terça-feira, 23 de novembro de 2021

Moçambique | O que mudou desde o assassinato do jornalista Carlos Cardoso?

O dia 22 de novembro tornou-se uma data de reflexão para os jornalistas em Moçambique. Há exatos 21 anos, Carlos Cardoso foi assassinado numa zona nobre de Maputo devido à uma apuração jornalística.

Editores de alguns jornais de Moçambique dizem que o dia 22 de novembro sempre será muito importante para o jornalismo investigativo e a liberdade de imprensa no país.

Foi nesta data, em 2000, que o jornalista Cardoso Cardoso foi assassinado no início da noite na avenida dos Mártires da Machava, região central de Maputo. O jornalista deixava a redação do jornal Metical, do qual era o proprietário, quando foi alvejado com uma rajada de metralhadora dentro da sua viatura. O crime ocorreu numa altura em que Cardoso levantava informações sobre uma fraude de 14 milhões de dólares [12 milhões de euros] no antigo Banco Comercial de Moçambique.

O jornalista Egídio Plácido, associa esta data à luta pela liberdade de imprensa no país. O editor executivo do semanário Zambezi crê que ainda hádificuldades para o exercício da profissão em Moçambique. Plácido cita, por exemplo, o recente caso que envolveu o Mediafax e o Canal de Moçambique, que citava o antigo Presidente Armando Guebuza.   

"Os jornalistas foram à barra do tribunal só por terem replicado uma opinião de um economista do Instituto de Estudos Sociais e Económicos", lembra.

Mudança de tática

Carlos Cardoso foi membro fundador do grupo Mediacoop - integrado pelo diário eletrónico Mediafax e pelo semanário Savana. O atual editor do Savana, Francisco Carmona, não tem dúvidas de que o poder político mudou de tática para intimidar os jornalistas.

"Já não visam diretamente [o jornalista], como fizeram com Cardoso, porque aprenderam muito com isso. Fazer os jornalistas deixarem de desempenhar os seus trabalhos nas redações para frequentarem os tribunais também é uma forma de algemar as palavras. É uma forma de intimidação", avalia Carmona.

A impressão é de que, desde o assassinato de Carlos Cardoso, o jornalismo investigativo em Moçambique marcou passo. Plácido entende que os profissionais mais experientes deste ramo, que se pautavam por reportagens de investigação, preferem estar colados ao poder político.

Para o editor do Zambezi, há uma certa dependência política do jornalista. "Se formos ver, os jornalistas mais experientes do país são assessores de políticos. Resta os menos experientes, [que] não têm ferramentas para o trabalho de investigação", lamenta Egídio Plácido.

Esforço da nova geração

Apesar da pouca experiência, Plácido crê que os jornalistas menos experientes tentam trazer matérias jornalísticas bem investigadas. Para o editor do Zambezi, este esforço dos profissionais de imprensa moçambicanos é o grande legado de Carlos Cardoso.

"Além da coragem que ele tinha para afrontar o poder político. São valores que quase mais ninguém poderá fechar. [Cardoso] tinha uma forma única de lidar com esses assuntos. É verdade que alguma coisa está a ser feita. Há outros tantos bons jornalistas que fazem mais ou menos aquilo que o Cardoso fazia", considera. 

Francisco Carmona lembra que o assassinado de Cardoso no ano 2000 foi um recado do crime organizado aos jornalistas, por isso houve pânico nas redações à época. Por outro lado, nos dias de hoje, os jornalistas moçambicanos mostram-se cada vez mais corajosos. Para o editor do Savana, a consolidação desta "coragem" foi um processo paulatino, mas visível hoje em dia. 

"Basta ver como a comunicação social está a lidar com o caso das dívidas ocultas, que envolve pessoas altamente poderosas e tem como centro os serviços secretos moçambicanos. Estão aí os jornalistas que continuam a denunciar os grandes escândalos. É por isso que temos este julgamento", opina. 

Os seis assassinos de Carlos Cardoso foram condenados em 2003 a penas entre 23 e 28 anos de prisão.

Romeu da Silva | Deutsche Welle

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