm algo
incomum: atingem as camadas mais carentes da população.
No primeiro, mais de um quinto
dos trabalhadores do frigorífico
Tönnies, localizado no distrito de Gütersloh, contraiu o coronavírus. O
local foi fechado, e milhares de funcionários deveriam entrar em quarentena,
mas a empresa não foi capaz de fornecer os endereços de todos os empregados,
pois grande parte deles é terceirizada, vinda de países do Leste Europeu com
contratos temporários.
Alguns conjuntos
residenciais onde vivem esses trabalhadores temporários foram
cercados por grades para impor a quarentena obrigatória. As condições de
moradia nesses locais não são as melhores, com muitos moradores
para poucos metros quadrados, impossibilitando o distanciamento social.
Soma-se a isso o medo de ficar sem receber salários com o fechamento do
frigorífico.
Esse não foi o primeiro surto em
frigoríficos na Alemanha, mas o maior até o momento, e ele trouxe
novamente à tona o debate sobre as precárias práticas de trabalho no setor, as
terceirizações que possibilitam a exploração da mão de obra, com salários
baixos, e as condições de moradia dos trabalhadores temporários estrangeiros,
vindo principalmente da Polônia, Romênia e Bulgária.
Os outros dois surtos recentes na
Alemanha ocorreram em regiões residenciais que concentram as camadas mais
carentes da população, onde muitos dos moradores dependem de benefícios sociais
para sobreviver.
Em Berlim, a onda de infecções
atingiu em cheio um conjunto
residencial no bairro Neukölln, onde um quarto da população está abaixo da
linha de pobreza – atualmente estipulada em 1.004 euros líquidos por mês na
capital alemã. No prédio, vivem muitas famílias de imigrantes. Alguns dos
apartamentos de dois quartos, sala e cozinha abrigam até dez pessoas.
Em Göttingen, a situação é
semelhante. Cerca de 700 pessoas moram no prédio onde cerca de 120 casos
foram registrados, e muitos dos moradores são imigrantes. O prédio foi isolado
com grades, e as entradas e saídas foram bloqueadas para evitar que moradores
furem a quarentena.
Tanto em Berlim quanto em
Göttingen todos os moradores foram colocados em quarentena. Sobretudo
em Göttingen, onde as portas foram bloqueadas, a medida fez muitos se
perguntarem se atitudes semelhantes seriam tomadas em bairros residenciais
onde vive a população mais abastada.
Os três surtos recentes expõem as
desigualdades sociais presentes na Alemanha, que, apesar de não estarem tão
escancaradas ou serem tão graves quanto no Brasil, também existem.
No caso do frigorífico, o surto
trouxe à tona os altos custos sociais da carne de porco barata vendida na
Alemanha, que só é possível de ser produzida com baixos salários e imigrantes
que aceitem trabalhar e viver em condições precárias. Os surtos no setor
impulsionaram novamente o debate sobre como proteger esses trabalhadores. Ainda
não é possível saber se a situação atual impulsionará uma reflexão entre os
alemães sobre o preço que pagam pelo bife no mercado e sobre como esses
hábitos de consumo impactam a cadeia produtiva.
Já os prédios colocados em
confinamento obrigatório em Berlim e Göttingen mostram a exclusão existente no
setor imobiliário, onde muitos dividem espaços pequenos – por não terem
condições de pagar aluguéis de apartamentos maiores ou por não serem aceitos como
inquilinos em outros locais.
Na capital alemã, a questão da
moradia foi um tema bastante abordado quando o governo traçou as estratégias de
confinamento para conter a disseminação da covid-19. A principal
questão era como manter uma quarentena relativamente "saudável" em
apartamentos pequenos onde viviam grandes famílias com crianças. Por isso, a
decisão aqui foi permitir que passeios e atividades ao ar livre em parques
nesse período.
A exclusão no setor imobiliário e
as condições de trabalho na indústria da carne são velhos conhecidos, mas a
pandemia chamou atenção e deu uma nova dimensão para esses problemas.
Resta agora saber se ela trará alguma mudança positiva em relação a eles.
Clarissa Neher é jornalista da DW
Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim,
escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy. Siga-a
no Twitter.
Clarissa Neher | Deutsche Welle
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