Raquel
Torres | Outras Palavras/Outra Saúde | Imagem: Aroeira
CENTRO DAS ATENÇÕES
O caso da Covaxin ganhou cores mais intensas ontem depois que o nome de Jair Bolsonaro foi citado textualmente. O deputado
federal Luis Miranda (DEM-DF) – irmão de Luis Ricardo Fernandes Miranda,
servidor da Saúde que afirmou ao Ministério Público Federal ter sofrido pressão
incomum para assinar o contrato – disse ter alertado o presidente sobre
indícios de irregularidade na negociação.
Ele mostrou à imprensa conversas
de março em que ele pede a um auxiliar de Bolsonaro que o presidente seja
avisado sobre “um esquema de corrupção pesado“, do qual ele teria “provas
e testemunhas”. Afirmou também ter se reunido horas depois com o presidente,
que prometeu acionar a Polícia Federal. E disse ter continuado emitindo
alertas e documentos ao auxiliar, mas sem retorno. De acordo com ele, um
desses documentos mostra tentativa de garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um
primeiro lote de apenas 300 mil doses, o que não estava previsto no contrato
com a Precisa Medicamentos, responsável pela importação.
Segundo a Folha, a
Precisa tentou obter esse adiantamento duas vezes. Como a Anvisa não autorizou a compra na época
– devido à falta de documentos básicos sobre a qualidade e segurança da
vacina – os depósitos não foram feitos.
FOCO DA CPI
O rebuliço gerado pelas novas
informações transformou o processo de negociação pela Covaxin em novo ponto central da CPI, à qual os irmãos Miranda
vão depôr amanhã. Os senadores da oposição e os chamados
independentes avaliam que, se forem comprovadas irregularidades, Jair Bolsonaro
pode responder por prevaricação. Segundo a Folha, eles
também consideram que há indícios de crime de advocacia administrativa (quando
se usa a máquina pública em favor de entidades privadas).
Um detalhe nessa
história é que Luís Miranda é pró-governo e sempre deu declarações a favor do presidente.
Agora, no entanto, está na mira do Palácio do Planalto: Bolsonaro pediu que a PF investigue ambos os irmãos. O pedido
foi anunciado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx
Lorenzoni, segundo o qual há suspeita de que o documento apresentado pelo
deputado seja falso.
“A má-fé é clara. A suspeita
da falsificação é forte”, disse ele, emendando uma ameaça: “Deputado Luís
Miranda, Deus tá vendo. Mas o senhor não vai se entender só com Deus não, vai
se entender com a gente também. E vem mais: o senhor vai explicar e o senhor
vai pagar pela sua irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela má-fé, pela
denunciação caluniosa e pela produção de provas falsas”. Miranda disse à Veja que
pretende pedir a prisão de Lorenzoni por conta disso.
SUPERFATURADA?
Na edição de ontem, observamos que o preço cobrado pela Bharat Biotech ao
governo indiano é de US$ 2 por dose da Covaxin, mas a venda para hospitais
privados é feita com valores muito mais altos. Notamos também que, em comunicado à imprensa disponibilizado em seu site, a
farmacêutica aponta que esses US$ 2 são “um preço não competitivo e
claramente não sustentável no longo prazo”, de modo que o valor apontado pelo Estadão como
tendo sido prometido ao governo brasileiro no começo das
negociações – US$ 1,34 – é comparativamente muito baixo, carecendo de
explicação.
No comunicado da Bharat, não
há informações sobre o preço praticado na venda a outros governos. Porém, em
uma postagem feita em abril no Twitter, a empresa divulgou uma tabela informando que o preço de
cada dose. Para exportação, ele é de US$ 15 a US$ 20. O acordo
brasileiro abarca 20 milhões de doses a US$ 15 cada, o que está dentro dos
valores praticados pela Bharat. Isso sugere, apesar de a Covaxin ser de fato
a vacina mais cara comprada pelo Brasil, provavelmente não houve
superfaturamento, e sim um problema de apuração na reportagem do Estadão,
que poderia ter trazido esses elementos.
SPUTNIK V NA OMS
A aprovação emergencial da
Sputnik V pela OMS continua emperrada. Ontem, a equipe de inspeção da entidade publicou
um relatório indicando problemas encontrados em uma
fábricas responsáveis pelo envase, após inspeção realizada no início do mês.
Os técnicos identificaram “preocupações
com a integridade dos dados e resultados de testes microbiológicos e
monitoramento ambiental durante
as atividades de fabricação e de controle de qualidade”. Tiveram também
“preocupações com a implementação de medidas adequadas para mitigar os
riscos de contaminação cruzada” e com a garantia de esterelidade do processo,
além de “preocupações com a rastreabilidade total, identificação e histórico
dos lotes” das vacinas fabricadas no local.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry
Peskov, declarou que todas as correções necessárias já foram feitas.
POSSÍVEL, MAS RARO
Cientistas de um comitê
do Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos
afirmaram ontem que encontraram ontem uma “provável associação” entre as
vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna) e um risco aumentado para problemas cardíacos em adolescentes e
jovens adultos, especialmente em homens. Foram analisados casos de
miocardite, uma inflamação do músculo cardíaco, e pericardite, inflamação do
revestimento ao redor do coração. A maioria deles ocorreu após
segunda dose. Não houve nenhuma morte; a maioria dos afetados foi
hospitalizada, mas não teve agravamento. A FDA (Anvisa dos EUA) vai adicionar um aviso às bulas.
Esse parece ser um efeito
colateral bem raro dessas vacinas, com as taxas variando muito segundo a
idade e o sexo. Há cerca de 12 casos por milhão de vacinados com a segunda dose
considerando pessoas de 12 a
39 anos; porém, esse número é maior para os mais jovens e do sexo masculino. Essa
é uma informação importante no contexto em que alguns afortunados países
começam a vacinar adolescentes. Também é algo que poderia ser levado em
conta no quebra-cabeças das campanhas de imunização, para que cada grupo
populacional receba o imunizante mais benéfico e menos nocivo de acordo com
suas características – ao menos em lugares onde existe tal planejamento e uma
oferta variada de vacinas.
De todo modo, o CDC
reiterou ontem que, mesmo para adolescentes, os benefícios da vacinação ainda superam os riscos e que toda a população acima
de 12 anos deve receber suas injeções. “Os pesquisadores [do
comitê] estimam que, de um milhão de segundas doses administradas a meninos de 12 a 17 anos, as vacinas podem
causar no máximo 70 casos de miocardite, mas evitariam 5.700 infecções, 2.215
hospitalizações e duas mortes”, diz o New York Times.
A QUEDA DE SALLES
Ricardo Salles se uniu ontem a outros 15 ministros que caíram no governo Bolsonaro.
Foi ele quem pediu para sair do Meio Ambiente, mas há algumas semanas havia rumores de que seria demitido após se tornar alvo
de investigações sobre a suspeita de favorecimento a madeireiros. A
Polícia Federal estava quebrando seus sigilos bancário, telemático,
telefônico e fiscal.
Agora, os dois inquéritos
que correm no STF a respeito dele devem ser encaminhados para a primeira instância.
A saída de Salles é a típica
notícia que só é boa até a página 2, pois não há nenhum indício de mudança na política ambiental do
governo. Muito pelo contrário. No seu lugar foi nomeado Joaquim
Álvaro Pereira Leite, que já ocupava o cargo de Secretário da Amazônia e
Serviços Ambientais na pasta e, por mais 20 anos, foi conselheiro da
Sociedade Rural Brasileira. O Globo diz que, “segundo interlocutores
da pasta, auxiliares de Salles serão mantidos em seus postos com a
justificativa de que fazem um trabalho técnico dentro da ‘nova visão ambiental’
implementada por Salles”. O novo ministro, assim como seu antecessor,
defende que é preciso “um olhar econômico para a Amazônia”.
Sob este olhar, em 2020 a taxa de
desmatamento na Amazônia Legal Brasileira foi a maior em 12 anos, de acordo com um levantamento
divulgado ontem pelo Instituto Socioambiental.
A propósito: Leite vem de
uma tradicional família de fazendeiros de SP que está em disputa por um pedaço
da Terra Indígena Jaraguá. “Segundo um documento da Funai, capatazes
a serviço da família chegaram a destruir a casa de uma família indígena ao
tentar expulsá-la do território reclamado”, diz a matéria da BBC.
E por falar em terra
indígena, ontem a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou que o PL 490/2007 tramite no plenário. O texto traz mudanças no reconhecimento da demarcação
das terras: prevê que, para conseguir uma demarcação, os povos precisam
comprovar a posse da terra em 1988, quando a Constituição foi promulgada. Além
disso, proíbe a ampliação de terras já demarcadas e abre espaço para
flexibilização do contato com povos isolados. Por duas semanas, representantes
de várias etnias protestaram em Brasília para evitar o avanço da proposta, mas não foram sequer ouvidos pelos deputados.
*Raquel Torres é editora de
Outra Saúde