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“Não existe som mais espetacular
do que o de uma bateria de escola de samba na época do Carnaval.” - Carmen Miranda (1909-1955)
Nas raízes do nosso
Carnaval, o entrudo era uma brincadeira, na qual os foliões lançavam, entre si,
limões de cheiro, água, café, lama, farinha e até urina. .Devido ao aumento do
número de participantes, esta bizarra diversão, que ocorria nas ruas,
tornou-se causa de desavenças e ferimentos, o que levou as autoridades a
coibirem a sua prática, a partir dos anos 1830 , que persistiu , na realidade,
até o início do século 20.
A origem do Entrudo
se encontra na Idade Média e acontecia nos três primeiros dias antes da
Quaresma. Em Portugal, em algumas comemorações, havia grandes bonecos feitos de
madeira, denominados de entrudos, cujo termo originou a denominação desta
prática. Com os portugueses, o Entrudo chegou ao Brasil, em 1641, na cidade do
Rio de Janeiro. O de caráter popular ocorria nas ruas, mas havia também o
entrudo familiar, no qual os indivíduos jogavam limão de cheiro um nos outros,
dando origem, mais tarde, ao lança-perfume.
O introdutor da comédia de
costumes, Martins Pena (1815-1848), natural do Rio de Janeiro, definiu o
entrudo como um jogo bárbaro, pernicioso e imoral. O entrudo está presente nos
primórdios do Carnaval de Porto Alegre e foi trazido , no século 18, pelos
açorianos, O historiador Athos Damascenos Ferreira (1902-1975) registrou que a primeira proibição do Entrudo se deu,
em 1837, pelo Conselho Geral do Município, sendo prevista a multa de dois a
doze mil réis ou de dois a oito dias de cadeia, aumentando a pena no caso de
escravizados. Embora as proibições e a campanha da imprensa da época, este
costume se manteve por um longo período.
No ano de 1856,
o Entrudo não ocorreu devido a uma epidemia de cólera em Porto Alegre. No ano
seguinte, porém, retornou a sua prática. A transição para outro modelo de
diversão popular, considerado pela elite como comportado e civilizado, em
detrimento do violento entrudo, ocorreu dentro de um contexto que buscava
reproduzir o estilo europeu.
No passado, em
Porto Alegre, os festejos de Momo eram vivenciados pela classe média e alta nos
cafés, teatros, confeitarias, clubes e associações. Nas ruas ocorriam jogos de
confete, batalhas de flores, o lança-perfume e o corso de automóvel nas ruas
principais, a exemplo da Rua dos Andradas, que foi batizada pelo povo, em
função do nosso Guaíba, como a Rua da Praia. Já as camadas mais pobres da
população eram excluídas da festa, embora houvesse a circulação de mascarados,
que tocavam tambores e zabumbas de origem africana em diversos pontos da cidade.
O
legado dos territórios negros, a exclusão e o preconceito
Considerados
o berço do samba, das tradições das religiões de matriz africana e da Liga da
Canela Preta (futebol), os territórios negros, como a Colônia Africana, Areal
da Baronesa, a Ilhota e Mont’Serrat, resistiram culturalmente na preservação do
legado de seus ancestrais, após a Abolição. Infelizmente, com o passar dos
anos, a especulação imobiliária e o progresso descaracterizaram estes
territórios e empurraram os seus moradores - majoritariamente afrodescendentes
e de baixa renda- para locais distantes e fora da área central da cidade, como
o Bairro Restinga e Pinheiro, entre outros.
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O mapa
dos territórios negros
Daniele Vieira
- professora de Geografia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre - decidiu
usar a experiência adquirida, em sua dissertação, no Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para
elaborar uma cartografia destes antigos territórios negros, visando a recuperar
a memória que, infelizmente, a historiografia oficial invisibilizou.
Os problemas, que a
população afrodescendente tem enfrentado, são mazelas sociais resultantes de
uma Abolição da Escravatura (1888), que se deu de forma inconclusa. Ainda que a
liberdade do escravizado, em nosso Estado, tenha ocorrida, em 1884, quatro anos
antes da Lei Áurea, isso não alterou a situação de abandono pelo poder público
(falta de políticas afirmativas) e a invisibilidade social dessa população.
Desta forma, iniciou-se para o liberto um longo caminho de dificuldades, lutas
e enfrentamentos em relação ao preconceito racial, pois a liberdade, após quase
quatro séculos de escravidão, não veio acompanhada do direito à cidadania
plena, restando ao negro liberto apenas a porta da rua e o estigma da condição
de escravizado.
Infelizmente, o
racismo se constitui numa chaga presente na sociedade brasileira,
apresentando-se, na maioria das vezes, maquilado por um discurso construído sob
a égide de uma democracia racial, que não corresponde à realidade social do
negro brasileiro. Basta que analisemos os dados estatísticos levantados por
órgãos sérios, como o IBGE, quanto à presença do negro no mercado de trabalho,
para que tenhamos consciência do longo caminho percorrido pelos
afrodescendentes, visando a ocupar espaços importantes no processo de
construção de uma sociedade mais fraterna e com menos desigualdades.