Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
Eis que finalmente chega a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Só que não. De fora deste decreto-lei ficam os gabinetes dos principais órgãos políticos e todos os órgãos de soberania, assim como o Banco de Portugal. Já se sabia que se tratava de uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma, um verbo de encher convenientemente esquecendo áreas nervo como as funções políticas, branqueamento de capitais, regime de incompatibilidades ou contratação pública. Ou seja, a coisa empolada pelo pomposo nome Estratégia Nacional jamais passou de uma lista de vãs intenções, criticada pelos magistrados porque não inclui o enriquecimento ilícito, rejeitada pelos juizes porque ignora o financiamento partidário, sem calendarização, falha de objectivos definidos, manca de meios. Na "Estratégia" há pouco e é para as calendas, embora não se prescinda de criar novos organismos (tachos?!) que irão juntar-se ao corredor da morte onde jazem os demais: entidade de contas e financiamento partidário; conselho de prevenção da corrupção; entidade da transparência. O governo esvai-se a parir e a multiplicar institutos que se resumem a carcaças ocas: cadáver adiado que procria.
Ora, se o executivo vai impor - e bem - que entidades públicas e privadas disponham de ferramentas de regulação e de minimização de riscos de fraude (códigos de conduta, planos de prevenção, canais de denúncia), o próprio governo nunca poderia excluir-se a si mesmo dessas regras, tão pouco isentar gabinetes dos órgãos de soberania, principais órgãos políticos e partidos. Optando pelo caminho do Bem-Prega-Frei-Tomás, desdenha-se nos anos em que várias dessas entidades seguiram as recomendações do Conselho de Prevenção da Corrupção e elaboraram medidas profiláticas.
Residirá aí, então, o exemplo e a referência? Também não. O Conselho de Prevenção da Corrupção agora também rejeitou o imperativo dos seus membros apresentarem a declaração de interesses, património e rendimentos, abrindo uma excepção à norma que vigora para titulares de altos cargos públicos. Ou seja, estes estão obrigados a expor as declarações de património e rendimentos mas os elementos que compõem o organismo que zela pela transparência ficam de fora? Mais escárnio e topete era difícil.
Ah, mas então há, pelo menos,
declarações de rendimentos dos políticos? Também não. Ou melhor, haver há, mas
esses documentos não são escrutinados. A Entidade da Transparência foi
anunciada por António Costa como uma prioridade na dita Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção. Criada em 2019 para fiscalizar os tais rendimentos,
interesses e incompatibilidades dos políticos e altos cargos público, ainda não
funciona porque não dispõe de instalações. Embora o Estado seja proprietário de
milhares de edifícios, a coisa só deverá inaugurar em 2023, depois de instalada
no supimpa Colégio de Santa Rita,
Enfim, é evidente que a "Estratégia" é apenas uma: com papas e bolos se enganam os tolos. Não há volta a dar.
*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
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