terça-feira, 10 de novembro de 2020

Os Açores não são um offshore constitucional, Dr. Rio

Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Depois de anos a denunciar a ilegitimidade da maioria parlamentar que em 2015 somou PS, Bloco, PCP e Verdes, o PSD entusiasma-se agora com a liderança do Governo dos Açores, apesar de ter ficado atrás do PS nas eleições regionais. Será acompanhado no Executivo por CDS e PPM e apoiado no Parlamento Regional pelo Chega e pelo Iniciativa Liberal (IL).

Ao contrário dos deputados do PSD e do CDS, eu não mudo as minhas interpretações como mais me convém: julgo que é perfeitamente legítimo um Governo que resulte de uma maioria, mesmo que esta não inclua o partido mais votado e desde que isso não signifique uma fraude aos programas eleitorais sufragados. Em 2015, a maioria dos votos foi para partidos que, nas suas diferenças, afirmavam rejeitar o prosseguimento do plano austeritário. Desse encontro de vontades saíram acordos escritos, publicados e escrutináveis, que enquadraram os orçamentos ao longo desse período.

Agora, pelo contrário, PSD, CDS e IL fazem o que disseram que nunca fariam: uma aliança com o Chega. O mesmo Chega que, para Cotrim de Figueiredo, líder da IL, tinha uma "matriz incompatível" com a do seu partido e que, segundo o líder do CDS, se afastava dos valores do centro-direita. Rui Rio até já tinha admitido que pudesse haver "conversas", mas só se o Chega evoluísse para uma posição "mais moderada".

Acontece que o Chega não moderou nenhuma das suas posições violentas e anticonstitucionais. Foi o PSD que se vergou, assinando este acordo e mandando às urtigas a sua matriz democrática e constitucional. Logo Rui Rio, que nos prometeu "um banho de ética" para agora se comprometer com a delinquência política do Chega, que vai das ligações à especulação imobiliária até à finança. E tudo por vias de um acordo secreto que só Marcelo Rebelo de Sousa viu (como decorre das palavras do representante da República) e que, segundo o próprio Chega, incluirá mesmo uma proposta de revisão constitucional.

São conhecidas as ligações do líder do Chega ao mundo selvático dos paraísos fiscais. Quem viveu um ano no Parlamento acumulando o seu cargo com a remuneração de consultor e vendendo conselhos a milionários interessados em contornar obrigações fiscais, já mostrou que pouco valor dá às regras da democracia e da República. A pátria de Ventura são o negócios e quem os faz. Acontece que os Açores são parte da nossa democracia e não um offshore constitucional.

Sem comentários:

Mais lidas da semana