sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Carlos Carvalhas foi um bom líder do PCP?

Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

O PCP tem ódio ao culto de personalidade (que identifica como um dos "cancros" que corromperam o ideal socialista nos países do Leste) e valoriza a organização coletiva da sua atividade. Por isso limita muito as homenagens a indivíduos: Marx, Engels, Lénine e Álvaro Cunhal são exceções, mas mais ancoradas no estudo da obra que produziram do que propriamente no elogio das suas qualidades pessoais.

Tenho, no entanto, que dizer que estou convencido que o PCP só vai conseguir comemorar os 100 anos de existência graças a Carlos Carvalhas e à equipa que com ele dirigiu o partido, enquanto foi secretário-geral, de 1992 a 2004 - pensemos só em quantos partidos comunistas, por esse mundo fora, praticamente morreram, precisamente nessa época...

A capacidade da direção de Carvalhas - no meio de um furacão de divisões, conflitos internos, crises existenciais, dúvidas ideológicas, lutas pelo poder - em conciliar o que parecia inconciliável, a firmeza em manter a unidade do partido, a lucidez em se focar na ação política concreta, a estratégia de não desamparar o trabalho sindical e autárquico, a brilhante atividade parlamentar, a lisura em enfrentar a crítica, a coragem em aceitar decisões difíceis (incluindo a expulsão de alguns militantes destacados) e a coerência em manter a organização e o cunho ideológico marxista-leninista do PCP garantiram, mais do que a sobrevivência, a relevância do partido na sociedade portuguesa, em contraste com a falência de quase todos os outros partidos congéneres da Europa ocidental.

Recorde-se que, para além dos problemas internos do PCP, a direção de Carvalhas enfrentou a perda mundial da credibilidade ideológica de tudo o que tivesse matriz socialista, face à ascensão e hegemonia do liberalismo globalizante.

Carvalhas apanhou o fim da era de Cavaco Silva primeiro-ministro e toda a era de António Guterres que, sem maioria absoluta, só negociava à direita e ostracizava o PCP, apontado pela esquerda não comunista e pela generalidade dos analistas políticos da época como um partido ultrapassado, em decadência e em vias de extinção, tal como os partidos irmãos de Espanha, França, Itália, para além da maioria dos partidos do Leste.

Foram os tempos do auge do dinheiro fácil vindo com os fundos europeus; da propaganda massiva a favor da entrada de Portugal no euro "para apanhar o comboio da Europa", como então se dizia; da ilusão de progresso dada pela expo 98, pelo Euro 2004 e pelas imensas autoestradas; da vulgarização dos hipermercados, dos grandes centros comerciais e do consumismo maluco; foi um aumento geral de bem-estar na população que escondeu problemas estruturais que à primeira crise séria vieram de novo ao de cimo e, como insistia em denunciar o PCP, iludiam a "a natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora do capitalismo".

Foi também o início do Bloco de Esquerda, de uma esquerda radical sem problemas em renegar ou em secundarizar a herança da Revolução de Outubro na Rússia e capaz de erguer bandeiras novas, de matriz não proletária, mas atraentes para grandes fatias de eleitorado, e que aproveitava para navegar a onda da suposta decadência do PCP.

Tudo estava contra o Partido Comunista Português, mas a direção de Carlos Carvalhas conseguiu muito melhores resultados do que os vaticínios da época previam, não só eleitorais como de manutenção de níveis de militância, de capacidade de intervenção e de mobilização de massas.

Claro que o mérito maior dessa aptidão para se manter relevante na sociedade portuguesa, quando tudo parecia encaminhar o PCP para a desintegração, deve-se, sobretudo, aos próprios militantes do partido, à forma como ali se trabalha e se organiza, à cultura política herdada e ao enraizamento na sociedade portuguesa - mas Carvalhas liderou esses tempos e esse facto não pode ser ignorado.

E, no fim, quando o seu partido decidiu que deveria substituir o secretário-geral, ninguém viu Carlos Carvalhas, nem Octávio Teixeira nem Vítor Dias (as "estrelas"mediáticas do PCP da época) a "andar por aí" para assombrar a direção sucessora de Jerónimo de Sousa.

Com a saída, agora, de Carlos Carvalhas do Comité Central saem também pessoas que ajudaram a assegurar a relevância do PCP: Carlos Gonçalves (que estava agora na Comissão Política, mas trabalhou diretamente com Carvalhas quando ele foi secretário-geral), Luísa Araújo (membro do Secretariado e uma mulher muito prestigiada no PCP), Agostinho Lopes (que, entre muitas outras coisas importantes, ajudou à sustentação teórica do partido). Já antes tinham saído muitos outros históricos do partido, como, por exemplo, Domingos Abrantes, agora Conselheiro de Estado. Outros morreram, como Ruben de Carvalho. E há muito mais gente que não posso estar aqui a enumerar.

E, claro, noutras frentes, há também outros notáveis a sair agora do organismo mais importante do PCP entre congressos, como Arménio Carlos, ex-líder da CGTP, Francisco Melo, da Editorial "Avante!", e muitos outros; para um total de quase trinta saídas - tudo pessoas que merecem igualmente um lugar na história do partido.

O PCP detesta homenagens a indivíduos, mas eu, jornalista livre, pedindo desculpa aos leitores, acho que como também sou militante de base do PCP e tenho a sorte de me deixarem escrever isto no DN que devo, na hora em que ele sai do Comité Central, um agradecimento ao secretário-geral que foi Carlos Carvalhas. Aqui fica.

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