A derrota da ''nova política'', a revanche da ''Nova República'' e outras teses sobre as eleições municipais de 2020
#Publicado em português do Brasil
Pedro Paulo Zahluth Bastos | Carta Maior
A “nova política” não vingou nas grandes cidades. Se for preciso tirar uma única conclusão sobre as eleições municipais, eu escolheria a revanche da “Nova República”, ou melhor, da “velha política” sobre a onda bolsonarista iniciada em 2018. O Bolsonarismo não foi barrado por uma nova maré de esquerda, mas pelas velhas estruturas da política de clientela assentadas na transição conservadora para a democracia sob tutela militar na década de 1980. Em compensação, ainda avança nas pequenas cidades através do PSL e do Republicanos.
Não deve haver ilusões de um retorno ao mundo antes da Lava Jato e Bolsonaro. PT, PSDB e MDB organizavam a política brasileira entre 1994 e 2006, e continuaram perdendo prefeituras em 2020, assim como PSB e PDT. Os políticos de centro-direita que venceram a eleição de 2020 são herdeiros do espírito conservador da Nova República enraizado no DEM, no PP, no PSD, no PL e demais partidos integrantes ou ex-integrantes do Centrão.Esse “baixo clero” conservador é herdeiro do conservadorismo que colocou freios à pulsão social, nacionalista e democratizante da Constituinte em 1987 e 1988, favorecido pela alta representatividade das regiões mais conservadoras do país criada pela “reforma eleitoral” da ditadura em abril de 1977 (que ainda nos prende ao passado). Trinta anos mais tarde, o Centrão apoiou as reformas neoliberais dessa mesma Constituição, a Lei do Teto do Gasto e a reforma trabalhista com Temer, e a Reforma da Previdência com Bolsonaro e Guedes. Não foi o fim da Nova República e da Constituição de 1988, mas apenas de alguns de seus melhores aspectos.
Tal conservadorismo colocou freios contra a pulsão autoritária de Bolsonaro durante a pandemia da Covid, ao mesmo tempo, o protegeu do impeachment depois de impedir Dilma Rousseff por muito menos. A eleição acabou de tornar Bolsonaro ainda mais refém da política do toma lá, dá cá.
A resultante da aliança entre o Bolsonarismo e a pulsão conservadora da Nova República não é boa para o campo popular. Se a aliança tensa construída em 2020 se consolidar, Bolsonaro terá em 2022 o que não teve em 2018: capilaridade política nos municípios. Uma máquina de produção de votos que complementa a influência contínua das redes sociais de desinformação de massas controladas pelo Bolsonarismo.
Poderia ter sido pior
É verdade que o prêmio para Bolsonaro poderia ter sido muito maior caso as promessas da “nova política” fossem verdadeiras e caso fosse capaz de estruturar um novo partido
A “nova mídia”, contudo, não foi capaz de garantir a vitória dos seis candidatos apoiados por Bolsonaro nas capitais – sendo que os dois que pelo menos passaram para o segundo turno, Marcelo Crivella no Rio e Capitão Wagner em Fortaleza, não são favoritos. Contudo, repito que o enfraquecimento da onda bolsonarista nas capitais não foi capturado pela centro-esquerda e sim pela centro-direita que pode se aliar a Bolsonaro. Ao contrário da “nova política” ou da “antipolítica”, a “velha política” é a principal vitoriosa.
É provável que isto se explique, primeiro, pela migração de parte do voto na extrema-direita em 2018 para a centro-direita em
A reação à pandemia explica muito
O motivo principal, porém, parece ser a reação do Bolsonarismo à pandemia: ao escolher a doença, perdeu também a economia e, mais tarde, a eleição. A resposta perante a COVID parece muito significativa para explicar a preferência pela continuidade e a rejeição a experimentar novos prefeitos. A escolha de administradores experimentados frente à emergência sanitária se expressa no fato de que, dos treze prefeitos que tentaram reeleição em capitais, apenas um, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) perdeu no primeiro turno – abandonando a disputa
Ao contrário do conselho de Bolsonaro em seu último “programa eleitoral”, os candidatos que seguiram sua desvalorização da pandemia como uma “gripezinha” a ser enfrentada de peito aberto não prosperaram muito. A imensa maioria dos prefeitos “zeladores” que cuidaram de proteger a população com medidas duras de distanciamento social recomendados por cientistas foram premiados com a reeleição, especialmente Alexandre Kalil (PSD)
Fora do voto conservador, a Covid ajuda a explicar o limite a candidatos novos de esquerda nas 95 cidades com mais de 200 mil habitantes. Se, por um lado, poucos eleitores se sentiram à vontade para deixar a administração municipal sob controle de propagadores da doença ou, pelo menos, de falsas curas, não foram muitos os eleitores dispostos a ousar com candidatos novos à esquerda, no PSOL (que passou de 2 para 4 prefeituras) e no PT (que tinha 630 prefeitos em 2012, 254 em 2016 e apenas 179 garantidas agora). Muitos candidatos do PT ainda sofrem os efeitos do lava-jatismo e da memória da crise econômica de 2015-2016, enquanto Guilherme Boulos sai vitorioso ainda que perca o segundo turno
Consideran
O que esperar?
Ao fim e ao cabo, a derrota da “nova política” pela Nova República nas capitais não deve ser comemorada. É verdade que, para qualquer cidadão interessado em preservar o direito de votar, ainda pior seria uma nova onda de extrema-direita. Porém, o grande vencedor das eleições nas capitais é o Centrão, ou seja, exatamente a “velha política” que Bolsonaro abraçou em 2020 depois de malhar em 2018.
Assim, as eleições deixaram Bolsonaro ainda mais refém do centrão, ou seja, da dimensão mais conservadora e clientelista da Nova República. Disto pode resultar uma maior blindagem política das reformas neoliberais, especialmente da reforma administrativa e de um aprofundamento da trabalhista, ou seja, das reformas que prejudicam trabalhadores nos setores público e privado.
No entanto, não consigo prever o efeito das eleições sobre a preservação do teto do gasto público federal, a maior limitação política à retomada do crescimento econômico. Embora os prefeitos de centro-direita sejam ideologicamente alinhados com a lei do teto, sentirão ainda mais seu irrealismo em 2021 – pelo limite a repasses federais para municípios e ao auxílio emergencial, e pelo efeito da estagnação do PIB sobre a arrecadação tributária. Se a resultante da tensão for o fim do teto do gasto ou pelo menos sua flexibilização, melhor para o país, mas também para o Bolsonarismo.
A incerteza quanto à conjuntura brasileira até 2022 é enorme, em vista da evolução imprevisível da pandemia, da vacinação e da recuperação econômica mundial e local. O que é certo é que a pandemia, a corrupção da família Bolsonaro e as eleições de 2020 barraram por ora o avanço do neofascismo, mas não do conservadorismo. Contudo, se a combinação entre “nova política” e Nova República iniciada em 2020 se consolidar, a capilaridade municipal deste novo ornitorrinco brasileiro será um poderoso recurso político nas eleições de 2022. Muito vai depender da popularidade de Bolsonaro: se perdê-la em demasia, a clientela do Centrão, com incentivo de Rodrigo Maia, pode abandoná-lo em troca de João Dória e Luciano Huck no PSDB ou Luiz Henrique Mandetta no DEM, desde que não se aliem a Sérgio Moro.
A alternativa do campo popular é realçar sem descanso as contradições do ornitorrinco – com ajuda das investigações policiais desta vez – e construir pelo debate, desde logo e em todos os cantos do país, um ousado programa econômico e social focado nas necessidades populares que o conservadorismo neoliberal sempre frustrou.
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