sexta-feira, 19 de março de 2021

Portugueses por um Sara marroquino

Raúl M. Braga Pires | Diário de Notícias | opinião

No passado dia 13, o DN foi o primeiro jornal português a fazer eco de um manifesto intitulado "Figuras nacionais pedem a Governo para apoiar Marrocos no Sara". Este "pedido", pode-se dizer ser encabeçado pelo ex-ministro e ex-vice-primeiro-ministro (PM) Paulo Portas, por se tratar do mais encartado deste grupo de alguns ex-ministros e ex-deputados, sobretudo do PSD, mas também do PS.

A oportunidade desta movimentação de interesse prende-se com o facto de o actual PM português ser o presidente do Conselho Europeu, durante este semestre. A POLISARIO/RASD* quebrou, em novembro passado, o cessar-fogo que se ia aguentando desde 1991, quando as forças marroquinas decidiram reabrir a circulação rodoviária com a Mauritânia, interrompida por manifestantes sahraouis durante cerca de um mês (outubro-novembro de 2020). Desde então, o espectro da "Guerra das Areias" de 1963 entre Marrocos e Argélia voltou a pairar sobre o Magrebe próximo.

Não creio que se corra o risco sério de estes dois vizinhos e parceiros de Portugal e da União Europeia (UE) se embrulhem de novo num confronto directo. O contexto é completamente diferente, a guerra fria terminou, o que refreia alinhamentos e tomadas de iniciativa, excluindo deste cenário uma perspectiva convencional do conflito. As dependências entretanto criadas entre o Magrebe e a UE também colocam fora do racional qualquer tipo de confronto directo como aconteceu no passado.

Ora, o não convencional deste pós-pós-modernismo que vivemos é que torna tudo mais imprevisível, e é esse o mote desta mensagem enviada ao PM português, a preocupação com uma desestabilização generalizada de toda a região, alinhada com um dos actores emergentes do mundo pós-11 de Setembro, os grupos terroristas de base islamista, cujo santuário no norte do Mali se aproveita da boleia independentista tuaregue no Azawad, cujas fronteiras tocam o sul da Argélia e o leste da Mauritânia, terreno poroso e de "fronteiras imaginárias", cuja logística pode ir em socorro da subversão antimarroquina mais a norte.

A POLISARIO/RASD sabe que o seu fim enquanto movimento político-militar com motivações válidas e justificáveis é valer-se desta subversão islamista através de um qualquer alinhamento que lhe permita alavancar a sua frente de batalha. Por isso, no plano racional, esse perigo não existirá. No entanto, a frustração das novas gerações de Tindouf, nascidas e criadas no engodo de um Sara livre e independente, poderão optar por ver no canto da "sereia islamista" uma saída derradeira de "vitória ou morte", tornando-se apetecíveis recrutáveis que voltariam a dar nova bolha de oxigénio a "al-qaedas" e outros sucedâneos que, ultimamente, apesar dos estragos provocados no Mali/Sahel, têm visto o seu raio de acção deveras circunscrito, comparativamente com o movimento internacionalista que já representaram enquanto ameaça e acções efectivas. Esta é a grande preocupação destes portugueses que tomaram a iniciativa de falar publicamente sobre o assunto, escolhendo naturalmente um dos lados.

Aliás, assinalo também este dado inédito, já que, pela primeira vez em Portugal, membros da elite dirigente tomaram um partido. Partido esse que não se coloca no âmbito de uma escolha entre um Sara marroquino e um Sara Ocidental, mas entre um Sara marroquino e um AQMI** ressuscitado e de novo pujante. A escolha para Portugal e para a Europa parece-me óbvia!

*Frente Popular de Libertação de Saguía el Hamra e Rio de Oro/República Árabe Sahraoui Democrática
**Al-Qaeda do Magrebe Islâmico

Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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