MOÇAMBIQUE
Diretor do CIP acha que antigo ministro é fundamental para explicar como foi viabilizado o esquema. Edson Cortez diz que a sociedade deve estar alerta a "espetáculos" para promover "distração" durante o julgamento.
Começou nesta segunda-feira (23.08) o julgamento do caso das dívidas ocultas, que lesaram o Estado moçambicano em pouco mais de 2,2 mil milhões de dólares americanos.
O primeiro dia das audições que estão a decorrer nas instalações a cadeia de máxima segurança na Machava, vulgo B.O., foi marcado por momentos de crispações entre alguns advogados de defesa, representante do Ministério Público e o juiz do caso. Também marcou o dia a confirmação da África do Sul de extraditar para Moçambique o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang.
Entrevista à DW África, Edson Cortez, diretor executivo do Centro e Integridade Pública (CIP), diz que este julgamento deveria ser um momento de reflexão dos moçambicanos por revelar a quebra de valores de toda uma sociedade. No entender de Cortez, o escândalo das dívidas ocultas é "uma vergonha nacional".
Para o analista, a sociedade deve estar atenta para não se deixar distrair por "espetáculos", como as acusações de conflito de interesse referentes ao advogado Alexandre Chivale, que defende António do Rosário e Ndambi Guebuza.
DW África: Qual é a sua primeira análise do arranque do julgamento do caso das dívidas Ocultas?
Edson Cortez (EC): A primeira impressão é de que muitos moçambicanos não tinham a noção da acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Mas vejo muita incredulidade e muita gente a ficar de boca aberta, não acreditando nos valores que estão a ser ditos. Agora, esperamos que o julgamento não resvale a guerras políticas, que o juiz consiga manter o discernimento das partes, focando-se na produção das provas.
Logo no início da sessão, houve um momento de alguma tensão entre alguns advogados, o juiz e a PGR.
DW África: No seu entender, o que justificou este momento de crispação entre os advogados, o Ministério Público e o juiz, que deixou um pouco tensa a sala?
EC: É preciso olhar para a própria natureza deste julgamento. Este não é um julgamento normal. É um julgamento que envolve figuras do topo do nosso sistema político. É um julgamento que, acima de tudo, revela a crise de valores éticos em que a nossa sociedade está envolvida. Esse julgamento devia ser uma vergonha nacional porque mostra aquilo que é governar para o seu bem próprio em detrimento do cidadão, do povo. Quando se faz alguma coisa pelo povo, acha-se que ele tem que agradecer por isso. Não é [visto como] um dever, como alguém que está a governar. É [visto como] um favor que se está a prestar.
DW África: Hoje tomou-se conhecimento da revelação do Ministério Público de que o advogado de António do Rosário e também de Ndambi Guebuza, Alexandre Chivale, está num eminente conflito de interesse. A se provar que há conflito de interesses, o que isso pode causar?
EC: Essa informação, o Ministério Público não tinha antes do julgamento? Se tinha, o que fez? Não era necessário chegar ao dia do julgamento para isso ser atirado à cara do advogado em praça pública, eventualmente embaraçando-o e deixando-o constrangido. Porque todo esse assunto poderia ter sido feito na tal acusação que está a ser lida. Então, são estes tipos de espetáculo que poderão distrair-nos do essencial
DW África: O Governo sul-africano acaba de decidir extraditar o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, para Moçambique e não para os Estados Unidos. O que esta extradição poderá trazer como mais valia no processo do julgamento do caso das dívidas ocultas, que hoje começou?
EC: Se vier agora, julgo que pode ser uma testemunha importante para compreendermos como é que foi feito todo esse esquema porque, até agora, não há melhores pessoas para explicarem-nos isso do que o ex-ministro Manuel Chang, Gregório Leão, António do Rosário. São pessoas que conhecem por dentro os corredores do poder e sabem quais foram as portas que foram abertas. Como é que dossiers saíram do Ministério das Finanças para o Ministério da Defesa e da Defesa para o Banco de Moçambique. Como é que tudo isso foi viabilizado, sem, por exemplo, consultar nem pedir qualquer tipo de aprovação do Parlamento.
Amós Fernando | Deutsche Welle | Na imagem: Manuel Chang / DW
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