Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
A recusa em aceitar a realidade é
um ponto de partida para a mentira, uma espécie de "pole position"
forçada para impedir, por todos os meios, que quem vem atrás passe para a
frente, ultrapasse. Chama-se, vulgarmente, batota.
A pouco mais de um mês das
eleições presidenciais norte-americanas, o cuidado que Trump coloca na
tentativa de se eternizar no poder é sintomático do que fará na noite
eleitoral, caso as perca. Os EUA assistem, pela primeira vez, ao contorcionismo
de um presidente que não se compromete com uma transição pacífica caso seja
derrotado por Joe Biden na noite de 3 de Novembro.
Caso único. É o próprio poder
que, antecipadamente, acusa o seu próprio sistema de fraude eleitoral,
condicionando-o a um caso de derrota conveniente. As acusações de fraude
eleitoral e de ilegitimidade, até aqui privilégios dos oposicionistas em todo o
Mundo perante os abusos dos poderes instalados, transferiram-se para o poder da
Casa Branca.
Donald Trump, ambicioso por
voltar a fazer crescer a América e liderar o Mundo, não consegue controlar uns
papelinhos de voto para ganhar o álibi que lhe permita não aceitar a previsível
derrota que, como as sondagens apontam, vem a caminho. Para reforçar a tese,
recorre-se ao Supremo Tribunal onde, no mesmo dia em que não assegurava a
transição pacífica, colocou um homem de mão para lhe garantir a eleição na
secretaria.
Criar o problema e fazer do
problema a solução. Uma mente tortuosa a entregar o país a um divisionismo
entrincheirado de guerra civil, a silabar fascismo e a celebrar golpadas
eleitorais do Terceiro Mundo ao espelho. Donald Trump, em caso de derrota, vai
querer usar a violência nas ruas que agora semeia, autoriza ou menospreza.
Demasiados casos. Depois de Neto
Moura nos tribunais, a realidade à distorção com Francisco Aguilar na
Universidade de Lisboa ou com centenas de congressistas do Chega reunidos sem cumprir
regras de saúde pública em Évora. O movimento de saída dos armários de muitos
protofascistas é, como bem salientava Pacheco Pereira na "Circulatura do
quadrado" na TVI, uma realidade com libido.
"Existe uma relação entre a
extrema-direita e estas fantasias homoeróticas que foram importantes no
nazismo. É uma obsessão fálica", salientava. E de facto, todo este enredo
de castração química, propostas de pena de morte ou subtracção dos ovários a
mulheres que queiram abortar, transpira muita rejeição interior e autopunição.
"A obsessão pela castração é fálica. Gosto das coisas que vêm dali, mas
quero cortar", acrescenta Pacheco Pereira. Está nos livros, está na vida.
Tão ou mais perigoso é que, há 30
anos, um professor continue a leccionar na Faculdade de Direito de Lisboa,
defendendo temáticas como o julgamento do "socialismo de género e
identitário" como se julgaram os crimes do Holocausto, versando o
"ódio cristofóbico", a "suástica que flutua orgulhosa no
Ocidente", tratando as mulheres por "canalhas" ou
"desonestas", enquanto está a ser julgado por violência doméstica num
tribunal onde declarou "morte a todos os feministas", entre outros
dislates. Professor de Direito Penal. Puna-se.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia