terça-feira, 3 de agosto de 2021

Analistas alertam para "iraquização" de Cabo Delgado

Consultora NKC vê contribuição positiva de tropas ruandesas nos primeiros dias em Moçambique. Outros analistas, porém, dizem que missão do Ruanda seria financiada pela França para garantir retorno da petrolífera Total.

A consultora NKC African Economics considera que o envio de tropas do Ruanda a Cabo Delgado "parece, até agora, ter contribuído positivamente" para o combate ao grupo armado que provoca a crise de segurança na província moçambicana desde 2017. 

"Chegar ao Ruanda para obter assistência antes dos seus parceiros regionais foi um passo curioso, mas a presença do Exército ruandês na província parece ter contribuído positivamente para a luta até agora", escrevem analistas consultados pela agência Lusa. 

A consultora espera que a "competição entre as forças" não dificulte o alcance da paz, uma vez que "a expansão da insurgência para além das fronteiras de Moçambique é uma possibilidade". 

A consultora salienta que o destacamento militar deve ser complementado por um apoio socioeconómico. "Não acreditamos que um nível sustentável de estabilidade possa ser alcançado até que os padrões de pobreza dos residentes sejam tratados", concluíram.

"Tropas contratadas"

Por outro lado, crescem entre analistas moçambicanos e estrangeiros a perceção de que a presença das tropas ruandesas serviria para assegurar segurança suficiente para o retorno da gigante francesa Total para continuar o projeto de extração de gás em Afungi. 

Segundo uma análise publicada esta segunda-feira (02.08) pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), os militares ruandeses estariam "a agir como mercenários". O CDD sustenta que os contatos entre Paris e Kigali sobre uma intervenção militar em Cabo Delgado foram intensificados depois do ataque à vila de Palma em março, que fez a Total suspender os trabalhos de extração de gás em Afungi. 

"Não há aqui ajuda entre Estados. Ruanda está a agir como uma empresa majestática ao estilo das antigas que estavam aqui em Moçambique ao serviço das metrópoles. É a 'iraquização', uma forma disfarçada de estabelecer um muro à volta daquela área de Afungi", opina Adriano Nuvunga, diretor executivo do CDD, citado na mesma análise.

A especialista em contraterrorismo, Jasmine Opperman, usou o Twitter para opinar sobre o contingente militar estrangeiro que se faz cada vez mais presente na província moçambicana. 

"Ruanda [leia-se também França] quer ter o maior número de vitórias possível – é isto seria um teste para a SADC? A 'iraquização' está de verdadeiramente ao máximo ritmo. Não esqueçam dos que estão envolvidos em prover informações de inteligência", escreve Opperman.

Solução conjugada 

A consultora NKC African Economics espera que a "competição entre forças" estrangeiras não dificulte o alcance da paz, uma vez que "a expansão da insurgência para além das fronteiras de Moçambique é uma possibilidade". 

Os analistas consideram que a missão baseada no "controlo militar" deve complementada por apoio socioeconómico. "Não acreditamos que um nível sustentável de estabilidade possa ser alcançado até que os padrões de pobreza dos residentes sejam tratados", escrevem os analistas da consultora ouvida pela agência Lusa. 

Na sua análise, o CDD alerta que a "iraquização" poderá encarecer o projeto de extração de gás natural em Afungi, porque "cada euro que a França está a investir em operações militares vai ser recuperado através do gás de Moçambique". 

Adriano Nuvunga crê que uma solução militar exigirá a presença militar continuada na região. "Quando as tropas ruandesas terminarem a sua missão, as operações militares terão que ser continuadas, porque não terá havido uma solução de diálogo. Uma solução militar pressupõe sempre a presença de forças militares", avalia.

Deutsche Welle | Lusa

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