Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião
A situação, antiga, mas que agora passou para as primeiras páginas dos média, dos trabalhadores imigrantes de Odemira mostra bem a hipocrisia da sociedade em que vivemos.
Em primeiro lugar, porque a situação é, de facto, antiga, e só se tornou "notícia" por causa da pandemia - sendo as miseráveis condições de exploração tratadas jornalisticamente de uma forma secundária face ao risco de contágio. Em segundo lugar, pelas reações de alguns, procurando pôr o foco, não na vergonha de termos uma situação de vil exploração de cidadãos no nosso país, mas sim na questão lateral da requisição civil de um espaço privado para alojamento condigno destes imigrantes... Em terceiro lugar porque, se estes trabalhadores fossem portugueses, a situação já teria saltado para a ribalta, sendo que, tratando-se de trabalhadores estrangeiros, ainda por cima de uns países distantes e "monhés", a situação é "menos" escandalosa...E em quarto lugar por procurarem escamotear o óbvio: esta exploração desenfreada é fruto do sistema capitalista em que vivemos, em que o lucro tudo comanda, mesmo que à custa do espezinhamento da dignidade humana.
Idêntica situação se vive no Qatar, onde verdadeiros prodígios da arquitetura são construídos com base em idêntica exploração de cidadãos imigrantes dos mesmos países dos de Odemira. Sendo que, segundo dados fidedignos, já morreram mais de 6500 trabalhadores em acidentes de trabalho na construção das infraestruturas para o Mundial de Futebol de 2022 - a que assistiremos impávidos e serenos, apenas se tendo ouvido a voz crítica da seleção da Noruega, que apelou mesmo ao boicote (mas os interesses económicos impedi-lo-ão...).
Interesse económico de alguns que se sobrepõe, também, aos interesses da Humanidade. Como o prova a vergonhosa posição da União Europeia contra o levantamento das patentes das vacinas para a covid-19, apesar dos atrasos nas entregas e de milhões de cidadãos espalhados pelo Mundo não terem acesso às mesmas!
*Engenheiro
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