terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Biden e a exploração da mão de obra chinesa

Thierry Meyssan*

A Administração Biden está animada por uma ideologia fanática copiada de grupúsculos de crentes da esquerda. Ela é apoiada por dois poderosos lóbis: o complexo militar-industrial, por um lado, e as transnacionais produzindo na China por outro. Thierry Meyssan apresenta-nos este lóbi desconhecido.

Administração Biden só adoptará uma estratégia definitiva face ao seu rival chinês em Junho. Nessa altura, uma comissão ad hoc do Pentágono deverá apresentar propostas à Casa Branca.

Sob o comando do Presidente Xi Jinping, a China começou a expansão para fora das suas fronteiras. Ela colocou já 3. 000 soldados no seio das Forças das Nações Unidas, de seguida inaugurou uma base em Djibuti. Muito logicamente, deverá, como na época da histórica Rota da Seda, instalar postos militares ao longo das rotas que está em vias de construir para garantir a segurança do seu comércio internacional. Finalmente e acima de tudo, ela reinstala-se nas ilhotas que havia abandonado no século XIX no Mar da China.

A China pensa primeiro recuperar o seu espaço vital, do qual fora espoliada pelos colonos ocidentais. Ela está convencida do seu direito e considera que todos os golpes lhe são permitidos a fim de tomar a sua desforra.

No entanto, de acordo com a estratégia exposta em 1999 pelo General Qiao Liang e o Coronel Wang Xiangsui [1], a China entende evitar qualquer confronto militar directo com os Estados Unidos. Ela prefere contornar o seu adversário e assim meteu-se em guerras não-declaradas no plano comercial, económico, financeiro, psicológico, mediático etc.

O irredentismo chinês supõe expulsar os Ocidentais que ocupam desde há um século e meio o Extremo-Oriente. Isso deve ser distinguido da estratégia de desenvolvimento chinês, a qual conseguiu, em alguns anos, fazer sair da pobreza centenas de milhões dos seus cidadãos.

A estratégia económica da Nova China começou em 1978 sob direcção de Deng Xiaoping, mas ela só mostrou verdadeiramente os seus frutos a partir de 1994. Nessa altura a União Soviética tinha desaparecido ; o exército dos EUA tinha sido largamente desmobilizado ; o Presidente Bush Sr havia declarado que o momento de ganhar dinheiro tinha chegado e as grandes companhias haviam solicitado ao seu sucessor, o Presidente Clinton, que abrisse o mercado de trabalho chinês. Com efeito, um operário chinês, é certo sem formação, custava cerca de 20 vezes menos que um operário dos EUA.

O Presidente Clinton vai, pois, separar as negociações sobre os Direitos do Homem (no sentido anglo-saxão) das questões comerciais. Depois, vai fazer entrar a China na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em alguns anos, as grandes empresas vão transferir as suas fábricas (usinas-br) de produção para junto da costa chinesa em proveito dos consumidores e em detrimento dos operários dos EUA.

Duas décadas mais tarde, os Norte-Americanos estão a consumir maciçamente produtos chineses, enquanto as suas grandes empresas, que se tornaram transnacionais, viram os seus lucros crescer exponencialmente. Mas simultaneamente, as fábricas de bens de consumo dos EUA foram deslocalizadas ou fecharam à medida que o desemprego se espalhou. A repartição de riqueza foi modificada de tal modo que agora, já não há quase classe média, antes, sobretudo, pobres e alguns ultra-bilionários.

Este fenómeno começa a tocar a Europa quando os eleitores norte-americanos escolhem Donald Trump como presidente. Este tenta, primeiro, resolver de forma amigável a questão da balança de pagamentos com a China (Border-adjustment tax), mas é impedido disso pelos Democratas e por uma parte dos Republicanos. Não conseguindo promover um bloqueio limitado das fronteiras, ele lança-se numa guerra de tarifas alfandegárias na qual o Congresso não tem voz.

Em 2021, oficialmente, sucede-lhe o Presidente Biden. É apoiado pelas transnacionais que tiram os seus imensos proveitos da globalização económica. De imediato, ele declara querer normalizar as relações americano-chinesas. Telefona ao Presidente Xi Jinping para lhe falar da situação dos Uigures, de Hong Kong, mas admite de imediato que o Tibete e Taiwan são chinesas, o que o seu predecessor parcialmente contestava. Acima de tudo, durante uma conferência de imprensa, declarou que cada país têm as suas «próprias normas » e que as posições políticas da China e dos Estados Unidos tinham cada uma a sua lógica. Assim, uma vez na Casa Branca, pode dizer que « compreendia » a repressão chinesa do terrorismo uígur, quando algumas semanas antes acusava a China de « genocídio » do povo uigur sob a capa de repressão do terrorismo.

Nos próximos quatro anos, a Administração Biden deverá, portanto, prosseguir a obra dos Presidentes Clinton, Bush Jr. e Obama, em proveito dos multimilionários e em detrimento do seu povo. Ele irá apoiar-se numa classe dirigente que tira benefícios pessoais deste sistema.

De maneira a compreender este dispositivo, recapitulamos as oito principais figuras que apoiam a aliança comercial americano-chinesa. Primeiro no plano político : uma das principais ícones Democratas e o Chefe dos Republicanos no Senado; depois, no plano económico, os dois maiores distribuidores de bens de consumo; e, por fim, no plano governamental, os decisores na Administração Biden.

Os apoios partidários

Dianne Feinstein

Presidenta da Câmara (Prefeita-br) de San Francisco (1978-88); Senadora (desde 1992).

Partido Democrata.

Quando era edil de San Francisco, em 1978, ligou-se a Jiang Zemin, o qual participou na repressão da revolução colorida de Tienanmen (1989), e depois tornou-se o sucessor de Deng Xiaoping. Graças a este contacto, Feinstein tornou-se a obrigatória intermediária das transnacionais dos EUA para implantar fábricas na China. Assim, ela conseguiu, entre outras, a fortuna do seu terceiro marido, o financeiro Richard C. Blum (Blum partners).

A Srª Feinstein é célebre por ter conseguido a divulgação das informações sobre os 119 prisioneiros da CIA, entre os quais os de Guantanamo, e das torturas a que eram submetidos, em troca do seu silêncio sobre os 80.000 prisioneiros secretos da Navy (Marinha- ndT) nos barcos em águas internacionais.

Mitch McConnell

Senador (desde 1984) ; actual Presidente da minoria Republicana no Senado.

Partido Republicano.

Conseguiu impor a sua esposa, Elaine Chao, como Secretária dos Transportes na Administração Trump em troca do apoio do Partido Republicano à política deste. O seu padrasto, o homem de negócios James S. C. Chao, é um generoso doador para a escola de comércio de Harvard. Assim ele pode exigir que esta formasse uma geração de dirigentes chineses.

Os apoios dos grandes distribuidores

Walmart: família Walton

Propriedade familiar dos Walton.

Doador do Partido Democrata. Hillary Clinton foi membro do seu Conselho de Administração.

Principal distribuidor de bens de consumo nos EUA.

Considerada em 2020 como a família mais rica do mundo.

Amazon: Jeff Bezos

Jeff Bezos, CEO da Amazon, Blue Origin e do Washington Post.
Doador do movimento trans-humanista.

Primeiro distribuidor ao domicílio de bens de consumo no Ocidente.
Considerado em 2020 como o homem mais rico do mundo.

Os Apoios da Administração Biden

Ron Klain

Chefe de Gabinete do Vice-presidente Al Gore, depois do Vice-presidente Joe Biden (1999-2011) ; Chefe Gabinete da Casa Branca (quer dizer coordenador da Administração Biden) (desde 2021).

Partido Democrata.

A sua esposa, Monica Medina, trabalhou para a Walton Family Foundation, quer dizer para a Walmart.

Antony Blinken

Conselheiro de Segurança Nacional do Vice-Presidente Biden (2009-13) ; Adjunto do Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente Obama (2013-15); Secretário de Estado adjunto (2015-17) ; co-fundador da WestExec Advisor (2017-21) ; Secretário de Estado (desde 2021).

Neoconservador.

A sua sociedade de lóbing, WestExec Advisor, é composta de antigos membros da Administração Obama. Ela está encarregue de por em contacto as transnacionais dos EUA quer com o Departamento da Defesa dos EUA, como com o Governo chinês.

Avril Haines

Directora-adjunta da CIA (2013-15) ; Adjunta do Conselheiro de Segurança Nacional (2015-17) ; Lóbista na WestExec Advisors (2018-21) ; Directora da Inteligência Nacional (desde 2021).
Partido Democrata.

Durante a sua passagem pela WestExec Advisors, defendeu os interesses das grandes firmas dos EUA na transferência das suas fábricas (usinas-br) para a China.

A Srª Haines tem a alcunha de «a rainha dos drones » por ter concebido o programa mundial de assassinatos dirigidos por drone. Foi ela que negociou com a Srª Feinstein para que não tornasse públicos os raptos e torturas da Navy (Marinha).

Neera Tanden

Directora do Center for American Progress ; Gabinete da gestão e do orçamento (desde 2021).

Neo-conservadora. Amiga pessoal de Hillary Clinton.

Ao mesmo tempo que era directora du “think-tank” dos Democratas, ela era membro da China-United States Exchange Foundation (CUSEF), hoje dissolvida. Esta organização estava encarregada pelo governo chinês de neutralizar as criticas nos EUA às políticas das transnacionais de deslocalização das fábricas para a China.

Lembremos além disso que, durante a campanha eleitoral, tudo foi feito para evitar os eleitores de tomar conhecimento da investigação do New York Post sobre o filho do Presidente Biden, Hunter. Este, nomeadamente, roubou US $ mil milhões (1 bilhão-br) de dólares na Ucrânia com a cumplicidade da CEFC China Energy, uma sociedade agora dissolvida.

A posição chinesa

A eleição do Presidente Biden é uma maná para a China, a qual não saiu ainda do sub-desenvolvimento. Ela espera jogar com o gosto por dinheiro fácil dos ultra-bilionários norte-americanos para que eles construam novas fábricas, às suas próprias custas, no interior do país.

Ela sabe que isso terá apenas um tempo limitado. Com efeito, à medida que avança o seu desenvolvimento, cada vez mais bem preparados estão os seus operários e, por isso, cada vez custam mais. Desde logo, os que vivem junto à costa do Mar da China estão ao mesmo nível dos trabalhadores americanos. Eles já não podem produzir mais para o mercado externo e viram-se assim para mercado interno agora já rentável.

A China protege, pois, desde já, a parte desenvolvida do país de possíveis deslocalizações. Ela força todas as empresas ocidentais a actuar através de “joint-ventures” detidas em metade por cidadãos chineses. Por outro lado, instaurou a presença obrigatória de um representante do Partido em cada conselho de administração destas empresas, de modo a que elas jamais empreendam estratégias anti-nacionais.

A prazo, apresta-se para agradecer aos investidores estrangeiros e inundar o seu próprio mercado. Mas por sua própria conta desta vez.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Nota:

[1] Unrestricted Warfare: China’s Master Plan to Destroy America, Qiao Liang & Wang Xiangsui, Echo Point Books & Media (2015).

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