A floresta portuguesa continua à espera de decisões eficazes e consistentes, que a preservem e desenvolvam como recurso económico, social e ambiental ao serviço do país e das populações.
Duarte Caldeira | AbrilAbril | opinião
Pela Lei n.º 23/2021 de 7 de maio a Assembleia da República restabeleceu «o funcionamento, por um período de 60 dias, do Observatório Técnico Independente para análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional», criado em 2018 e que cessou o seu mandato em 31 de dezembro de 2020.
No diploma que restabeleceu o funcionamento temporário do observatório, não foi definida qualquer missão especifica para este, pelo que se aplicam as atribuições constantes no diploma inicial que o criou.
Confrontado com esta circunstância o observatório, face à inexistência de qualquer orientação adicional da parte do Parlamento, decidiu centrar a sua análise no Programa Nacional de Ação (PNA) do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR).
Apesar de todos os esforços desenvolvidos pelo observatório, na pessoa do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para aceder à versão consolidada decorrente do período de discussão pública do PNA aprovado pelo Conselho de Ministros na sua reunião de 27 de maio de 2021, só a 7 de junho de 2021 (dia anterior à publicação da RCM em DR) foi disponibilizada a versão final do referido documento.
É no contexto das referidas limitações, impostas pela dificuldade de aceder, em tempo útil, à informação necessária para o pleno cumprimento do seu mandato, na linha do que sempre fez desde a sua criação, que o observatório está neste momento a elaborar o seu parecer.
A partir de quatro Orientações Estratégicas, 12 Objetivos Estratégicos, 28 Programas, 97 Projetos e mais de 200 Medidas, o PNA assume-se como um instrumento «dinâmico, flexível e resiliente e configura uma ferramenta imprescindível à construção de um território mais seguro, mais valioso e onde as atividades florestais e silvo pastorícias são âncoras do desenvolvimento sustentável das regiões.»
A partir desta definição proclamatória (apanágio de todos os documentos produzidos ou encomendados pelo Governo e que têm esmagado a capacidade de avaliação critica de quantos sobre os mesmos se têm detido politicamente) definem-se as metas gerais do sistema até 2030.
O documento prevê que a despesa total do sistema, até 2030, ascenda a 7122 milhões de euros.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e outros Fundos Comunitários, o Orçamento de Estado e o Fundo Ambiental são as principais fontes de financiamento do PNA.
Para alem da dúvida que alguns dos 97 projetos suscitam quanto ao seu contributo para os resultados expectáveis, importa reconhecer que estamos na presença de uma circunstância única em décadas de políticas de defesa e valorização da floresta, quanto ao volume financeiro alocado aos mesmos.
Precisamente por isso importa que a Assembleia da República crie condições para o acompanhamento sistemático e informado da execução deste plano, seja qual for o modelo que venha a adotar para este efeito, de modo a que, em tempo útil, se identifiquem e avaliem os desvios e incumprimentos dos objetivos, programas, projetos e medidas que nele estão plasmados.
A estratégia adotada pelo Governo no domínio da defesa e valorização da floresta portuguesa, após os incêndios de junho e outubro de há 4 anos, tem-se caracterizado pela frenética produção legislativa, muitos planos, muito marketing e muita retórica científica. Tem faltado contraponto político eficaz para demonstrar que, até ao momento, nada de estrutural se alterou na situação calamitosa a que chegou a floresta portuguesa.
Afinal não basta organizar conferências, contratar consultoras pagas a peso de ouro para elaborarem estudos, convidar peritos internacionais para virem a Portugal afirmarem o que está publicado em múltiplos artigos científicos, alterar leis orgânicas dos serviços da administração central e outras medidas do mesmo tipo.
Falta uma visão integrada para o desenvolvimento do país que possibilite um forte investimento nas regiões do interior e a consequente fixação de população no território. Falta uma estratégia de envolvimento dos pequenos e médios proprietários florestais que detêm mais de 90% dos espaços florestais do país, de modo a que possam retirar rendimento das suas propriedades. Falta chamar os autarcas ao planeamento das políticas publicas, em vez de transformá-los em meros executores de decisões construídas por uma elite de iluminados.
A floresta portuguesa continua à espera de decisões eficazes e consistentes, que a preservem e desenvolvam como recurso económico, social e ambiental ao serviço do país e das populações, nomeadamente das que ainda não desistiram e nela permanecem, à espera de melhores dias.
* O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)
* Investigador na área da
Protecção Civil. Presidente do Conselho Directivo do Centro de Estudos e
Intervenção
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