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Mesmo estagnada em intenções de voto no mundo "offline", AfD monopoliza engajamentos nas redes sociais, enquanto siglas tradicionais patinam na área. Seu trunfo: declarações ultrajantes e incentivos do algoritmo Facebook
Clique, curta e compartilha: as redes sociais são a espinha dorsal da estratégia de campanha do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) desde 2013. E o alcance da legenda nessa área só aumentou desde então.
Nas redes alemãs, a política parece existir de forma invertida: partidos de massa no mundo "offline" como a União Democrata-Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, são nanicos. Já a AfD, que não participa de nenhum governo estadual e cuja bancada no Parlamento não tem poder para frear iniciativas governamentais, mantém uma influência desproporcional nas redes.
Em
Mas quem olhar para plataformas como Facebook, Instagram e YouTube pode ter a impressão que o partido é muito maior.
O tamanho da AfD nas redes
Analisando as estatísticas de perfis nas redes sociais de figuras da classe política alemã entre 12 e 15 de agosto, nota-se que Alice Weidel, vice-presidente do partido e colíder da bancada da AfD no Parlamento, de longe a política alemã com mais interações online.
Mesmo que ela não tenha, de acordo com pesquisas, chance de se tornar a próxima chanceler, os vídeos de Weidel foram vistos 4,9 milhões de vezes nesse período de quatro dias. O número de comentários, curtidas e compartilhamentos superam qualquer coisa publicada por outros políticos. Tal engajamento nas redes é precioso no mundo das redes, já que implica que os usuários se identificam tanto com o conteúdo a ponto de dissemina-lo ainda mais.
A AfD tem oficialmente 32 mil filiados na Alemanha. A tradicional CDU tem muito mais: 430 mil, com idade média de 59 anos, a mesma do candidato do partido à chancelaria, Armin Laschet, que espera ser o sucessor de Merkel.
Nas redes sociais, o desempenho de Laschet é pífia em comparação a Weidel, de 42 anos. Seu burocrático slogan de campanha "A proteção inteligente do clima é uma tarefa transversal" só mobilizou alguns poucos usuários, acumulando não mais do que algumas centenas de likes, compartilhamentos e comentários (muitas vezes com tom negativo) no Twitter e Facebook. No período entre 12 e 15 de agosto, os vídeos de Laschet acumularam apenas 320 mil visualizações.
Facebook: a meca da AfD
Em entrevista à DW, Marcus Schmidt, assessor de imprensa do grupo parlamentar da AfD, admite: "Sem o Facebook, não acredito que a AfD pudesse ter se tornado um sucesso tão rapidamente."
Usar o Facebook como um canal para seus apoiadores permite que a AfD contorne os meios de comunicação tradicionais e espalhe suas mensagens diretamente - mensagens muitas vezes abertamente racistas, nacionalistas e repletas de fake news.
O Facebook continua sendo a plataforma de engajamento mais importante da AfD. Cerca de 84% das interações de Alice Weidel nas redes sociais foram registradas nessa plataforma.
Embora o Partido Verde e especialmente o liberal Partido Liberal-Democrata Democratas - chefiado por Christian Lindner, que tem experiência em redes sociais - tenham intensificado seus esforços nas mídias, Weidel ainda aparece bem à frente de todos os seus concorrentes em interações totais.
Mensagens incendiárias
Fundada em 2013, como uma sigla majoritariamente eurocética moderada que contava com vários liberais, a AfD rapidamente se converteu de maneira veloz em um agrupamento ultranacionalista e anti-imigração entre 2014 e 2015. Como resultado, vários fundadores deixaram a sigla, afirmando que o partido havia se tornado um veículo "iliberal", que se distanciou do seu propósito original.
Hoje, a AfD é um guarda-chuva para diferentes grupos de ultradireita, como ultraconservadores, fundamentalistas cristãos e ultranacionalistas. Muitos membros também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo.
Postagens bem-sucedidas da AfD nas redes buscam despertar emoções: alimentando o medo em relação aos imigrantes, ao crime e à queda na mobilidade social, enquanto tentam atiçar raiva contra a chanceler Merkel e as "elites" do país. Publicações vívidas e provocativas e bordões emocionais são fundamentais para a estratégia de mídia social dos ultradireitistas.
Weidel, por exemplo, usou com sucesso recentemente a expressão "república das bananas" ao falar sobre as recentes enchentes devastadoras na Alemanha. "Os que estão no poder deixaram a Alemanha se degenerar em uma república das bananas, na qual os cidadãos não podem ser alertados e protegidos contra desastres", disse ela.
Várias postagens semelhantes viralizaram com a mesma intensidade.
Notícias falsas e desinformação têm sido parte integrante das campanhas da AfD desde o início. Às vezes, políticos da sigla lançam boatos que Merkel furou seu período de quarentena (algo que ela não fez), em outras oportunidades, colocam frases falas na boca de adversários políticos.
Tudo que importava é a atenção. Em
outros casos, a AfD mantém relações estreitas com youtubers de extrema direita.
Em novembro, deputados do partido foram acusados de autorizar a entrada de
algumas figuras dessa cena na internet no prédio do Parlamento,
O chefe da equipe de mídia social do grupo parlamentar da AfD, Mario Hau, nega que a sigla dissemine material falsou ou calunioso. "Fazemos tudo isso com base em, por exemplo, dados e pesquisas. Não produzimos notícias falsas."
O efeito bola de neve de provocações planejadas
A forma como as redes sociais funcionam garante que a AfD receba o máximo de atenção, de acordo com Felix Kartte, conselheiro da Reset Tech, uma organização sem fins lucrativos que defende a regulamentação das mídias sociais.
Emocionais, ousadas, radicais e vigorosas - são essas as postagens que atraem comentários, são compartilhadas e influenciam os algoritmos, explica Kartte.
"As plataformas oferecem aos comentários mais extremos uma vantagem sistêmica porque seus algoritmos e sistemas de recomendação são configurados para privilegiar esse tipo de conteúdo, já que ele é mais envolvente", diz Kartte. Isso faz com que opiniões controversas ou incendiárias acabem sendo super-representadas nas redes sociais. E os partidos populistas podem usar isso a seu favor, mesmo que tenham pouco apoio dos eleitores nas urnas.
Um documento interno de estratégia do partido AfD para a campanha das eleições gerais de 2017 deixou claro qual é a estratégia do partido. O memorando pedia que os candidatos da sigla e apoiadores fizessem "provocações cuidadosamente planejadas" como meio de gerar manchetes e chamar a atenção dos eleitores. Até mesmo a reação negativa e críticas de adversários às provocações são encaradas como ativos pelo partido.
"Quanto mais eles tentam estigmatizar a AfD por causa de palavras provocativas ou ações, melhor para o perfil da AfD. Ninguém dá à AfD mais credibilidade do que nossos adversários políticos", apontava o documento.
E a produção de declarações ultrajantes que reverberam não só nas redes sociais como na imprensa tradicional é uma especialidade da AfD.
Em 2017, o atual colíder da bancada da AfD no Parlamento Alexander Gauland disse que os alemães deveriam ter orgulho dos soldados que lutaram nas duas guerras mundiais. Em 2016, ele já havia provocado indignação ao ofender o zagueiro da seleção alemã Jérôme Boateng, que tem origem africana, afirmando que nenhum alemão gostaria de ter "como vizinho" alguém como o jogador.
Em janeiro de 2017, Björn Höcke, deputado da AfD no parlamento estadual da Turíngia, chamou o Memorial do Holocausto em Berlim de "monumento da vergonha". Höcke também é autor de um livro que encampa teorias conspiratórias populares na extrema direita, como a chamada "grande troca populacional", que sustenta que governos europeus, com a cooperação das "elites", conspiram para trocar a população branca por imigrantes muçulmanos ou africanos.
Juan Carlos Medina Serrano, cientista político da Universidade de Munique que estuda a estratégia de mídia social da AfD há vários anos, afirma que a sigla é adepta de projetar conteúdo polarizador para se tornar viral: "Outros partidos não produzem esse tipo de conteúdo agressivo. Portanto, suas mensagens são menos compartilháveis."
Moldado para se tornar viral
Medina Serrano vê semelhanças com o caso da AfD e o uso bem-sucedido das mídias sociais pelo ex-presidente americano Donald Trump - mas também uma diferença importante. Enquanto a campanha presidencial de Trump em 2016 usou uma grande quantidade de publicidade paga - a AfD quase não recorre a esse tipo de estratégia. Em vez disso, depende de conteúdo orgânico.
A AfD também usa "uma narrativa de 'não estamos tendo tempo suficiente na mídia, então nos apoie nas redes sociais'", explica Medina Serrano. Essa narrativa ajuda o partido a se posicionar como um outsider antiestablishment e incentiva os eleitores em potencial a obter informações diretamente com a AfD.
Os seguidores também são repetidamente instados a compartilhar o conteúdo para aumentar o alcance do partido, prossegue Medina Serrano. Os políticos e funcionários do partido incentivam um "envolvimento constante com sua comunidade", respondendo constantemente aos comentários dos usuários.
Por outro lado, Serrano também aponta que a AfD é adepta do uso de robôs.
Antes da eleição para o Parlamento Europeu em 2019, checadores da emissora pública alemã ARD identificaram várias conta recém-criadas no Twitter, que mostravam fotos de de mulheres jovens que interagiam com outros perfis semelhantes e retuitavam o conteúdo umas das outras. Um exemplo foi o caso de "Beate", cujo perfil inicialmente pertencia a uma página russa de dicas de beleza e que passou por um processo de metamorfose para se tornar uma ultradireitista. Sua conta conseguiu mil seguidores em um mês - incluindo vários membros do bloco parlamentar da AfD,e outros perfis de mulheres jovens com sinais de serem robôs.
O uso de tais contas falsas é difícil de quantificar ou provar, admite Medina Serrano.
Campanha do "Velho Oeste"
As empresas de mídia social têm algumas regras antidiscurso de ódio para suas plataformas, que chegaram a causar alguns problemas para a AfD no passado.
A deputada Beatrix von Storch, uma figura influente do partido, se tornou uma das primeiras a ser sancionadas por leis contra discurso de ódio nas redes sociais em janeiro de 2018, quando sua conta no Twitter chegou a ser bloqueada temporariamente por causa de um tuite racista.
Recentemente, ele se encontrou com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, outra figura que ganhou projeção nacional graças a uma mistura de declarações ultrajantes e preconceituosas e uma atuação agressiva nas redes sociais - também suspeita de usar ferramentas irregulares de impulsionamento e robôs. Tal como Bolsonaro, Von Storch vem divulgando mensagens contra o que chama de "censura" contra "conservadores" nas redes sociais pelas plataformas.
Mas mesmo o caso da sanção contra Von Storch foi raro na Alemanha.
No mundo "offline", a Alemanha tem regras e restrições rígidas para a campanha eleitoral, como limitar o tempo que os outdoors da campanha podem ficar nas ruas ou restringir os horários dos anúncios da campanha na TV. Mas não há equivalente na campanha online, que permanece pouco regulamentada.
A campanha de mídia social é "basicamente o Velho Oeste", destaca Felix Kartte, "E isso beneficia a AfD."
A AfD também rejeita apelos para selar um compromisso voluntário de todos os partidos para executar uma campanha eleitoral justa e transparente. Em entrevista à DW, o porta-voz do grupo parlamentar da AfD, Marcus Schmidt, classifica as iniciativas com um mero "show" para desacreditar seu partido.
Em vista da crescente importância das mídias sociais, uma aliança civil de associações e iniciativas da Alemanha está pedindo um compromisso voluntário dos partidos políticos com campanhas eleitorais justas e transparentes na internet. Mensagens políticas pagas teriam que conter um aviso claro. E os comentários de ódio nas postagens devem ser excluídos pelos partidos.
Para Kartte, o espaço desproporcional conquistado pela AfD pelas plataformas de mídia social representa um perigo para a democracia.
Hans Pfeifer, Madelaine Pitt | Deutsche Welle
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